“AS
ROSAS NÃO FALAM?”: NOTAS
SOBRE UM RITO DE COMENSALIDADE OCORRIDO NO
ENCERRAMENTO DA CAMPANHA DE ROSINHA MATHEUS
Isabel Ferreira*
Thiago
Passos**
Rituais
de comensalidade são eventos marcados pelo consumo de comida e bebida, e freqüentes
na realização de campanhas políticas.
Além de promoverem sociabilidade e solidariedade entre os participantes
podem também ser definidos como rituais que encenam simbolicamente o processo
de eleição (ou não) de um político.
O presente trabalho descreve um desses
ritos realizado no encerramento da campanha eleitoral da atual governadora do Rio
de Janeiro, Rosinha Matheus.
Esse artigo busca a importância dos
símbolos na construção da imagem dos políticos e os conflitos que envolvem a
política no período das eleições. Os papéis dos personagens que compõem essa
celebração são bem definidos, reforçados e atualizados nesse ritual; por
fazerem parte dos pleitos eleitorais ajudam a construir ou reafirmar a
identidade do político durante sua campanha, ou seja, mostrar que o mesmo é
digno do exercício do mandato.
A preocupação em certificar sua
identidade política vem do fato de que todo político depende de outros
elementos, além de sua trajetória, para mostrar força em se eleger. Dependência
essa que passa desde o marketing até as alianças conquistadas durante a
campanha. Reunir um grande número de pessoas nesses momentos só vem a mostrar a
força do político.
Devido ao seu caráter ritualizado, as
eleições instalam um recorte temporal que é vivido segundo cada localidade,
também denominado de tempo da política
[1] , alterando o ritmo habitual
da sociedade, ressaltando os conflitos e as facções. Reunir um grande número
de pessoas nesses momentos só vem mostrar força e prestígio do político.
Assim,
tomar as dimensões dessas celebrações como foco de análise, permite que
observemos como se mostram certas encenações e atribuições simbólicas que visam
identificar o político e seu grupo de aliados.
2. A campanha de
Rosinha Matheus
No dia 5 de abril de 2002,
Anthony Garotinho renuncia ao seu mandato como governador do Estado do Rio de
Janeiro para concorrer à Presidência da República. Paralelamente, o PSB lança como candidata às
eleições para o governo do Estado, a sua esposa, Rosinha Matheus.
Iniciada no primeiro semestre
em
Em 1998, ao se lançar
candidato pela coligação entre os partidos: PDT, PT, PC do B, PCB e PSB,
Anthony Garotinho consegue se eleger governador do Estado do Rio de Janeiro,
pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), tendo como vice Benedita da Silva,
do Partido dos Trabalhadores (PT). Esta
aliança fez parte de um acordo nacional entre os referidos partidos, com o nome
de “Frente Popular União do Povo Muda Brasil”, visando a eleição presidencial
onde a chapa desta coligação era formada por Luís Inácio Lula da Silva, do
Partido dos Trabalhadores, e Leonel de Moura Brizola, do Partido Democrático
Trabalhista, como seu vice.
Após desentendimentos pessoais
e políticos com os partidos aliados, principalmente com o PT e líderes do
PDT, ocorre a fragmentação da base de sustentação do governo. Garotinho é expulso do PDT e se filia ao PSB
no dia 29 de janeiro de 2001, acarretando uma reconfiguração do quadro político
partidário do Estado, que desembocaria numa pulverização da antiga Frente
num leque de três candidatos a sucessão ao governo [2]. São eles: Rosinha
Garotinho (PSB), Benedita da Silva (PT), Jorge Roberto Silveira (PDT).
Dentro
de uma campanha eleitoral, a política e suas representações se articulam como
um campo cruzado, no qual os candidatos são expostos e se oferecem como pessoas
com um passado reconhecido e com uma biografia que possa situá-los socialmente
[3]. Rosinha Garotinho baseia sua campanha em alguns símbolos que constróem
sua imagem, tais como da mãe de nove filhos (dentre os quais, cinco são adotivos),
da mulher do interior, religiosa, esposa companheira e autônoma, podendo assim
ser uma governadora “independente e identificada com o povo” [4].
Esse
esforço de construção da identidade política, a fim de encontrar uma fórmula
para tornar-se pessoa ao invés de
somente indivíduo [5], era o grande
objetivo durante sua campanha, para principalmente afastar a mácula de ser
um “mero fantoche” de seu marido.
