O DIREITO À CULTURA COMO POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA
– PARTE II
Sergio Abreu*
(cont.
do número anterior)
4.
Superando as Incertezas e as Ambigüidades Jurídico-Conceituais da Affirmative Action
no Direito Internacional dos Direitos Humanos e no Direito Constitucional
Brasileiro.
A recusa à convivência, pautada nos princípios da “igualdade e justiça como valores supremos de
uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”, faz incluir o
racismo no debate pós-moderno acerca da tolerância.
Historicamente, o
significado do termo tolerância está circunscrito à questão religiosa e,
posteriormente, à problemática da intolerância político-ideológica.
O tratamento que será dado ao tema se restringirá à intolerância étnico-racial.
Porém, para compreendê-lo em sua urgência e atualidade, é preciso sumariar os
principais pontos que fizeram do conceito o pressuposto básico do princípio da
fraternidade.
A intolerância religiosa e ideológica implica divergência sobre: “opinião ou conjunto de opiniões que são
acolhidas de modo acrítico, passivo pela tradição, pelo costume ou por uma
autoridade cujos ditames são aceitos sem discussão” (Bobbio,1992:5).
A intolerância racial, baseada em critérios físicos
ou sociais, é antecedida pelo preconceito e conseqüente
discriminação.
É nesse sentido que o princípio da tolerância consiste no
reconhecimento da diferença, seja ela religiosa, política ou racial. O
liberalismo, “transfere a teoria do laisser faire da política
econômica para a atividade política geral” (Bobbio,
1994:1245). Enfim, a tolerância “é a
virtude da moderna democracia pluralista” (Bobbio,
1994:1247), pautada na “recusa consciente
da violência como único meio para obter o triunfo das próprias idéias” (Bobbio, 1992:207).
A intolerância religiosa tem
sido responsável pelas mais sangrentas páginas da história da humanidade.
O significado do termo tolerância é dicotômico. Tolerância em sentido
positivo é o reconhecimento e a convivência fraterna e solidária com a
diversidade humana. Em sentido oposto, temos a tolerância negativa, “sinônimo da indulgência culposa, da
condescendência com o mal, com o erro, por falta de princípios, por amor à vida
tranqüila ou por cegueira diante dos valores” (Bobbio,
1992:210). A intolerância, a tolerância negativa, é o repúdio, a neutralidade benevolente, entendida como elemento “vital”,
como “símbolo da sociedade livre”, enfim, militantemente intolerante e
desobediente “às normas de conduta que
toleram a destruição e a repressão” (Marcuse:126).
Herbert Marcuse, ao repudiar a “tolerância
repressiva”, combate a tolerância aos ditadores, à
ordem econômica espoliativa, que esmaga os “povos
acabrunhados” (Borreil, 1993:133). Enfim, a
tolerância negativa, a tolerância diante do intolerável, torna inaudível os
reclamos do “outro”. A tolerância negativa, a longo prazo,
é condescendente com a injustiça social, com o racismo, enfim, com todas as
teorizações e práticas que submetem o homem ao anti-semitismo, ou ao
segregacionismo. A história da humanidade é constituída pela luta contra a
opressão, “uma história de revoluções,
das guerras de libertação dos hebreus contra os egípcios, dos levantes
nacionais contra o Império Romano, das rebeliões dos camponeses alemães do século XVI, das revoluções americana,
francesa, alemã, russa, chinesa e vietnamita” (Fromm, 1975: 269).
A intolerância sempre teve seus artifícios para excluir das
comunidades “os diferentes”, os “indesejáveis” ou mesmo qualquer “outro”. Na
Idade Média, a Grécia prescrevia os indesejáveis colocando-os no ostracismo. A
Europa cristã na Idade Média institui a “morte civil” e morte eclesiástica (excomunhão).
Segundo Hannah Arendt são
as “distinções e diferenciações naturais
e onipresentes que, por si mesmas, despertam silencioso ódio, desconfiança e
discriminação”. Prossegue: “O
‘estranho’ é um símbolo assustador pelo fato da diferença em si, da
individualidade em si, e evoca essa esfera onde o homem não pode atuar nem
mudar e na qual tem, portanto, uma definida tendência a destruir”. É nesse
sentido que a intolerância racial se manifesta no não-reconhecimento do “outro”
enquanto ser humano. Por essa razão, Hannah Arendt assegura que um negro, quando não é considerado mais
do que um negro, “perde juntamente com o
seu direito à igualdade aquela liberdade de ação especificamente humana”.
Por isso, todos os estigmas e estereótipos. Ele não é nada mais do que um
animal chamado homem.
Tolerar
significa portar, suportar, conviver com a diferença. O etnocentrismo encurrala
o negro na sua autenticidade, insulta-o, avassala-o, mas o negro “apanha a palavra preto que lhe atiram como pedra” e
“reivindica-se como negro” (Sartre,1965:98). O
negro faz da tolerância o significado dado pela língua francesa, o supporter, o
combatente. De tolerado passa a sujeito ativo que milita o verbo combater.
