O DISCURSO SOBRE A VIOLÊNCIA NA MÍDIA E A PROPOSTA DA REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL[1]

 

Marcos Roberto Magalhães de Sá

Mariana Martins Lopes

Roberto Bitencourt da Silva*

 

- I -

 

O bárbaro assassinato de um jovem casal de namorados, ocorrido no Estado de São Paulo em novembro de 2003 [2], se tornou na ocasião da ocorrência o centro das atenções da mídia e consubstanciou uma fonte significativa de debates e preocupações em distintos círculos institucionais da sociedade brasileira [3]. Este brutal assassinato consistiu em mais uma ocorrência criminal que veio a alimentar, inequivocamente, a sensação de medo e angústia na qual se encontram imersos diferentes segmentos sociais que habitam os grandes centros urbanos. A trágica ocorrência apresentou, ainda, contornos mais dramáticos a partir do instante em que se teve conhecimento de que um dos autores do crime que vitimara o jovem casal de adolescentes era também um adolescente de 16 anos de idade.

Reconhecendo tratar-se de um crime frio e monstruoso, a mídia, no entanto, conduziu a cobertura do caso com um viés retórico marcadamente conservador – que atingiu o ápice com a proposta de redução da maioridade penal. Tal retórica, com efeito, longe de informar uma posição localizada e eventual das instituições midiáticas de maior circulação e difusão no país, apresentou traços estruturais no modo com que estas instituições – paradigmáticas das formas dominantes de pensar – concebem as relações sociais no Brasil.

Tendo por referencial o caso em tela, mas sem nos limitarmos ao mesmo, propomo-nos, inicialmente, a indicar algumas nuances do discurso hegemônico produzido e veiculado pela mídia sobre a violência, mormente a que concerne aos jovens; para, em seguida, através da problematização deste tipo de discurso, apresentar algumas conclusões a respeito. 

 

- II -

 

Um dos aspectos mais discutidos sobre o hediondo crime que vitimou mortalmente o casal de jovens refere-se à redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Segundo o então discurso propalado pela mídia, os adolescentes que se encontram nesta faixa etária já estão amadurecidos o suficiente para responder, como adultos, pelos seus atos. Como razões para esta asserção, argumentava-se que tais jovens tanto exercem o direito do voto quanto recebem uma carga inaudita de informações, o que os levariam a construir uma personalidade muito mais estruturada em face das que se formaram em gerações passadas.

Para um bom entendimento do assunto cabe tecer algumas considerações a respeito do menor que participou do torpe assassinato. Não temos, entretanto, o intuito de examinar a sua estrutura psíquica – o que demandaria, obviamente, uma atividade clínica. Não obstante, parece-nos lícito afirmar que este adolescente apresenta traços de uma psicopatia. Com base nas informações divulgadas pela própria mídia, talvez se possa argumentar que, à luz da psicanálise, sua censura interna (o superego) não funciona num padrão socialmente tido como normal. A título de ilustração, note-se o que o referido jovem disse à polícia: Deu alguma 'coisa' na minha cabeça e matei. [4]

De modo bastante expressivo, procurou-se extrair do tresloucado ato deste adolescente, generalizações orientadas pela imputação da responsabilidade de ações criminosas a uma suposta maldade inata dos indivíduos – referindo-se, velada e basicamente, àqueles gerados pelo elevado grau de marginalização social em que se encontram substantivos contingentes do povo brasileiro. Tais generalizações apresentavam um tipo de abordagem que, às vezes, se aproximava de determinados componentes do universo hobbesiano. Nesse sentido, é relevante assinalar que as investidas feitas por jornalistas e demais personalidades públicas, que opinaram a respeito, contra as análises que empreendiam um exercício de reflexão um pouco mais cuidadoso sobre a violência (que colocavam em evidência as desigualdades sociais), eram atravessadas por idéias-força como as que seguem:

         Não agüento mais!  Queremos uma resposta imediata, não para o futuro!

         Menor de rua não é coitadinho!  Estou cansado de ouvir isso!

Estas foram, em linhas gerais, algumas manifestações, reproduzidas na mídia, dos que privilegiam uma pseudo análise focada no indivíduo, isolando-o do contexto sócio-material externo. A ironia é que se veiculava um cansaço sobre respostas que, quando levadas à concretização, sofrem boicotes e desqualificações contundentes – como, à sua maneira, no Rio de Janeiro, sofreu o projeto educacional (CIEP) da dupla Brizola/Darcy –, em prol de soluções imediatistas e pragmáticas, detentoras de nítido viés repressivo e conservador.

