ENTRE JUDEUS E ÁRABES UM RIO DE SANGUE E PETRÓLEO
Carlos Camilo Mercio Martins *
Teme os
profetas e aqueles que estão preparados para morrer pela verdade... pois via de
regra eles fazem muitos morrerem com eles, freqüentemente antes deles, e não
raro em vez deles (Umberto Eco em O nome da Rosa).
Em 1166, aos
31 anos, desembarcou em Alexandria, no Egito, Mosheh ben Maimon que significa
Moisés, filho do Rabi Maimon, que se transformou em Maimonides, filosofo e
médico. Aos 16 anos escreveu seu tratado sobre a lógica. Foi precursor da
tarefa ecumênica a que no mundo cristão se dedicaria depois o grande Tomas de
Aquino. Durante dez anos escreveu os Comentários sobre a Mishna (1) em vários volumes. Morou na cidade de Fustat no Cairo e,
veio a influenciar pensadores tanto muçulmanos como católicos e judeus de sua
época.
Foi
freqüentemente citado por pensadores como, mencionado, Tomas de Aquino, Alberto
o Grande, Roger Bacon, Inácio de Loyola, Alexandre de Halle, Nicolas de Coves,
Leibniz Barouch de Espinoza e muitos outros.
Dedicou sua
vida à tarefa de buscar a liberdade e dilatação das fronteiras do conhecimento
através da forca da razão.
Agora, de
forma violenta e no confuso mundo em que estamos vivendo, as crises vêm se
dando através do terrorismo. É imperativo buscar evitar o naufrágio da razão.
Não existem formulas mágicas ou homens providenciais, mas apenas a busca da
sabedoria e da justiça.
Maimonides
afirmava que a construção da boa sociedade pressupõe não fórmulas messiânicas,
mas simplesmente o império da lei. A lei, como um todo, diz ele no Guia para os
perplexos, objetiva duas coisas: o bem estar da alma e o bem estar do corpo. O
primeiro consiste no desenvolvimento do intelecto humano; o segundo, no
melhoramento das relações políticas dos homens entre si.
Quem visita
Córdoba, na Espanha onde nasceu Maimonides pode visitar a casa onde ele viveu.
Verificará pela sua localização que ele vivia num quarteirão judeu, porém num
bairro árabe. Perto de sua casa podemos visitar a sinagoga que freqüentava.
Fica evidente que o convívio era tranqüilo e pacífico.
O Alcorão,
obra maior do Islamismo, traz alguns pensamentos que destaquei e que gostaria
oferecer a meditação: Deus não ama os opressores (XLII, 38); A justiça conserva
junto de si a piedade (V, II); Não ande orgulhosamente pelo mundo...(XVII); Os
homens foram divididos em tribos e famílias, mas pertencem a uma mesma espécie,
eles foram criados de uma mesma origem, e o mais digno é aquele mais temente a
Deus; (VI, 98; VII, 189; XLIX, 13); As diferenças de raça não são mais que uma
lição para o mundo (XXX, 21), Os éditos proclamam que um árabe não é superior a
um estrangeiro, um branco, ou um negro, que por piedade, Deus enviou sua benção
e sua bondade, a todas as raças igualmente.
Ainda se pode
encontrar no livro sagrado dos muçulmanos as seguintes afirmações que Mahomet
(2) transmitiu ao mundo como mensagem de Deus: O Alcorão (3) declara que matar
um homem é como matar todos os homens, salvar apenas um homem, é como salvar
toda o gênero humano. (V, 35); Que a piedade não consiste em virar sua face em
direção ao nascente ou ao poente, mas possuir a fé e dar aos pobres por amor a
Deus, rezar e libertar os cativos, manter suas promessas e suportar
piedosamente suas provações, (II, 172), Que o sofrimento e o sangue das vítimas
não alcançam a Deus, mas sua piedade chega a ele. (XXXII, 38). Não há ponto de
constrangimento na religião, (II, 257); Ele aconselha ainda: Pague com bem o
mal e verá que teu inimigo se transformar em protetor e em amigo. Ele
estigmatiza o orgulho e afirma a unidade e a solidariedade da espécie humana, o
direito da consciência e o valor de sua pessoa (4).
Como a cultura
judaica cristã se difundiu no mundo ocidental de forma maciça achei importante
oferecer esta seleção de exortações para demonstrar que o conflito que hoje se
estabelece no mundo não tem origem na falta de chão comum de entendimento.
Muito ao contrário, são povos de uma mesma origem cultural e que possuem os
instrumentos filosóficos capazes de encontrar formas e soluções para convívio e
colaboração.
Quando trouxe
a consideração Maimonides, queria mostrar que um dos mais importantes homens de
sua época e que se projetou como exemplo para os homens e para os tempos também
queria demonstrar que o convívio entre árabes e judeus não apenas é possível
como desejável e produtivo.
Maimonides
cresceu e se desenvolveu até o ponto em que chegou perfeitamente inserido no
mundo árabe.
Os
protagonistas que hoje lutam na região, pelo que acreditam, talvez precisem se
lembrar de que há fatos conjunturais que influem nas razões que levam ao
radicalismo atual.