Reivindica a sua diferença e “não
tolera a arrogância ocidental que se deu o nome de universal” (Borreil,1993:138). A intolerância, a tolerância negativa
repressiva opressora, que entre nós pode ser traduzida como “democracia
racial”, “provoca uma recusa e uma insurreição
contra uma situação de fato, contra um comportamento, contra idéias que são no
mesmo movimento um sofrimento contra a injustiça” (Borreil,1993:134).
Enfim, a tolerância é um valor híbrido: “elle détruit et elle construit”. Ela consiste
em reconhecer os direitos das pessoas diferentes ou o direito à diferença. Em
resumo, é aprofundar a dimensão comunitária da democracia.
Uma vez entendida as causas da intolerância racial, passaremos a
examinar os conceitos de racismo, discriminação e preconceito.
A imprecisão dos conceitos é fruto da estratégia dos defensores da
tolerância negativa. Os resultados dessa imprecisão têm em muito colaborado com
a difusão das idéias racistas, bem como com as práticas discriminatórias.
5. Os
Instrumentos da Exclusão.
Mais do que conceitos racismo,
discriminação e preconceito constituem-se em instrumentos de opressão e
subalternização de segmentos vulneráveis – mais sujeitos à violação dos
direitos humanos - sobretudo em sociedade
pós-coloniais.
5.1.–
Racismo
O primeiro conceito a ser tratado é o racismo, cujas bases foram
fornecidas no item anterior. O racismo é o conjunto de idéias que classifica a
humanidade em coletividades distintas, segundo atributos naturais ou culturais,
estabelecendo critérios de hierarquização. A classificação baseada em critérios
de superioridade e inferioridade racial é descrita como racista.
Seguramente as diversas concepções de racismo conduzem a imprecisão do
conceito. É certo, que não é indispensável precisar a pertença racial enquanto
realidade biológica, para entender o sentido do racismo. A definição de racismo deriva de uma doutrina
racialista, como já visto. É prudente não reincidir no equívoco do conceito
de raça dos anos setenta, enquanto definição exclusivamente sociológica
, uma vez que se mostra insuficiente para distinguir "raça" de gênero, etnicidade, classe social, ou qualquer outra forma de
hierarquização social. Nos anos oitenta
o pós-estruturalismo, vindo de França , trouxe
a consciência da ambigüidade da definição de "raça". A questão é, ao chamarmos todo e qualquer
tipo de discriminação de racismo, enveredamos para o campo metafórico. Quando não afivelados os conceitos, colocamos o racismo no campo figurativo. É
nesse sentido que seria mais correto designar tais práticas discriminatórias
por termos específicos como "sexismo" , "etnicismo", etc. Em certos casos, ao contrário, o preconceito e
a discriminação pressupõem ou se referem
à idéia de "raça" de maneira central. Nestes, as demais
diferenças são imagens figuradas de "raça". São casos em que a
hierarquia social não poderia manter um padrão discriminatório sem as
diferenças raciais. Apenas aí poderíamos falar de racismo, ou racismos, de modo
preciso.
Podemos então dizer, que o
racismo possui definições que abrangem a perspectiva biológica - oriunda do
antigo biologismo -, a diferencialista
cultural e a perspectiva jurídica-política.
Segundo Christian Delacampgne:
"O racismo, no sentido
moderno do termo, não começa necessariamente quando se fala da superioridade
fisiológica ou cultural de uma raça sobre outra; ele começa quando se faz a
(pretensa) superioridade cultural de um grupo direta e mecanicamente dependente
da sua (pretensa) superioridade fisiológica; ou
seja, quando um grupo deriva as características culturais de outro grupo
das suas características biológicas. O racismo é a redução do cultural ao
biológico, a tentativa de fazer o primeiro depender do segundo. O racismo
existe sempre que se pretende explicar um dado status social por uma característica natural".
Leciona Colette Guillaumin:
"a idéia de natureza (e de grupo natural) não
pode ser eliminada das relações sociais, onde ocupa – mesmo que nos repugne ver
– um lugar central. Ideologicamente escondida (já que a ideologia se esconde
sob a "evidência"), a forma "natural", quer seja do senso
comum ou já institucionalizada, constitui o âmago dos meios técnicos que
utilizam as relações de dominação e de força para se impor aos grupos dominados"
(Guimarães,1999: 31).
Appiah distingue racismo em dois tipos: o extrínseco
e o intrínseco. O primeiro:
"(...) traça distinções
morais entre os membros de diferentes raças porque se acredita que a essência
racial implica em certas qualidades moralmente relevantes. Os racistas
extrínsecos baseiam a sua discriminação
entre os povos na crença de que os membros de raças diferentes se distinguem em
certos aspectos que autorizam um tratamento diferencial – tais como
honestidade, coragem ou inteligência. Tais aspectos são tidos (pelo menos em
muitas culturas contemporâneas) como incontroversos e legítimos como base para
o tratamento diferencial dispensado às pessoas".