Como
observado em outros trabalhos [6], torna-se evidente o caráter festivo das
eleições. Durante uma campanha, encontros
em bares e restaurantes, além de festas, batizados e outros tipos de cerimônias,
são importantes por serem locais de grande movimentação, isto é, possuidores
de eleitores em potencial [7].
Machado
(1969), quando estuda o significado do botequim [8], ressalta que os bares
por serem locais de sociabilidade, são locais privilegiados para formação
de subgrupos, isto é, freqüentadores assíduos, com horários estabelecidos
e certo grau de rotinização.
Assim,
botequins, bares e até mesmo restaurantes tornam-se cenário para o
desenvolvimento de algumas campanhas ou de encontros freqüentes de assessores e
cabos eleitorais. Não só o rito de encerramento da campanha de Rosinha foi
realizado num bar, como muitas reuniões no decorrer do pleito eleitoral também.
Mesmo
que locais onde se reúna uma determinada facção possam também ser evitadas
por outras [9], compreendendo assim uma rede de relações sociais. Inclusive
tendo sido declarado que o movimento “Rosinha Não!” [10] fora criado num tradicional
bar da zona sul.
No site oficial [11] desse movimento são feitas várias alusões às festas
e atividades organizadas nos bares do Rio de Janeiro; e no dia da posse da
governadora se declaram como vigilantes, ressaltando: “Naquela mesinha no
canto do Jobi, ao lado do Paiva, estaremos de olho vivo”. [12]
Em seis de outubro de 2002, após algumas horas de apuração a candidata
pelo PSB – Partido Socialista Brasileiro - Rosangela Rosinha Garotinho Barros
Assed Matheus de Oliveira, a Rosinha Matheus, se vê eleita em primeiro turno
para o Governo do Estado do Rio de Janeiro [13], selando assim, o término
de meses de campanha onde as acusações e críticas à sua candidatura foram
oriundas, principalmente, do citado movimento “Rosinha Não!”.
Para celebrar o resultado
das urnas, no dia 14 de outubro do mesmo ano um grupo de assessores do partido
convocou seus “pares políticos” e ajudantes de campanha com objetivo de
encerrar - simbólica e efetivamente - as atividades eleitorais.
Nesse evento se
faziam presentes, além dos assessores de campanha, diversos candidatos do mesmo
partido a cargos legislativos (eleitos ou não), cabos eleitorais, militância
jovem e a filha da candidata eleita, Clarissa Matheus.
Num discreto bar do Leblon, bairro da
Zona Sul do Rio de Janeiro, aproximadamente duzentas pessoas reuniram-se numa
“mesa coletiva” [14] por volta de 22 horas e por lá permaneceram até cerca
de 5 horas da manhã do dia seguinte. A disposição das pessoas nessa mesa era configurada
de acordo com os núcleos de participação dentro da organização partidária
[15].
O
ponto de destaque desse evento foi vivido por um dos candidatos do partido a um
cargo legislativo que, por ter tido discreta votação, não alcançou a
legislatura. Ele tinha a incumbência de conduzir a cerimônia. A chegada ao bar de qualquer conviva era seguida, obrigatoriamente, pela saudação
ao “anfitrião”, antes de acomodar-se próximo ao seu núcleo.
Segundo
Kuschinir (2002) rituais de comensalidade, ocorridos após um resultado
favorável nas eleições, tem como propósito reforçar a identidade política como
detentora de acessos, e a identidade
do grupo formado no decorrer da campanha.
Assim,
essa reunião teve o intuito de celebrar o fortalecimento dos laços partidários
nesse trajeto eleitoral, simbolizando que o PSB “galgou degraus” e assumiu o
governo estadual.
No
evento, Clarissa Matheus (filha da candidata eleita) supriu a ausência de Rosinha. Isso teve o propósito, como em toda a campanha,
de que sua imagem fosse a expressão simbólica da família Garotinho. Clarissa acompanhou os pais – Rosinha Garotinho
e Anthony Garotinho, candidato a presidente da República – em todos os eventos
públicos da campanha [16]. Esse fato foi descrito pela imprensa durante a
campanha de Rosinha. Como pode ser observado no trecho abaixo reproduzido:
“Carismática, politicamente precoce e com um discurso
extremamente articulado, ela quer fazer primeiro sua mãe governadora e o pai
presidente da República (...) E
pensar que tudo na vida de Clarissa começou com uma simples brincadeira de
menina, que aos 4 anos decorou uma gravação de campanha do pai e saiu pelas
ruas de Campos imitando-o. E que aos 17 já subia nos palanques de verdade para
fazer contundentes discursos contra os adversários de Garotinho. (...) Clarissa pensa e respira política 24
horas por dia. Acompanha seu pai no corpo-a-corpo da campanha.” (O Globo,
15/09/2002).
