Resenha:
O ESTIGMA DO PASSIVO SEXUAL: UM SÍMBOLO DE ESTIGMA NO DISCURSO COTIDIANO. Michel Misse, apresentação de Peter Fry, 3a edição aumentada, NECVU/ IFCS-UFRJ, Le Metro, BOOK LINK, 2005.
Gisálio Cerqueira Filho*
A 1a edição de “O Estigma do Passivo Sexual”, foi publicado na coleção Textos Paralelos, Achiamé/ Soccii, Rio de Janeiro, 1979. Fui fundador e diretor presidente, por dois períodos sucessivos de dois anos cada, do Socii – Pesquisadores Associados em Ciências Sociais/RJ [1]. No lançamento do livrinho em questão (formato de bolso, que antecedeu a coleção “primeiros passos” da Ed. Brasiliense), houve faro acadêmico e editorial. Nosso co-editor foi Robson Achiamé Fernandes que vinha da Editora da FGV/RJ e acabava de fundar a sua editora. O livro vendeu bem, teve uma segunda edição, e segue vivo tantos anos depois. O mesmo aconteceu com outros volumes: por exemplo “Compromissos conservadores do liberalismo no Brasil”, por Gizlene Neder; “Pensamento político no Brasil: Manoel Bonfim: um ensaísta esquecido”, por Aluizio Alves Filho, “Os carreiristas da indisciplina”, por Antonio Serra e Cristina Rauter. Isto para citar algumas das pequenas grandes obras.
Por isso não me espanto com o testemunho de Peter Fry que diz na apresentação da terceira edição: “o ensaio de Michel Misse logo me fascinou” (p.8). E não só a ele. Muitos cientistas sociais ficaram realmente encantados com o formato, a produção gráfica e o conteúdo de alguns títulos escritos com paixão e seriedade intelectual. Recordo-me por exemplo do quanto foi lido o volume “Metáforas do poder”, assinado por J.A. Guilhon de Albuquerque, um dos maiores cientistas sociais brasileiros. Também o jurista. F. A. de Miranda Rosa publicou na coleção e foi muito enaltecido. Roberto Lyra Filho trocou correspondência comigo elogiando o Socii. De modo que a confirmação do sucesso editorial e científico da coleção já se realizara bem antes deste início do século XXI.
Todavia, o reconhecimento deste sucesso, da coleção e mesmo do Socii continua acontecendo da parte de vários colegas, de ontem, ante-ontem e de hoje.
Isto é bom, porque “antes tarde do que mais tarde”...
Tem razão o mesmo Peter Fry quando qualifica o Socii de confraria. De fato, muitos de nós havíamos estudado com os Maristas do Colégio São José e cultivávamos um afeto, amizade e camaradagem que ultrapassava os limites dos posicionamentos políticos e ideológicos. Socii sifnifica “companheiros” em latim. No trabalho acadêmico e científico cultivávamos uma postura amadurecida e democrática. As divergências e os conflitos de opinião não nos assustavam. Mas, curiosamente, deixavam muitos observadores ao mesmo tempo perplexos e fascinados. Chamar o Socii de confraria é pois um indicador lingüístico positivo dos elos afetivos que nos sustentavam nos tempos sombrios do regime militar. Como bons seguidores dos irmãos maristas, perseguíamos a virgem e eu mesmo cheguei publicar o poema “Andaluzia Profana” numa alusão ao afeto e à mulher. Dizia assim: “Desde que lleguei a Sevilla / no tengo cantado saetas / ni seguido las confradias / todavia, maravilla, / la virgem la he perseguido / aqui mismo em Sevilla”. [2]
De modo que a confraria Socii foi, de fato, um modus operandi para a resistência político-intelectual; uma estratégia bem sucedida no confronto com o pensamento autoritário e conservador, inclusive das universidades. Eu me sentia e me sinto feliz, vendo a carreira de Michel Misse avançar e logo tornar-se professor e pesquisador no IFCS/UFRJ. Michel havia sido meu aluno de História no pré-vestibular do Colégio La-Fayette, na Tijuca. Posso lhes assegurar que não há maior satisfação para um professor que observar o sucesso continuado de seus ex-alunos.
A terceira edição chega com um prefácio novo, além daquele original, e uma explicação da trajetória da pesquisa uma vez que tudo começou com um trabalho de jovem estudante da graduação.
Foi um achado este deslocamento do estigma: do gênero propriamente dito para a posição passiva. O tema continua oportuno e Laura Moutinho o confirma numa bela resenha ao final, intitulada “Goffman, Misse e a linguagem dos atributos”. Recomendo a leitura.
Por fim, uma curiosidade: o título do recente e premiado filme “O segredo de Brokeback mountain”. O cineasta Ang Lee, diretor do filme, que como todos sabem, aborda o afeto e o relacionamento homossexual entre dois “modernos” cowboys norte-americanos, assinou um contrato mundial com todas os distribuidores, que obrigava comercialmente a manutenção do nome original da montanha em inglês. Uma poderosa metáfora. Será por que? A leitura do livro de Michel Misse pode inspirar a reflexão e a resposta..
NOTAS
[1]
Para um
conhecimento do Socii e da
sua história ver “Política e Mercado Acadêmico: a história do
“Socii” e as Ciêncas Sociais no Rio
de Janeiro: 1977-
O Socii tem sido também alvo de interesse nos EUA e na Europa.
[2] Gisálio Cerqueira Filho, “Cromos” (poemas), ilustrações de Madalena Jará Moura, 7 Letras, Rio de Janeiro, 2000.
* O autor é doutor em Ciência Política pela USP e professor da UFF.