Quanto ao segundo, considera Appiah que os
“racistas intrínsecos”:
“... na minha definição, são
pessoas que fazem distinções de natureza moral entre indivíduos de raças
diferentes porque acreditam que cada raça tem um status moral diferente,
independente das características morais implicadas em sua essência racial.
Assim como, por exemplo, muitas pessoas que são biologicamente relacionadas a
outras – um irmão, um tio, um primo – derivam desse fato um interesse moral por
essas pessoas, também um racista intrínseco pensa que o simples fato de ser da
mesma raça é uma razão plausível para preferir uma pessoa a outra" (Guimarães,1999: 31).
A dinâmica do racismo faz dele um conceito em permanente discussão. A
experiência norte-americana e sul-africana demonstrou que a hierarquização
racial, com bases “cientificistas”, segregou e relegou, no primeiro caso, a
minoria afro-americana e, no segundo, a maioria negra sul-africana, às
condições sociais mais subalternas.
O anti-semitismo moderno se distingue do anti-judaísmo,
principalmente por estar fundado em características religiosas e sócio-econômicas.
Aparentemente baseado em características raciais o anti-semitismo, enquanto
idéia racista, considera que as características biológicas fazem daquela
comunidade a razão de todos os males econômicos e sociais.
As tensões sociais são uma das explicações do racismo que elege os “bodes expiatórios para justificar a agressão
dirigida contra grupos minoritários
vulneráveis, acusados de responsáveis por males econômicos e sociais”(dicionário do pensamento social do XX). Quanto às
explicações estruturais, o racismo resulta da frágil posição econômica e
política, colocando certos grupos minoritários “regularmente sob o ataque em toda uma gama de diferentes situações”, dominação e conseqüente espoliação – sob o
fundamento “cientificista” de hierarquização racial.
O racismo, enquanto formulação de hierarquização racial, não é um
fenômeno uniforme. Poderíamos falar sim, em racismos. “Existem muitos e diferentes fenômenos de racismo”. Os diversos racismos estão ligados a fatores sócio-econômicos
e culturais. “Um judeu branco entre
brancos pode negar que seja judeu, declarar-se homem entre homens. O negro não
pode negar que seja negro ou reclamar para si esta abstrata humanidade incolor;
ele é preto. Está encurralado na autenticidade”. (Sartre,1965:65).
Imensas são as
questões que envolvem o racismo na pós-modernidade. O racismo é “maladie sociale de la modernité”.
Enfrentá-lo não é tarefa de pouco esforço. Confronta-se, por vezes, a
intolerância jurídica ao racismo com princípios liberais, (liberdade de
expressão). “La libérte d’expression ne donne pas
le droit d’insulter une communauté”. Entretanto, “uma
sociedade que não permite uma minoria (ou uma maioria) dizer coisas que podem
ser interpretadas em prejuízo de outro grupo é um perigo. Mas toda sociedade
onde se abusa da liberdade de expressão é também um perigo” (Wievioka,1996:
67).
É na idéia de
limites imanentes que encontramos a solução, uma vez que constitucionalmente
não se pode conceber como forma típica do exercício de um direito as aparentes
manifestações desse direito que violem o essencial de outros direitos ou
valores constitucionais.
A idéia dos limites imanentes tem origem
na doutrina e jurisprudência alemãs. Para eles, “limites imanentes nada mais são que "limites
de não-perturbação" (Nichtstörungsschranken),
cada direito seria limitado pela existência de outros direitos, evitando-se
assim o abuso e o prejuízo dos outros". (
Autores, como Michel Wieviorka, classificam
o racismo em neo-racisme, nouveau racisme, racisme différentialiste, e racisme culturel, como expressões modernas que
traduzem uma experiência histórica. É necessariamente uma combinação de duas
lógicas, uma de inferiorização e outra de
diferenciação. Tanto a primeira quanto a segunda correspondem
ao modo de estrutura social de relações de exploração econômica e dominação
social. Racismo e exclusão são, portanto, faces da mesma moeda.
Michel Wieviorka,
em El espacio del racismo, Stetson Kennedy, em Introduction à l'amérique raciste, e Dinest D'Souza, em The end of racisme,
desenvolvem a problemática do racismo e da discriminação racial nos Estados
Unidos fornecendo valiosos fundamentos para a diferenciação dos conceitos de
racismo, discriminação e preconceito.
O racismo como forma de dissolução e absolutização
da etnia é também uma "denegação da
identidade de grupo, opondo-se ao direito de cada indivíduo a viver segundo um enraizamento comunitário(...) Tem
por principal conseqüência, no campo político, fragilizar
ou negar a existência de entidades comunitárias diferentes, ao mesmo tempo,
cultural e etnicamente das outras(...). Portanto,
o racismo revela-se etnocida".(D’Adesky,2001:82-83).
