RACIONALISMO & MACRO POLÍTICA X INCREMENTALISMO & MICRO POLÍTICA

PROPOSTAS ANTAGÔNICAS DE PLANEJAMENTO POLÍTICO

 

Dimas Enéas Soares Ferreira*

 

INTRODUÇÃO

 

“Está se tornando um lugar comum que

 a política é a arena do irracional (...)”

Harold Lasswell

 

Os métodos racional-compreensivo e incrementalista têm sido alvo dos estudos da ciência política. Quando buscamos situa-los no método Descritivo Referencial, observamos que se encaixam em dois níveis políticos, ou seja, o método racional-compreensivo se relaciona com a macro-política e suas grandes análises do cenário político-institucional, já o método incrementalista liga-se à micro-política e à busca de soluções para problemas mais imediatos e prementes. Para isso, busco encontrar algumas respostas a questionamentos que se impõem, através do estudo do planejamento político.

O planejamento político, enquanto sistema, possibilita superar alguns obstáculos impostos pela excessiva centralização dos poderes do Estado nas decisões, mas para isso, ele deve ter objetivos a serem cumpridos como (i) reduzir a área de incerteza; (ii) adaptar as dimensões de tempo; (iii) alargar a base de informações com a análise dos efeitos das ações alternativas e (iv) ser fonte de inovação e combate a inércia administrativa.[1]

Segundo Anthony Downs, os economistas analisam, planejam e decidem racionalmente. Dessa forma, crêem poder prever as decisões, já que serão sempre tomadas aquelas consideradas mais razoáveis para se alcançar as metas previstas. Portanto, o homem racional sempre age de acordo com os seguintes critérios: (i) consegue tomar uma decisão quando confrontado com várias alternativas; (ii) classifica todas as alternativas em ordem de preferência; (iii) seu ranking de preferências é transitivo, ou seja, pode ser mudado; (iv) a escolha recai sempre sobre a primeira preferência; (v) a decisão sempre é a mesma quando são dadas as mesmas preferências.

Downs ainda afirma que as decisões nem sempre serão racionais porque os homens sempre visam algum fim e os benefícios devem sempre superar os custos. Assim, também se pode dizer que os políticos visam, primeiramente, a reeleição (seu maior benefício), logo, suas decisões serão sempre de acordo com seus fins e nem sempre racionais. O homo economicus possui uma lógica diferente do homo políticus. Além disso, “o comportamento racional requer uma ordem social previsível”[2]. Nesse sentido, fica claro o quanto o comportamento racional se torna algo impossível nas relações políticas, pois, a imprevisibilidade da ordem social é um elemento, comprovadamente, presente na engenharia política. Se, geralmente, o resultado é o aumento das incertezas, torna-se muito difícil a racionalidade das decisões.

Os economistas, geralmente, têm usado a racionalidade para designar algum atributo de uma ação selecionada por processo de escolha, mais do que um atributo do processo. “Uma ação racional, na medida em que é corretamente planejada para maximizar a obtenção da meta, dados a meta em questão e o mundo real como existem”[3].  Já a política racional é aquela que busca produzir benefícios maiores que os custos (políticos, financeiros e sociais). Depende de um processo top-down, que se dá de cima para baixo. Um processo hierarquizado e linear de decisões políticas e de implementação das mesmas, que deve respeitar três idéias básicas: (i) fazer com que as pessoas façam o que lhes é pedido; (ii) a manutenção do controle sobre a seqüência de estágios em um sistema e (iii) o desenvolvimento de mecanismos de controle que minimizem o conflito e a possibilidade de desvio dos objetivos determinados originalmente no âmbito político de forma racional.

O debate sobre as diferenças entre a teoria do racionalismo e do incrementalismo nas políticas públicas surge, principalmente, no final dos anos de 1980. Nele, o cerne das discussões se deu em torno de questões como “Estado vs Mercado”, “Análise vs Políticas” e, “Burocracia vs Interesses do Eleitorado”, em síntese as discussões concentraram-se no tema “Planejamento vs Mercado”. Certamente, essas questões têm tudo haver com as dicotomias tradicionais do processo político, ou seja, “racionalidade vs irracionalidade”, “técnica vs política” e “teoria vs prática”[4]. Enfim, o conflito entre os setores técnicos (racional) e políticos (irracional) conduz a uma conformação onde os técnicos planejam e os políticos apenas legitimam e executam as políticas.