Feitas estas considerações, vale destacar o seguinte: a dimensão dada pela mídia ao crime posto em relevo apoiou-se num approach de explícita natureza elitista e profundamente conservadora. Para que isto seja identificado, importa chamar a atenção para o discurso que norteou as matérias publicadas pelos jornais da grande imprensa e os comentários veiculados pela televisão. Tal discurso pode ser compreendido com maior clareza a partir de uma rápida instrumentalização de uma profícua categoria analítica: a ideologia.

A respeito, combinando aspectos das perspectivas teóricas de Louis Althusser e de Ernesto Laclau, pode-se, resumidamente, considerar que a ideologia possui dois componentes básicos que a estruturam: a interpelação ao indivíduo e a generalização.

Segundo Althusser (1998), a ideologia, por meio das práticas e rituais inscritos em aparelhos ideológicos, interpela os indivíduos – convoca-os, chama-os para a adoção de comportamentos determinados – com o fim de transformá-los em sujeitos de suas normas, crenças e valores. Sujeitos capazes de assimilar os códigos que lhes são inculcados e de pensar, sentir e agir em conformidade com os mesmos.

De acordo com Laclau (2002), as idéias, símbolos, bandeiras ou propostas devem preencher, num dado discurso, uma função muito mais ampla do que a sua natureza ou espaço próprios de origem. Isto é, devem exercer papéis e significados sociais que os ultrapassam sobremaneira, a partir de sucessivos deslocamentos discursivos, abrangendo e representando outros símbolos e metas que transcendem sua capacidade específica de realização. Caracterizam-se, portanto, por generalizações provenientes da referência a um elemento particular. [5]

Estes dois componentes – a interpelação (Althusser, 1998) e a generalização (Laclau, 2002) – que conformam uma operação ideológica [6], não deixaram de atravessar o posicionamento central expresso na mídia sobre o crime ocorrido em São Paulo. Sua tradução foi oferecida tanto na generalização sobre os jovens, principalmente os chamados menores de rua, quanto na informação dos possíveis resultados oriundos do apelo à redução da maioridade penal: o bem-estar e a segurança da população.

Os jovens – friamente assassinados – tornaram-se, na abordagem da mídia, símbolos da impunidade nacional. A impunidade, por seu turno, foi representada, no plano simbólico/ideológico, pela ação de um menor com uma trajetória criminosa, que se escondia, segundo esta mesma abordagem, sobre o manto protetor e benevolente do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), para desferir seus insanos e malévolos golpes contra a sociedade.

Denotando ainda maior relevância simbólica, foi freqüentemente dito que, como este mesmo jovem que participou do assassinato, há muitos que agem (sobretudo os menores de rua), malandramente, da mesma forma. Destarte, a mídia afirmava com certa veemência que a revisão da maioridade penal seria um feito bastante oportuno, vindo a contribuir com a meta de assegurar as vidas e o bem-estar de toda a sociedade.

Curiosa, em particular, esta argumentação generalizadora acerca das crianças e adolescentes que vivem em situação de risco; sendo representados, com significativa amplitude, como pequenos malandros de rua que se aproveitam do ECA. Trata-se da construção da imagem de jovens que, supostamente, possuem pleno domínio de noções relativamente consensuais do que é certo ou errado, legal ou ilegal, e que, partindo de todas as suas capacidades, como a liberdade e a racionalidade (capacidades estas bastante naturalizadas por esse discurso), operam hábil e favoravelmente com o mundo à sua volta, a despeito de quaisquer vicissitudes de ordem social e econômica.

Realmente é muito fácil imaginar a postura de pequenos malandros envolvendo as autoridades policiais num diálogo em que os princípios do ECA são reclamados em suas defesas. Assim, com base no discurso em tela, ficamos a imaginar a seguinte cena:

Um menor comete algum ilícito penal e, caso seja apanhado em flagrante, a bandeira do ECA é imediatamente erguida em seu favor. A polícia, então, de forma cortês e educada, tal qual a imagem que se faz da guarda britânica, procede à leitura dos direitos e deveres do menor infrator:

O senhor tem o direito à identificação deste que ora efetiva a sua apreensão e poderá solicitar a presença dos seus responsáveis e advogados, podendo requisitá-los a partir de agora...

Ainda de acordo com a lei, segue-se ao comunicado a enunciação plena e formal do ato, assim como os procedimentos cabíveis nesse tipo de situação.