A análise de d'Adesky parte do modelo quadripartido de Pierre-André Taguieff,
filósofo e cientista político. Nesse sentido Taguieff
esclarece a indeterminabilidade conceitual formulando
a distinção entre quatro grandes tipos de racismo: racismo universalista de
tipo espiritualista, racismo universalista de tipo bio-evolucionista
ou bio-materialista, racismo diferencialista
de tipo espiritualista e Racismo diferencialista de
tipo bio-materialista (D’Adesky,2001:27-28).
No plano jurídico o racismo tem
sido tratado nos instrumentos jurídicos internacionais - além das Declarações
Internacionais de direitos Humanos -(Convenção Internacional sobre todas as
formas de discriminação racial, Convenção sobre Discriminação no Emprego e Ocupação , adotada pela OIT, Convenção contra Discriminação
no Ensino, adotada pela UNESCO) . O primeiro, no artigo 1º, define discriminação
racial, como sendo:
“qualquer
distinção, exclusão, restrição ou preferência baseadas em raça, cor,
descendência ou origem nacional ou étnica que tem por objetivo ou efeito anular
ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício num mesmo plano (em igualdade
de condição) de direitos humanos e liberdades fundamentais no domínio político,
econômico, social, cultural ou em qualquer outro domínio da vida pública".
O segundo, no artigo 1º define discriminação como
sendo:
a) toda,
exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião
política, ascendência nacional ou origem social que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de
oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão;
b) qualquer outra distinção , exclusão ou preferência que tenha por efeito
destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de
emprego ou profissão, que poderá ser especificada pelo membro interessado
depois de consultadas as organizações representativas de empregadores e
trabalhadores quando estas existam, e outros organismos adequados. Para o terceiro a discriminação abarca qualquer distinção, exclusão,
limitação ou preferência que, por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião,
opinião pública ou qualquer outra opinião, origem nacional ou social, condição
econômica ou nascimento, tenha por objeto ou efeito destruir ou alterar a
igualdade de tratamento em matéria de ensino e, principalmente: a) privar
qualquer pessoa ou grupo de pessoas do acesso aos diversos tipos ou graus de
ensino; b) limitar em nível inferior a educação de qualquer pessoa ou grupo.
As Conferências Mundiais de Direitos
Humanos vêm proclamando a tolerância e o respeito à dignidade da pessoa humana.
Especialmente as Conferências preparatórias
da Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia
e Intolerâncias Correlatas . Documento importante
quanto a categorização dos conceitos, sobretudo o racismo, encontramos na
Consulta de Bellagio ( Conjunto
de recomendações produzidas por especialistas com vistas à Conferência Mundial
da ONU) . Na primeira parte do Documento, denominada a "natureza do racismo"
, ele aponta a origem do racismo
no colonialismo e na escravidão, e se mantém como "ferramenta para ganhar e manter o poder".
No plano interno o nosso texto
Constitucional, coadunado com a ordem jurídica internacional, repudia o
racismo. Na ordem jurídica interna, a legislação infra-constitucional de combate ao racismo vem sendo
paulatinamente aperfeiçoada, embora insuficiente ante as profundas questões que
envolvem as relações raciais no Brasil.
Tal insuficiência deve-se ao mito da democracia racial que adiou em
muito o enfrentamento da problemática racial.
Enfim, o racismo, enquanto instrumento de dominação, estabelece
critérios de inferioridade e superioridade, a partir da hierarquização racial.
4.2. –
Discriminação
O segundo conceito a ser tratado é a discriminação racial. A palavra
aparece no fim do século XIX, na França e na Alemanha. Ela foi utilizada na
Psicologia, sem a idéia de tratamento desigual, para definir o fato de
distinguir ou discernir. A idéia de tratamento diferenciado, desigual, aplicado
às pessoas ou grupos de pessoas, apareceu no século XX, em matéria econômica,
sobretudo, no direito e na política, para as minorias e todas as formas de
tratamento desigual.
A discriminação tanto pode ser social, racial, como sexual.
Entretanto, aqui trataremos apenas da discriminação racial. O conceito de
discriminação na linguagem jurídica representa a reafirmação do princípio da
igualdade sob a forma negativa do princípio da non-discrimination.
É assim que o princípio da não-discriminação é considerado como princípio
fundamental da internacionalização dos direitos do homem.
Não se pode confundir o
princípio da non-discrimination com o
princípio da discriminação positiva. A discriminação positiva adota medidas
legislativas no sentido de equalizar as desigualdades
sociais, beneficiando as categorias desfavorecidas. São medidas compensatórias
no campo fiscal, ocupacional (cotas no mercado de trabalho) e educacional
(cotas nos estabelecimentos de ensino). Seu fundamento é a compensação das
perdas históricas sofridas pelas pessoas ou grupos desfavorecidos. O princípio
da discriminação positiva obedece a uma lógica social que não encontra lógica
correspondente na linguagem.