 

AS CRÍTICAS AO RACIONALISMO E À MACRO-POLÍTICA

 

Charles E. Lindbloom, em sua obra “O Processo de Decisão Política”, faz uma critica contundente ao modelo racional e ao macro planejamento político e econômico para as políticas públicas. Para ele, o método Racional-Compreensivo parte da perspectiva de que a intervenção de políticas públicas deve basear-se numa ampla análise dos problemas sociais que permitam, assim, estabelecer metas que atendam as preferências mais relevantes da sociedade. Logo, a tomada de decisões políticas e sua implementação deve visar alcançar os objetivos pré-estabelecidos. Contudo, alguns problemas são colocados por ele como contraponto ao método Racional-Compreensivo: (i) como estabelecer preços de bens e serviços e alocar recursos para atender a todas as prioridades sociais? (ii) como estabelecer o que é satisfação social? (iii) o tempo e os recursos financeiros disponíveis são limitados.  Além desses problemas, introduzi mais um nessa discussão referindo-se à política do “Orçamento Participativo”. Como uma forma de institucionalização de novos canais de participação política e democrática, inclusive plural, produz um dilema: (iv) como trabalhar o Orçamento Participativo nessa dimensão (Racional-Compreensiva), se as prioridades não são estabelecidas pela burocracia ou pelos políticos (policy makers), mas de forma participativa entre vários atores sociais?

O método Racional-Compreensivo busca inserir um elemento novo nas discussões sobre as políticas públicas, isto é, o racional. Segundo Patrick Baert:

“a emergência da teoria da escolha racional no curso dos anos 1980 é, portanto, surpreendente e revolucionária, pois ela nada mais é do que a invasão do homem econômico. Representa o último assalto imperialista da economia na Sociologia: a subordinação do homo sociologicus ao homo economicus”[5]

 

Para Lindblom, o racionalismo é falível, por isso, a tomada de decisões deve ser feita através do incrementalismo. Seu maior problema é que certos questionamentos não podem ser respondidos pela análise pura e simplesmente, graças à sua relatividade. Por exemplo: qual é a mais justa forma de distribuição de renda? E também tem a questão do tempo. O método Racional-Compreensivo exige muito tempo, pela análise conjuntural das conseqüências e pelo processamento das informações[6], e as demandas sociais exigem tomadas de decisões rápidas, ou até mesmo imediatas. Ele ainda entende que as decisões, geralmente, são tomadas sem se considerar as preferências da sociedade. Daí sua defesa do método Incremental, na medida em que as decisões são tomadas não segundo programas, mas de acordo com problemas que necessitam de soluções imediatas. É como ficar “apagando incêndios”. O formulador de políticas públicas não deve analisar todas as preferências, mas apenas aquelas que estão pontuadas pelos problemas prementes.

Para os “racional-compreensivos”, a análise política exige meios e fins[7], já para os “incrementalistas”, não existe clareza da distinção entre meios e fins. O imediatismo das decisões torna a análise muito voltada para a solução de problemas, sem se levar em consideração os meios e os fins. Portanto, o único critério para uma boa política pública é o do consenso, e ele é mais facilmente obtido quando se trata de questões pontuais, logo, a análise da macro-política dificilmente produz consensos. Assim, Lindblom propõe trabalhar com a análise de políticas específicas, buscando soluções setoriais dos problemas, ou seja, a micro-política, e isso, pode ser feito com uma maior limitação de informações e alternativas. Também se deve eliminar todas as externalidades das políticas públicas. Em resumo, ele propõe a redução e a limitação das análises identificando problemas específicos e pontuais. O que deve ser feito através de uma divisão do trabalho das chamadas Agências Públicas, que identificam os problemas e buscam as soluções, mesmo que na área de ação de outras agências. Desta forma, o Estado vai agregando essas ações e compatibilizando-as com as demandas da sociedade, como se fosse um verdadeiro “mercado de interesses”.

Para os “racionalistas”, a análise das políticas públicas é confiável somente quando é uma macro-análise, já para os “incrementalistas”, a análise só é confiável se for pontual, ou seja, a análise de pontos específicos (micro-política). Além disso, as políticas públicas provocam conseqüências que não podem ser previstas, mas se as políticas são pontuais, as conseqüências podem ser evitadas. Lindblom não desqualifica a análise política, mas para ele ela tem que se articular com o jogo de interesses, pois é esse jogo que oferece as informações e as preferências. As análises de longo alcance (macro política) não são eficientes e capazes de conduzir às preferências.