Certamente seríamos capazes de identificar tal cena em qualquer metrópole do país, pois, para os padrões brasileiros, sempre atentos ao respeito e cumprimento das leis, outra espécie de atitude, neste tipo de caso, seria impensável...

Ora, deixando de lado estas generalizações e mistificações sobre os menores – os que são produzidos pela miséria e pela pobreza numa sociedade tipificada por uma das maiores concentrações de renda do mundo –, sejamos francos: é impossível para aqueles desprezados e alijados sociais, cujas vozes são captadas pela mídia e pelas autoridades do Estado muito esporadicamente, sobretudo em situações trágicas, esconderem-se sob um suposto manto protetor e benevolente da lei.

 

- III -

 

Importa, assim, indagar: reduzir a maioridade penal diminuirá parcela da intranqüilidade e sobressalto que caracterizam a vida das populações dos grandes centros urbanos?

Antes de refletir sobre tal questão, cabe assinalar ainda algumas nuances estruturais do discurso hegemônico, veiculado pelas grandes empresas de comunicação, a respeito das práticas violentas realizadas por jovens. Para retomar um caso emblemático, vale lembrar um fato assustador ocorrido em Brasília, em abril de 1997. Referimo-nos ao assombroso ato realizado por cinco jovens, pertencentes à chamada classe média alta, que atearam fogo no corpo de um homem que dormia na rua – o índio Galdino Jesus dos Santos, membro da tribo Pataxó hã-hã-Hã. Dentre os jovens que participaram desta covarde e gratuita ação violenta – que culminou na morte de Galdino – encontrava-se um menor, G.N.A., de 17 anos. Lembram-se deste caso? Para o que nos interessa em especial: apesar do clamor por justiça e da indignação pública, manifestações justas e naturais como as também justas e naturais que emergiram com a monstruosa ocorrência de São Paulo, houve algum questionamento expressivo sobre o ECA?

Com relação ao padrão de delinqüência juvenil ilustrado com este caso ocorrido em Brasília, que envolve jovens criminosos pertencentes aos estratos médios e altos da sociedade, não é raro surgirem dois tipos de discussões empreendidas na mídia:

1.      A que gira em torno das drogas, referente ao papel que elas têm cumprido no desvio do comportamento dos filhos dos setores mais abastados.

2.      A que ressalta a ausência de autoridade familiar e a vigência de uma liberdade excessivamente prematura, propiciada também pela família, acarretando numa permissividade que levaria o jovem a desconsiderar qualquer limite.

Destes dois tipos de discussões podemos extrair um dado relevante que perpassa as argumentações geralmente veiculadas pela mídia, constituindo-se possivelmente num padrão discursivo, sobre os jovens filhos das camadas altas e médias de nossa sociedade que cometem ações ilegais: eles desviam-se do seu caminho devido a fatores externos, como a permissividade familiar, as drogas, as más companhias e outros [7]. Punição para atos irregulares, criminosos? Não raro, a mídia responde com minuciosas e cautelosas observações acerca do jovem criminoso (ou do acusado como tal) e com a sugestão de tratamento especializado para combater os vícios do mesmo.

Com o fim de aprofundar um pouco mais a reflexão sobre este tipo de discurso, cumpre destacar a concepção freudiana, particularmente no que se refere aos impulsos e desejos agressivos dos indivíduos. Segundo Freud (s/d, b), o indivíduo possui naturalmente um latente instinto agressivo – que pode ser exemplificado através do que o autor designa como complexo de Édipo. Com base nesta noção, Freud observa a existência de uma fantasia infantil em tenra idade psíquica, qual seja, o desejo de morte paterna, para poder reinar exclusivamente com a mãe. Muito esquematicamente, por intermédio da saída deste complexo -se como os indivíduos irão lidar com as suas frustrações e agressividade. Isto no que concerne ao indivíduo considerado in abstracto, isto é, como elemento da própria natureza humana, independente da sua localização em etnias, grupos e classes sociais. Por outro lado, fatores de ordem externa, os mais diversos e imagináveis, podem vir, indubitavelmente, a potencializar – excluindo os psicopatas – instintos agressivos, em quaisquer faixas etárias, etnias, grupos e classes sociais.

Pois bem, com base nestas considerações é necessário, no mínimo, fazer duas perguntas:

1.      Por que indivíduos, por pertencerem a classes ou camadas sociais distintas, são tratados de maneira drasticamente desigual no discurso da mídia?