Discriminação é a imposição de trato diferenciado em diversos âmbitos
da vida social. Os âmbitos onde se exerce a discriminação racial são numerosos
e às vezes se confundem com a idéia de segregação. A dinâmica da discriminação
impede que sua enumeração seja exaustiva.
O conceito de discriminação aparece em vários instrumentos jurídicos
internacionais, tais como: a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de
Discriminação Racial, a Convenção da UNESCO contra a Discriminação na Educação
e a Convenção nº 111 da OIT, que versa sobre a discriminação em matéria de
emprego e profissão e por último a Declaração dos Princípios de Tolerância da
UNESCO. Os conceitos assentados nos
referidos instrumentos normativos internacionais, bem como na Declaração sobre
a Tolerância são desenvolvidos sob o aspecto conceitual na obra de Joaquim B.
Barbosa Gomes – Ação Afirmativa &
Princípio Constitucional da Igualdade - quando classifica a discriminação
nas categorias de Discriminação intencional ou tratamento discriminatório,
Discriminação por impacto desproporcional ou adverso (A Teoria do Impacto
Desproporcional – "Disparate Impact Doutrine" ) , Discriminação na aplicação do direito,
discriminação de fato e Discriminação manifesta ou presumida e as exceções:
hipóteses de discriminação legítima, ou seja, "situações especiais, porém, o tratamento discriminatório é chancelado
pelo Direito"(Barbosa,2001:21).
Os obstáculos e
as proibições infundadas nos campos educacional e ocupacional podem atingir o
indivíduo ou uma coletividade racializada. A segregação racial,
baseada em critérios racistas de inferioridade/superioridade
racial, alijou no passado, as comunidades afro-americanas e a maioria
negra sul-africana do exercício pleno da cidadania.
Assim é que os resultados do apartheid social
relegam os afro-brasileiros às condições de subalternização, perpetradoras das
desigualdades sociais, enumeradas no primeiro capítulo.
4.3. –
Preconceito
A definição de preconceito deriva do latim prejudicium,
julgamento prévio, rígido e negativo sobre um indivíduo ou grupo. O preconceito
racial é a predisposição, parcialidade ou prevenção dirigida a um grupo racializado. As “noções
de julgamento prévio desfavorável, efetuado antes de um exame ponderado e
completo e mantido rigidamente, mesmo em face de provas que o contradizem”
(Dicionário do Pensamento Social do Século XX) resultam das teorias racialistas racistas que incorporam no senso comum os
estigmas e estereótipos de inferioridade racial.
Diversos são os aspectos do preconceito. Os julgamentos categóricos
antecipados têm elementos cognitivos, afetivos, avaliatórios
e volitivos.
As generalizações empíricas não são necessariamente universais.
Portanto, o preconceito não é monopólio de uma dada sociedade ou cultura. O
preconceito racial é a base das práticas
discriminatórias, que em muitos casos orientam as políticas públicas.
O preconceito racial dirigido aos afro-brasileiros está consagrado na
extensa fraseologia racista, nos comportamentos discriminatórios baseados em
prejulgamentos de inferioridade intelectual e propensão à
práticas criminosas. Enfim transformaram a “natureza
benigna e afirmativa do melting pot”
em discurso degenerativo, cuja única saída para construção da nação brasileira
seria a aniquilação da dignidade do afro-brasileiro. Assim, no dizer de Ricardo
Franklin Ferreira:
"O preconceito racial no
Brasil, foi criado a partir da interação entre dois grupos – uma classe
política e economicamente dominante que assumiu uma concepção de mundo
considerada superior e estigmatizou o outro grupo, neste caso, o dos não
brancos, caracterizando-o como de qualidade inferior, crença que passa a ter
função de justificar a dominação sobre ele. Assim, o preconceito contra a
população afro-descendente tanto se dá em relação a variáveis raciais, visíveis
na constituição fenotípica, quanto em relação a
variáveis étnicas, entendidas como aspectos culturais também
de menor valia." (Fereira, 2003:51-52).
Assegura Florestan Fernandes em
“A integração do negro
na sociedade de classes”, que o preconceito de
cor é uma categoria histórico-sociológica construída pelos
"brancos" e é, em larga medida, compartilhada pelos próprios
"não brancos". É uma manifestação típica da formação sócio-cultural
da civilização luso-brasileira, comportando questões ideológicas de padrões
ideais de civilização, como o euro-centrismo, postura
segundo a qual a Europa é considerada o berço da cultura "universal",
concepção de tremenda imprecisão histórica, que faz com que o
europeu seja considerado um homem "superior" aos asiáticos, africanos
e americanos.
5.O papel dos operadores do direito na
criação e aplicação de estratégias de implementação das políticas de inclusão.