Outra questão que está inserida nesta discussão é o problema da Ação Social. Ela pode ser vista como “epifenômeno de estruturas”[8] ou como intencionalidade[9]. Dessa forma: (i) Se o homem é um ser racional, que toma decisões visando fins, o que se desdobra a partir disso? As decisões são intencionais visando objetivos e gerando conseqüências. O problema maior é que existem inúmeros atores tomando decisões (ações sociais) sobre um mesmo problema, fazendo com que uma decisão anule a outra[10]; (ii) O problema da racionalidade é que as preferências podem ser irracionais; (iii) As decisões possuem um limite de tempo e de informações, o que implica riscos, daí a necessidade de uma análise racional das probabilidades de risco ou situações de incerteza; (iv) A interdependência de decisões, ou seja, as decisões passam pelas informações de vários atores. Por fim, as questões morais e simbólicas (heurísticas) das políticas públicas também entram em contradição com a teoria racionalista, isto é, o “velho” conflito entre a paixão e a razão. Os instrumentos simbólicos e racionais interferem diretamente na formulação das políticas públicas.

Lindbloom ao propor o método do “incrementalismo disjunto” resume sua estratégia em dez itens: “(i) as tentativas de compreensão são limitadas às políticas, que são diferentes da política existente; (ii) os fins são escolhidos de forma que sejam apropriados a meios disponíveis ou quase-disponíveis; (iii) um número relativamente pequeno de meios (políticas alternativas) é considerado em conseqüência da limitação de compreensão das políticas; (iv) em vez de comparar meios alternativos ou políticas à luz dos objetivos postulados, fins alternativos ou objetivos são também comparados à luz dos meios ou políticas postuladas e suas conseqüências; (v) fins e meios são escolhidos simultaneamente e a escolha dos meios não segue a escolha dos fins; (vi) os fins são indefinidamente explorados, reconsiderados, descobertos e nunca fixos; (vii) a qualquer dado ponto da análise, ela e a formação de políticas são seriais e sucessivas, isto é, problemas não são resolvidos, mas repetidamente atacados (“apagam-se incêndios”); (viii) a análise e formação de políticas são terapêuticas – elas se movem para além das doenças; (ix) a qualquer ponto analítico, a análise das conseqüências é bastante incompleta; (x) a análise e a formação de políticas são socialmente fragmentadas, elas se dirigem a um número de pontos separados simultaneamente”[11]. Fica claro, portanto, que o método de Lindbloom carrega a racionalidade do mercado, apesar de ser um crítico do método racional-compreensivo.

 

CONCLUSÃO

 

Uma abordagem top-down pensa através de uma concepção de cima para baixo, como o método racional. O incrementalismo é, ao contrário, a habilidade de se construir elos para que uma política seja efetivada, dando condições aos agentes (burocracia), inclusive com a alocação de recursos. Nesse sentido, precisa-se de uma hierarquização de funções e competências, sendo que os agentes devem estar totalmente interados dos objetivos (net works). Em certa medida é uma constante delegação de competências, mas com os agentes conscientes das decisões políticas vindas de cima, isto é, aquilo que deve ser feito. Assim as condições para uma implementação perfeita das políticas definidas a partir do incrementalismo são: (i) a implementação das políticas tem que ser fruto de uma organização unitária e altamente organizada; (ii) as normas são seguidas e os objetivos claramente definidos; (iii) as pessoas (agentes e/ou burocracia) farão o que lhe forem mandado; (iv) esperar perfeita articulação nas unidades da organização e entre as mesmas, e (v) não haverá constrangimento em relação ao tempo.

O incrementalismo também deve levar em consideração o path dependency (dependência do caminho), ou seja, as políticas anteriores devem ser levadas em consideração. Nesse sentido, o racionalismo peca ao negligenciar as ações anteriores, pois, os políticos não agem pela lógica da maximização, mas pela lógica da satisfação, mesmo que simbolicamente. Já a implementação das políticas é um processo bottom-up, que envolve a decisão dos agentes e um mapeamento prévio dos problemas, das políticas em curso e das estruturas organizacionais. Enfim, existem vários mecanismos para se levar a cabo o incrementalismo como o mapeamento prévio dos problemas a serem atacados, a análise dos diversos cenários possíveis e a análise dos interesses (stakeholders). Isso tudo reflete a complexidade da sociedade e da política. E o incrementalismo por ser uma perspectiva mais realista, prioriza o relacionamento entre os decisores e os agentes (burocratas), exigindo uma constante auto-interpretação do decisor, onde ele deve entender que a formulação de políticas implica na participação de todos os atores envolvidos, inclusive daqueles políticos que não foram eleitos. É um modo de análise orientado para a ação, um processo de política mutante e mutável. Nele, os atores e os processos são inerentemente difíceis de controlar. É um jogo político, porque envolve interação, conflito e barganha o tempo todo. Já na visão racionalista, o conflito é visto como algo disfuncional que deve ser minimizado através da coibição. O incrementalismo vê o conflito como algo inerente ao processo, daí extrair dele informações importantes para a formulação de políticas.    