2.      Como a partir de um caso particular (do adolescente de 16 anos, R.C.A., que participou do assassinato do jovem casal de namorados, em São Paulo), que apresenta sérios indícios de uma patologia mental, pode-se extrair generalizações ao ponto de abarcar as figuras tanto dos menores convencionalmente classificados como pivetes quanto a de um psicopata, com o fim de sustentar uma proposta de alteração legal?

Nos parece lícito, portanto, argumentar que o tratamento concedido pela mídia à criminalidade juvenil e outras tem sido assim caracterizado:

1.       Aos filhos da marginalização social, política e econômica, o enfoque naturalizante, que se apóia em supostas características (naturais) intrínsecas ao indivíduo.

2.       Aos filhos da abastança, ou ao menos, de condições dignas de vida, o enfoque social, que salienta a influência de fatores externos na ação das pessoas.

Evidentemente, o corte elitista e conservador presente na seleção, interpretação e dimensão midiáticas de ocorrências criminais, assim como as proposições legais daí estimuladas, não deixa de atravessar o olhar hegemônico sobre o real; olhar este presente nos mais diversos programas televisivos e nas revistas e jornais de grande circulação.

 

- IV -

 

No que tange estritamente à proposta de redução da maioridade penal, é válido ater-nos a um fato inquestionável: os direitos das crianças e adolescentes que ora estão em debate não existem – para usar uma categoria sociológica cara ao pensamento do grande Oliveira Vianna – em nosso país real. As instituições que deveriam servir para reabilitar, reeducar e ressocializar os menores infratores, são iguais (e em alguns casos piores) do que os presídios, já conhecidos por seu estado lastimável de abandono e permissividade. Ao contrário do que foi amplamente difundido, a diminuição da maioridade penal não terá efeito prático algum, por uma simples razão: a maioridade de 18 anos, objetivamente, não existe. Por um lado, milhões de menores, infratores ou não, são desrespeitados em seus direitos mais básicos – como alimentação, saúde, educação e moradia dignas. Por outro, no caso dos milhares que se encontram nas ruas, os menores sofrem constantes abusos por parte daqueles que deveriam garantir a sua integridade (a chacina da Candelária não é ainda um fato tão distante para que já se tenha esquecido). Ademais, o sistema que gera esses menores não é sequer discutido. Trata-se antes de encarcerar o problema do que enfrentá-lo, pois muito mais fácil é o auto-engano, ou a mistificação consciente, da repressão enquanto resposta às mazelas sociais, do que encarar de frente nossos múltiplos problemas estruturais.

Logo, são bastante representativas do discurso dominante as manifestações que se opõem às medidas dirigidas à atenuação das difíceis condições sob as quais os menores infratores e marginalizados são gestados. Tais tipos de medidas sofrem, com grande freqüência, acusações de não passarem de atos demagógicos e populistas. Quando da implementação dos CIEPs no Estado do Rio de Janeiro – citamos novamente este fato devido a sua relativa proximidade no tempo e à elevadíssima representatividade simbólica –, não foram poucas as vozes que se levantaram para criticar. Na maioria dos casos, os críticos – inclusive, claro, os que atuam na mídia –, baseavam-se em argumentações pífias, tal como a tão difundida à época que aula se dá até debaixo de árvore e, portanto, todo o gasto com a estrutura física era inteiramente desnecessário e dispendioso. Ora, é de juízo extremamente conservador considerar que só determinados estratos sociais têm o direito ao acesso à escola de qualidade e à preocupação das autoridades públicas, e os demais – os segmentos populares, sem dúvida – devem se contentar com migalhas, agradecidos ainda por tê-las.

Dessa forma, o discurso hegemônico veiculado pela mídia sobre a criminalidade no país, refletido há pouco nas generalizações advindas da violência chocante sofrida pelo jovem casal de São Paulo, traduz, substancialmente, as relações de poder vigentes. Levando em consideração o tratamento radicalmente desigual oferecido aos indivíduos, devido ao pertencimento a grupos e classes sociais distintos, não é difícil afirmar que a proposta de redução da maioridade penal, defendida com razoável expressão pela mídia, apresenta um conteúdo claramente conservador, admitindo-se, de forma velada, que só os filhos da miséria e da pobreza devem estar sujeitos aos rigores da lei.

 

 



NOTAS

 

[1] Agradecemos a leitura e sugestões que o professor Aluizio Alves Filho fez ao presente texto.

[2] Referimo-nos ao assassinato de Liana Friedenbach, 16 anos, e Felipe Silva Caffé, 19 anos. Casal de namorados que foi vítima de uma quadrilha no município de Embu-Guaçu, localizado na Grande São Paulo.