No limiar do novo milênio, o Direito Internacional dos Direitos
Humanos, ganha novos contornos em função da denominada globalização. As
discussões acerca do lugar que é ocupado pelo Direito no Mundo Globalizado, têm deslocado o pensamento jurídico para novos paradigmas
epistemológicos, sobretudo no que se refere às questões que envolvem a
problemática dos direitos humanos. Nesse sentido, tem sido importante o papel
do jurista internacional, diante dos processos de mudanças. Tais demandas hoje
configuram um quadro de "novos direitos". A problemática dos novos
direitos e o papel do jurista são abordados na obra do Professor José
Alcebíades de Oliveira intitulada Teoria Jurídica e Novos Direitos, às pp.185 e ss., quando
faz alusão ao professor italiano Antônio Maneghetti,
no Congresso de Ontopsicologia realizado no Brasil,
que afirmou: "a existência de uma
experiência mundial em relação ao que seria possível fazer para uma refundação epistemológica do direito (ao menos no plano teorético) em conexão com a enorme responsabilidade dos
juristas".Isto nada mais é que a cristalização de conquistas extraídas
dos embates travados entre os extratos sociais privilegiados – super-integrados – e aqueles que foram espoliados e
vilipendiados por incisivos processos de exclusão social, econômica, política e
cultural.
O jurista, em nosso tempo,
convive com a dramaticidade do conflito de valores e princípios de culturas que
coexistem no mesmo território e reivindicam a preservação desses valores e
preceitos. A questão das minorias é categorizada por Gabi
Wucher à partir do conceito
de Bakatola ' minorities by will 'e 'minorities by force' . A autora em Minorias – Proteção internacional em prol da democracia - apresenta
um rol extenso classificatório de minorias superando o conceito limitado de
minoria enquanto população quantitativamente inferior ao conjunto da sociedade.
Indaga-se se é possível a coexistência de
princípios e valores de comunidades marcadas por profundas diversidades
culturais, compatibilizando princípios e valores universais com princípios e
valores comunitários.
A resposta é afirmativa, porque o direito manifesta-se nas intencionalidades
axiológicas, nos princípios que orientam os membros comunitários na mesma
situação concreta de convivência social.
O jurista é chamado a integrar o momento histórico, a fazer parte da
dinâmica social – impossível a impessoalidade estática
– interpretando segundo valores e princípios dinâmicos historicizados,
pois ao jurisdicizar os fatos, as normas assumem a
sua dinâmica histórica.
"O que determina certamente
um sentido histórico e dinâmico no jurídico é uma função concretamente determinadora
e constitutiva no chamado a explicitá-lo. Pois , ao
serviço de uma idéia dinâmica de justiça que se deverá realizar
histórico-concretamente, o pensamento jurídico deixa de ser um esquema
inteiramente dependente de um jus normatum , para
ser acto cooperante de uma justitia
normans”. (Neves, 1995: 50).
Enfim, a verdadeira função do jurista é "assumir criticamente a idéia de direito e de realizá-la historico-concretamente, na explicitação constituinte do
próprio direito". (Neves,1995:44).
O importante papel na luta contra a violação dos direitos humanos, em
período de acirradas altercações sobre as questões de direitos humanos face a globalização, coloca o jurista internacional compondo
o cenário daqueles que estão comprometidos "com
a comunidade ética, pautada no princípio universal da convivência justa,
fraterna e solidária". (Abreu,1999:147)
Nas Ações
propostas contra o sistema de cotas, adotadas por força de lei pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro e pela Universidade do Norte
Fluminense, ratificou-se a necessidade da superação da sub-representação de
afro-brasileiros nas carreiras jurídicas uma vez que o debate jurídico acerca
das políticas de ação afirmativa, no momento dos “Amicus
Curiae”, somente teve como interlocutores
juridicamente qualificados, com a exceção que confirma a regra, os
afro-americanos que naquele momento enfrentavam também, uma das maiores
discussões após a luta dos direitos civis, acerca da sua inclusão na
universidade e conseqüentemente no mercado de trabalho.
Inescapavelmente,
os setores mais privilegiados da sociedade brasileira têm de repensar acerca dos
valores que dizem respeito à igualdade. A quebra dos paradigmas liberais
clássicos sobre a igualdade, meio que tardiamente, foram enfrentados pelas
elites brasileiras, inclusive as elites intelectuais. As políticas de ação
afirmativa já estavam previstas na legislação internacional, especialmente na
Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Racial, adotada pela Resolução nº 2.106
da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 21.12.1965., que no artigo 1º, item 4,
assim dispõe:
“Não
serão consideradas discriminação racial as medidas especiais tomadas com o
único objetivo de assegurar progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos
ou de indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para
proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades
fundamentais, contanto que tais medidas não conduzam, em conseqüência, à manutenção
de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem
sido alcançados os seus objetivos.”
6.O debate
jurídico acerca do multi-culturalismo e da política
de reconhecimento na implementação da affirmative
action.