O método racional cabe às decisões de mercado, mas é impossível quando se trata de políticas públicas, pois, o racionalismo impede o conflito e o debate na definição de políticas.  Porém, uma das poucas críticas válidas de Lindbloom ao método racional-compreensivo é a de que “este implica numa sub otimização dos objetivos da análise”[12]. Para ele, as experiências anteriores devem ser a base para as decisões incrementais. Isso pode parecer absurdo, na medida em que vivemos hoje um mundo, cada vez mais, de inovações tecnológicas e de decisões inéditas. Seria possível considerarmos ser um retrocesso se ficássemos voltados somente para o passado, buscando nas experiências anteriores as respostas para nossos grandes problemas atuais, daí a inconsistência da proposta de Lindbloom. Finalmente, as políticas públicas devem levar em consideração uma infinidade de elementos, atores (policy makers, burocracia, grupos de interesses), instrumentos de poder, recursos e muito mais. Isso porque vivemos em uma sociedade cada vez mais complexa e difícil de ser traduzida por uma única teoria ou método.  

 

Resumo:

As políticas públicas, ao serem elaboradas, podem se fundamentar em várias metodologias. Duas delas são polêmicas, pois propõem elaborar as políticas de formas diferentes. O racionalismo busca nas análises da macro-política as bases para a elaboração das políticas. Já o incrementalismo, busca soluções para os problemas mais prementes, entendem que é através da micro-política que se definem as políticas públicas.

 

Palavras-chave:

Racionalismo; Incrementalismo; Políticas Públicas; Macro-política; Micro-política.

 

Bibliografia:

AYDOS, Eduardo Dutra – “O Processo de Planejamento e o Papel do Analista de Políticas no Governo”, Revista Brasileira de Estudos Políticos, nº 38, 1974.

DOWNS, Anthony, “Uma Teoria Econômica da Democracia”.

DAHL, R. A. & LINDBLOM, C. E., “Politics, Economics and Welfare”. New York, Harper, 1953. FONSECA, Eduardo Giannetti da. “Vícios Privados, Benefícios Públicos? A Ética na Riqueza das Nações”.

 



[1] É um aspecto defendido por Annmarie Hauck Walsh in AYDOS, Eduardo Dutra – “O Processo de Planejamento e o Papel do Analista de Políticas no Governo”, Revista Brasileira de Estudos Políticos, nº 38, 1974. p. 149.

[2] DOWNS, Anthony, “Uma Teoria Econômica da Democracia”. p. 32.

[3] DAHL, R. A. & LINDBLOM, C. E., “Politics, Economics and Welfare”. New York, Harper, 1953. p. 38.

[4] AYDOS, Eduardo Dutra. – op. cit., p. 152.

[5] BAERT, Patrick. – op. cit., p. 63.

[6] Patrick Baert afirma que “A obtenção exagerada de informações pode, é óbvio, também ser um sinal de irracionalidade, especialmente se a situação requer uma certa urgência”.

[7] Patrick Baert diz que “as explicações da escolha racional são um subconjunto das explicações intencionais. As explicações intencionais não estipulam apenas que os indivíduos agem intencionalmente, mas tentam dar conta das práticas sociais fazendo referência a finalidades e objetivos”.

[8] Algo que depende das estruturas, logo, o homem não faz história, pois a ação é mero rebatimento ou reflexo das estruturas.

[9] O Homo Economicus: o homem sujeito da história.

[10] Em FONSECA, Eduardo Giannetti da. “Vícios Privados, Benefícios Públicos? A Ética na Riqueza das Nações” alguns exemplos dessa sobreposição de decisões são dados quando trata de temas como políticas de crescimento econômico, de emprego e riqueza, ou quando Adam Smith ao explicar a teoria da “mão invisível” fala do livre jogo dos interesses que acaba resultando numa pseudo-harmonia.

[11] AYDOS, Eduardo Dutra. – op. cit., p. 161.

[12] AYDOS, Eduardo Dutra. – op. cit., p. 164.



* Professor Assistente II-A de História nos Cursos de História e de Turismo da Universidade Presidente Antônio Carlos – Campus I – Barbacena/MG. Professor da Escola Preparatória de Cadetes do Ar – Ministério da Defesa/Comando da Aeronáutica – Barbacena/MG. Aluno do Curso de Mestrado em Ciências Sociais da PUC-MG (Gestão das Cidades) – Disciplinas Isoladas. E-mail: dimasferreira@uol.com.br


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