A presença de Clarissa foi só um dos inúmeros símbolos de campanha
reafirmado nesse evento. Um dos momentos de destaque durante a comemoração
foi a convocação dos partidários a aderirem a um abaixo-assinado que tinha
como objetivo repudiar a “patrulha ideológica” [17] – configurada
no movimento “Rosinha Não!” -, as ofensas sofridas por ser mulher do interior,
e principalmente as acusações de ser meramente um fantoche nas mãos de seu
marido, o ex-governador do Estado, Anthony Garotinho.
Na ocasião,
Garotinho discursou por alguns minutos, ressaltando a importância de todos
assinarem o documento, e assim “irem contra as expressões proselitistas e
discriminatórias manifestadas pelos adversários” [18]. Esse abaixo-assinado
associa-se a uma camisa, distribuída para todos ali presentes, com os seguintes
dizerem: “Eu Votei Rosinha Sim” [19].
Fechando
o evento, como feito nas campanhas de ruas e reuniões durante a eleição, foram
distribuídas rosas vermelhas para todos os presentes. Rosas essas distribuídas, prioritariamente
por Clarissa, no qual se dizia a frase “Uma rosa da Rosinha para você!”.
5. Considerações
finais
Durante
suas campanhas, os candidatos se relacionam com um público de possíveis
eleitores quando se mostram, podendo
ser postos à prova pelos mesmos. Suas identidades dependem, além de seus
desempenhos durante esse processo, de forças externas como alianças.
Assim,
é comum que as campanhas sejam marcadas por diversos eventos que reforcem e
atualizem alguns símbolos construídos, para que o político seja caracterizado e
identificado por eles.
Segundo
DaMatta (1997) é dentro do domínio do ritual que se observa a ideologia
dominante e o sistema de valores de uma sociedade. Dentro dessa perspectiva,
observar os acontecimentos de um desses rituais ocorrido durante as campanhas
eleitorais nos permite analisar as crenças e valores de cada um de seus atores,
e como as mesmas são encenadas.
A descrição
relatada a respeito dessa reunião teve como objetivo apresentar como se processa
um dos reforços de identidade de grupo dentro de um cenário político, isto
é, um conjunto político [20]. Ao se reunirem nesse dia para comemorar a vitória
de sua candidata, cada partidário declarou para o grupo presente sua identidade
para com o partido, seu papel dentro da campanha e principalmente a busca
pelos acessos [21].
O que
buscamos mostrar é como os símbolos desenvolvidos para sustentar a imagem de um
político se tornam importantes para marcar sua identidade, o como os mesmos são
perpassados e reafirmados dentro do universo dos atores que compõem a campanha.
[1] Para melhor compreensão sobre o tempo da política, bem como as implicações
do caráter temporal da política, ver Palmeira e Heredia (1995) e Palmeira
(2002).
[2] No momento da renúncia do mandato,
Garotinho possuía alto índice de aprovação popular, aproximadamente 87%
da população fluminense aprovava o seu governo (Dado extraído da Revista
Época edição 194, de 04/02/2002).
[3] Scotto, 1996
[4] Este dado refere-se a algumas ocasiões
dentro dessa campanha, tais como, por exemplo, a comemoração da vitória
na Central do Brasil, região do centro da cidade do Rio de Janeiro, com
grande movimentação de trabalhadores de baixa renda, aproximadamente às
8 horas da manhã logo que divulgado o resultado das eleições.
[5] Scotto, 1996
[6] Palmeira e Heredia (1995), Kuschnir
(2000), Scotto (1996), são alguns exemplos.
[7] Kuschnir, 2002.
[8] Machado, 1969.
[9] Guebel, 1996.
[10] Movimento esse “não assinado” por
nenhuma das facções adversárias, mas mesmo assim alcançando repercussão
estadual, com ênfase na reta final do pleito eleitoral.