Toda
reflexão acerca das políticas de inclusão necessariamente tem caráter interdisciplinar.
As representações do “outro” as “imagens do outro” servem de instrumentos de
domesticação e dominação. Jean Paul Sartre em “Entre Quatro Paredes” dizia: “O
inferno é o outro”. Reconhecer a diferença e conviver com ela é o próprio
desafio da existência humana. Paradoxalmente, a alteridade determina a nossa a
condição humana. Porque segundo as palavras do pesquisador Carlos Skliar “ sem o outro não
seríamos nada(...) Porque o outro já não está aí, mas aqui e em todas as
partes; inclusive onde nossa pétrea mesmidade não
alcança ver”. Charles Taylor afirma que: “Minha própria identidade depende crucialmente de minhas relações com
os outros”.
Como
temos a certeza que tratar de políticas de inclusão é reconhecer identidades
–portanto - reconhecer disparidades, reduzi-las é tornar a existência mais
humana.
O
debate sobre a Constitucionalidade das Ações Afirmativas, em especial as cotas
na universidade pública, tem animado o debate jurídico sobre o princípio da
igualdade. Enfrentar tal temática implica envolver todos os Poderes da
República, uma vez que as políticas públicas de ação afirmativa traçam um
percurso desenhado pelo figurino Constitucional, no qual a igualdade é mais que
uma questão jurídico-formal, devendo ser entendida
como uma questão de princípio que se realiza na materialização de direitos
fundamentais identificados com outros princípios Constitucionais.
A
articulação do art. 3º da Constituição da República Federativa do Brasil, que
preconiza como objetivo fundamental do Estado “erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” e “ promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” , com o artigo 5º
, que trata dos direitos e garantias fundamentais, onde dispõe que “Todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança, e a propriedade”, sem sombra de dúvidas vincula a
igualdade material – dever do Estado – com a igualdade formal –dever também
igualmente do Estado.
A
arquitetura Constitucional a respeito da proteção e promoção dos povos
formadores do processo civilizatório nacional passa
por todas as questões acrescentando-se que a liberdade de profissão preconizada
no inciso XIII do artigo 5º que assevera ser “livre o exercício de qualquer
trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a
lei estabelecer”, conjuga-se com o artigo 205 que diz ser a “educação, direito
de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho”. Ora, como desvincular o direito à profissão,
sobretudo aquelas nas quais se exige a educação superior para exercê-las se não
são garantidas materialmente, e substancialmente condições de acesso ao ensino?
De que modo poderá ser cumprido o “princípio da indissolubilidade entre ensino,
pesquisa e extensão”, com a sub-representação dos afro-brasileiros na
universidade? Como produzir pensamento, pesquisa voltada para a sociedade se lá
não está presente um dos segmentos mais representativos da sociedade
brasileira? Como estabelecer parâmetros democráticos se efetivamente a defesa e
promoção das formas de expressão, os modos de criar, fazer e viver da comunidade
afro-brasileira não ultrapassa o plano da formalidade? Como atender ao princípio preambular
da pluralidade e da não discriminação se as condições de igualdade e de acesso
ainda são questões de uma retórica jurídico-formal de igualdade? Como o Estado
“protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e
afro-brasileiras, das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional”. (art. 215 § 1º da CRFB).”?
Insofismável
é claro o dispositivo da norma convencional no que diz respeito juridicidade
das políticas de ação afirmativa como instrumento de equalização de
desigualdades nos Estados contratantes.
No que
diz respeito à Constitucionalização do Direito Internacional o Brasil tem por princípio
nas suas relações a “prevalência dos direitos humanos” e o repúdio ao
terrorismo e ao racismo. Acrescentando-se as inovações do § 3º introduzidos pela Emenda Constitucional nº
45/2004, a qual aperfeiçoou a sistemática de incorporação das normas
internacionais de direitos humanos no direito brasileiro.
O
Brasil, signatário da aludida Convenção, adotou ainda que tardiamente, as políticas
de ação afirmativa. No campo do ensino superior, com a criação do sistema de
cotas, introduzido no direito brasileiro através da Lei, implantou as cotas na
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, posteriormente adotadas em outras
dezesseis universidades, como desiderato da agenda do movimento negro,
ressalvados alguns posicionamentos contrários em relação às cotas por força de
questões de natureza ideológica.
O
debate sobre a Constitucionalidade das Ações Afirmativas, em especial as cotas
na universidade pública, tem acendido o debate jurídico sobre o princípio da
igualdade. Enfrentar tal temática implica em envolver todos os Poderes da
República, uma vez que as políticas públicas de ação afirmativa traçam um
percurso desenhado pelo figurino Constitucional, no qual a igualdade é mais que
uma questão jurídico-formal devendo ser entendida como uma questão de princípio
que se realiza na materialização de direitos fundamentais identificados com
outros princípios Constitucionais.