Por séculos os
povos da região viveram pacificamente em torno de suas crenças costumes e
religiões.
O petróleo
possui razões em torno das quais a cobiças gravita e o poder derivado dele
envolve interesses que transcendem em muito os problemas locais.
As
dificuldades entre os dois povos agudizada atualmente pelo domínio do
território Palestino já comemoram a provecta idade de 80 anos. Ambos por razões
diferentes expõem ao mundo a triste cena de suas vidas sendo imoladas num altar
de motivos não muito claros.
É óbvio que sempre houve partidários da violência e da paz de ambos os
lados. Houve momentos, no entanto, em que os partidários da paz dominaram as
negociações tornando possível vislumbrar acordos capazes de obter uma paz
duradoura e justa.
Aparentemente os fatores que compõem o cenário geopolítico da região
atravessam aquelas fronteiras e vêem influindo nas decisões e impedindo povos
que são primos e que viveram juntos ao longo dos séculos em harmonia agora se
enfrentem como inimigos irreconciliáveis. Como este cenário é parte de um
mosaico maior freqüentemente ouvimos manifestações para que as Nações Unidas
intervenham para encontrar de fora para dentro os instrumentos capazes de
compor os interesses em conflito. Isto não significa que razões graves
internas, não deflagrem os conflitos que conhecemos, mas certamente não é
desprezível a necessidade de influir na região que detém 70 % das reservas de
petróleo do mundo.
Os fundamentalistas de ambos os lados encontram na religião na
política local na luta por espaço e na necessidade de dominação estratégica as
razões para preconizar a mútua eliminação através da total expulsão e
extermínio dos territórios considerados santos. Mas é preciso lembrar que
freqüentemente as verdadeiras razões não apresentadas não são necessariamente
nem as dos judeus nem as dos palestinos (5).
Mas neste teatro horrores em que vai se transformando o berço da cultura e da civilização e dos valores éticos e morais que o mundo ocidental conhece, onde cada um se acha no direito a vingar-se de sua tragédia pessoal às coisas vão escapando do controle. Como em todo o conflito, interno, as vítimas que nos causam maior indignação são da população civil, cujo drama assistimos através dos meios de comunicação. São os inocentes de ambos os lados, crianças, velhos, mulheres todos quase sempre sem uniformes.
Pode, perfeitamente possuir um papel relevante o fato de que sendo
fundamental o controle do petróleo na região e perfeitamente presumível que
este século deve ser o da mudança de matriz energética seja pela poluição
oriunda do CO2, ou seja, pelo conhecido esgotamento das reservas conhecidas.
Tudo leva a crer que, na atual circunstância, nem Israel nem os palestinos
possuem condições para por cobro a escalada de violência. Os EUA, evidentemente
não possuem a neutralidade necessária para gerir uma negociação o que já foi
tentada de várias maneiras.
Resta á ONU a possibilidade de fazer uma intervenção militar externa
que em nome da comunidade mundial teria a necessária isenção para uma tarefa de
tal magnitude. Enquanto isto não acontece resta buscar nos exemplo dos
ancestrais a sabedoria necessária para encontrar o caminho da paz que já
viveram e merecem viver.
Notas:
1 - MISHNAH (em hebraico
significa repetir, repetição da tradição). O talmud produziu acontecimentos
significativos na religião judaica. Cada uma das três divisões maiores dessa
obra a Mecha (o código das leis orais), A Guevara (comentário e elaboração de
textos da Mecha) e o Medira (exposição e interpretação popular da Bíblia em
forma de sermão). Tornou-se o repositório dos esforços judaicos coletivos
visando a uma filosofia mais harmoniosa. (Conhecimento judaico Editor Tradição,
Rio de Janeiro 1967).
2 - Maomé ou Mohamed, profeta
do Islã, Meca 570-632 Maomé dá às raízes puramente árabes a organização
cultural e litúrgica. Hachette Dictionaire, Paris, 1992.
3 - ALCORÃO (Do Árabe.
Al-qurãn, a leitura por excelência. Livro sagrado do Islamismo, Dicionário
Aurélio, Editora Nova Fronteira).
4 - EMILE Dermenghem MAHOMET et la
tradition islamique, Maitres spirituels, aux editions du seuil, 1957, pp.
87-88.
5 - Apud artigo da folha de São
Paulo de 20 de maio 2002, SINGER Paul é professor da Faculdade de Economia e
Administração da USP e pesquisador do Cebrap.
Resumo:
Em vista da nova
situação mundial, este paper propõe-se a
examinar as conseqüências da crise no Oriente Médio e os caminhos que os mais
experientes indicaram. Trata do tempo no qual as pessoas daquela região podiam
viver numa paz que eles certamente merecem viver.
Abstract:
In
view of the new world situation this work aims to examine the consequences of
the actual Middle East crisis and the path their elders pointed out long ago.
It’s about a time when people on that region could live in peace and they sure
should.
Palavras-chave:
Oriente Médio, política internacional, conflito, ONU, petróleo.