[12] O bar Jobi, localizado no bairro
do Leblon, ocupa uma posição de destaque nos rankings dos melhores bares,
sendo seu garçom Paiva apontado como o melhor do Rio de Janeiro.
[15] Esses limites não eram explícitos,
mas tornaram-se bastantes perceptíveis em nossa observação. Isso porque possuíamos familiaridades com os
diversos núcleos desse partido e com uma série de integrantes que compunham
cada um, em decorrência do acompanhamento da campanha eleitoral do referente
partido.
Ao nos
utilizarmos esse conceito de familiaridade, tentamos exemplificar o que Velho
(1978) conceitua como observação do familiar como fonte de conhecimento. Tendo
em vista nosso constante contato com os personagens políticos dessa campanha.
[16] Esse tipo de identificação de filhos
com os pais políticos já foi ressaltado por Kuschnir (2000) quando relata
o fato de que a identidade “filha de deputado” fornece prestígio e reconhecimento
a quem a carrega.
[17] Essa expressão é normalmente utilizada
para designar uma manifestação que tenha como objetivo a depreciação de
uma figura ou de um ato.
[18] Nas palavras do próprio discursante.
[19] Não somente os dizeres fazem alusão
ao movimento “Rosinha Não!”, como também graficamente é similar ao logo
do movimento contrário.
[20] Esse termo utilizado por Guebel (1996)
denomina um conjunto que é identificável em função dos laços que compõem
a rede, o mesmo está centrado em torno de um ego sendo composto de pessoas
que esse mesmo ego classifica segundo um critério determinado. Tais pessoas formam unicamente uma parte da
rede, na medida em que o conjunto é uma entidade limitada.
[21] Segundo Kuschnir (2000) ter acesso
é o que diferencia os parlamentares das demais pessoas, apenas através da
política, é possível se adquirir conhecimentos, “abrir portas” junto ao
poder executivo. Com a posse do mandato
é interesse para o parlamentar ampliar consideravelmente os seus acessos
fornecendo cargos públicos a seus aliados.
Muitos dos presentes estavam em busca
daqueles acessos e de alguns outros prestígios e reconhecimentos adquiridos por
constituírem esse conjunto político.
Referências Bibliográficas:
DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema
brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1997.
GUEBEL, Claudia. “O bar da Tita:
política e redes sociais” In: PALMEIRA, Moacir e GOLDMAN, Marcio (Orgs) Antropologia, voto e representação política.
Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 1996.
KUSCHNIR, Karina. O Cotidiano da Política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.
______________. “Rituais de
Comensalidade na Política” In: HEREDIA, Beatriz, TEIXEIRA, Carla e BARREIRA,
Irlys (Orgs) Como se fazem eleições na
Brasil. Rio de Janeiro: Relumé Dumará, 2002.
MACHADO, Luis. O Significado do Botequim. Centro Latino Americano de Pesquisas
PALMEIRA, Moacir. “Política e tempo:
nota explicatória” In: PEIRANO, Mariza (Org) O dito e feito: Ensaios de antropologia dos rituais. Rio de
Janeiro: Relumé Dumará, Núcleo de Antropologia da política/UFRJ, Coleção
Antropologia da Política 12, 2002.
______________ e HEREDIA, Beatriz. Os comícios e a política de facções.
Anuário Antropológico/94. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1995.
Revista Época, edição 194, de
04/02/2002.
SCOTTO, Gabriela. “Campanha de rua,
candidatos e biografias” In: PALMEIRA, Moacir e GOLDMAN, Marcio (Orgs) Antropologia, voto e representação política.
Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 1996.
VELHO, Gilberto. “Observando o familiar”
In: NUNES, Edson (Org) A aventura
sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
<www.rosinhanao.kit.net> Acessado
em 10 de Abril de 2003.
<www.tse.gov.br> Acessado em 22 de Abril de 2003.
RESUMO:
Esse artigo descreve um rito de
comensalidade realizado no encerramento da campanha eleitoral da atual
governadora do Rio de Janeiro, Rosinha Matheus.
O objetivo é explicitar o
caráter cíclico da identidade do político, a importância de símbolos na
construção da imagem do mesmo e os conflitos que envolvem a política no período
das eleições.
Palavras-chaves: Campanha Eleitoral;
Ritual; Símbolos e Política.
* Bacharel
** Bacharelando