[3] Por mídia estamos a designar estritamente poderosas empresas de comunicação que possuem ampla difusão e circulação e que contribuem significativamente para a construção do senso comum. Este referencial não implica, evidentemente, em afirmar que empresas de menor circulação e que apresentam um discurso destoante do tipo de mídia assinalado acima, como os chamados jornais alternativos, não sejam aqui consideradas instituições midiáticas. Por falta de instrumental mais preciso, utilizamos o conceito de mídia para classificar o discurso midiático dominante veiculado pelas empresas hegemônicas.

[4] Terra notícias. "Acusado de matar casal teria traço de psicopata". Informação consultada em 2/12/2003. Disponível na Internet via

http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI208597-EI306,00.html

[5] Tome-se como exemplo a idéia de risco-país, ou risco-Brasil. Esta, em si mesma, no corpo das atividades e do pensamento dos financistas nacionais e internacionais, consiste numa determinada maneira de analisar as possibilidades de investimentos e ganhos no país. Até aí não passa de um conceito concebido num plano particular, inscrito nas ações e valores que orientam as práticas de setores específicos, fundamentalmente a burguesia financeira. Contudo, a operação ideológica se faz presente no momento em que a referida idéia é evocada, pública e sistematicamente, como instrumento eficiente e adequado de orientação para o governo federal e para a sociedade construírem o caminho tanto para a resolução dos problemas socioeconômicos do país quanto para a promoção do bem-estar de toda a população, pois, este elemento particular – risco-país – acaba por ser deslocado de sua natureza e sentido originários, abarcando significados e propósitos que os supera em demasia. Converte-se, assim, num determinado discurso público (presentemente hegemônico, como se sabe), na realização da plenitude, impossível, da sociedade.

 

[6] Do que foi exposto, não se afirma, é claro, que a ideologia confunde-se apenas com falsidade, mascaramento da realidade ou ideologia da classe dominante. Os referidos componentes estruturais da ideologia estão presentes em qualquer manifestação ideológica, como na produzida pelos setores subalternos. Importa-nos, com efeito, identificar especificamente alguns traços ideológicos do discurso hegemônico veiculado pela mídia. Para uma discussão minuciosa e aprofundada do tema, ver Laclau (2002) e Althusser (1998).

[7] Lembram-se do caso Suzane Richthofen, a jovem rica, moradora de um bairro nobre da cidade de São Paulo, que em 2002 fora acusada de participar do assassinato dos pais? A despeito de não se tratar de uma menor de idade, o exemplo é válido no sentido de que as interpretações oferecidas pelo discurso hegemônico, na ocasião, não escapavam à avaliação referida.

 

 

Referências bibliográficas:

 

ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de estado. Rio de Janeiro: Ed. Graal. 7a ed.: 1998.

FREUD, Sigmund (a). "O ego e o id". In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, volume XIX. Rio de Janeiro: Ed. Imago. S/d (publicado originalmente em 1923). Pp. 15/77.

________________ (b). "O instinto e suas vicissitudes". In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, volume XIV. Rio de Janeiro: Ed. Imago. S/d (publicado originalmente em 1915). Pp. 117/123.

HOBBES, Thomas. O Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Ed. Abril Cultural. 3a ed.: 1983.

LACLAU, Ernesto. Misticismo, retórica y política. Buenos Aires: Ed. Fondo de Cultura

Económica. 2002.

OLIVEIRA VIANNA, Francisco José de. O idealismo da constituição. São Paulo: Companhia Editora Nacional. 3a ed.: 1939.

 

Resumo: O artigo tem como propósito tanto indicar alguns traços discursivo-ideológicos apresentados pela mídia no tratamento concedido à violência, em especial a praticada por jovens, quanto problematizar a proposta da redução da maioridade penal.

 

 

Palavras-chave: Mídia, violência, ideologia, maioridade penal e conservadorismo.

 

Sobre os autores:

Marcos Roberto Magalhães de Sá. Historiador, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, e co-editor da revista eletrônica O Cisco Tonitruante: Opinião, Cultura & Humor, http://www.ocisco.com . E-mail: ragingbull@uol.com.br

Mariana Martins Lopes. Estudante de Psicologia da Universidade Estácio de Sá. E-mail: marimartinslopes@hotmail.com

Roberto Bitencourt da Silva. Professor do Departamento de Ciência Política do IFCS/UFRJ.  Mestre em Ciência Política pelo PPGCP do IFCS/UFRJ.

E-mail: betobitencourt@hotmail.com

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