As
políticas de ação afirmativa e as políticas de reconhecimento nascem da ruptura
do multiculturalismo ao monoculturalismo.
O
conhecimento do legado do colonialismo e do escravismo determina a compreensão
da sociedade pós-colonial. Não é por acaso que o texto constitucional coloca
como dever do Estado a promoção e a proteção dos
valores da comunidade afro-brasileira, nos seus mais diversos aspectos
inclusive na medida em que protege as formas de expressão; os modos de criar,
fazer e viver.
As
políticas de ação afirmativa têm uma dimensão incalculável, uma vez que,
comprometem todos os setores da administração pública. Acredito ser para a
sociedade brasileira um verdadeiro corte epistemológico no fazer tanto jurídico
como educacional. A questão que se coloca no campo do trabalho é que as
políticas de reconhecimento reafirmam a importância da diversidade na educação,
produzindo efeitos no mercado de trabalho.
Como
garantir como direito fundamental à liberdade de profissão, quando para exercer
determinadas profissões exige a Carta Geratriz nível de escolaridade superior?
É
preciso criar oportunidades de modo que o pertencimento étnico-racial não seja
excludente para o exercício de profissões que exijam a formação aqui apontada.
Constitucionalmente
a Educação está voltada para o mercado de trabalho e a discriminação está
prevista tanto na ordem jurídica interna quanto internacional (Convenção 111 da
OIT).
O
trabalho está pautado nos valores que orientam uma determinada comunidade, as
necessidades dos consumidores estão relacionadas com aquilo que eles se
identificam. Se valorizada a sua cultura, o seu passado, o seu pertencimento
étnico-racial, é bem certo que estarão representados em todas as relações que
envolvem o mercado.
Todos
esses questionamentos passam pela relação igualdade e diversidade que segundo Denninger (Duarte,Ribas,2005:274)
decorre de uma mudança, um novo equacionamento desenhado conforme um “estabelecimento de iguais condições de
fato” (...) “o desejo por diversidade” implica no estabelecimento da igualdade material”.
As
políticas públicas decorrem,
Foi a
experiência da implementação das cotas nas universidades públicas e o embate
jurídico, inclusive no Supremo Tribunal Federal, que inaugurou através dos “Amicus Curiae” a
idéia no campo das políticas públicas de inclusão , de
“sociedade aberta para os intérpretes da constituição”, conceito defendido por Häberle. Nesse sentido, quando o referido jus filósofo
alemão emprega a expressão “situação
cultural dinâmica” ,
deixa transparecer sua compreensão do fenômeno constitucional num
dimensionamento além de uma proposta tão-somente positivista. Encarar uma
“dinâmica cultural” em sede de uma Teoria da Constituição abre caminho para
novas perspectivas dos cidadãos, inclusive de esperanças reprimidas. Em nosso
sentir a proposta de uma “situação cultural dinâmica” do fenômeno constitucional
é uma ampliação do conceito de “sociedade
aberta dos intérpretes da constituição”. (Duarte, Ribas,2005:268-269)
Restou
como problemática os modos de transição paradigmática que apontam para o futuro
da democracia.
7. Considerações finais.
As imbricações
entre proteção constitucional à diversidade étnico-racial, direito à educação e
direito ao trabalho são nervuras no delicado tecido historicamente marcado pela
desigualdade e pelas profundas disparidades étnico-raciais naturalizadas por
força da criação da imagem inferiorizada do outro.
A affirmative action é mais que um instrumento, um mecanismo de
superação de disparidades sociais, mas sobretudo, um
meio de possibilitar na educação e no mercado de trabalho, uma convivência
pluralista, atendendo desse modo os ditames direito internacional e do direito
constitucional.
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RESUMO: A proposta do presente artigo tem por
objeto as implicações dos direitos
culturais, em especial a proteção constitucional a comunidade afro-brasileira,
articulado com o direito fundamental ao exercício da liberdade de profissão , nas políticas de ação afirmativa, tendo como
destaque o sistema de cotas na universidade pública brasileira. Para tanto, é
necessária a análise das teorias que embasaram o discurso racialista
no Brasil e que se prestam para a análise teórica acerca das disparidades étnico-racias.
PALAVRAS-CHAVES: Sistema de cotas; racismo; affirmative action; direito
internacional; trabalho; direito constitucional; exclusão; direitos humanos; multiculturalismo.
Sérgio Abreu*. Doutorando
de Direito na Universidade Gama Filho. Mestre pela PUC-Rio
e Professor Adjunto. Coordenador do Observatório Jurídico do NIREMA – Núcleo
Interdisciplinar de Reflexão e Memória Afro-descendente. Professor de Direito Internacional Público da Universidade Estácio de
Sá. Advogado
e Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB. Autor de: “Os Descaminhos da Tolerância.
O Afro-brasileiro e o princípio da Igualdade e da Isonomia no Direito
Constitucional”.
E-Mail: Sergio.Abreu@ig.com.br