O EMPRESÁRIO INDUSTRIAL E A
FORMULAÇÃO DE UM NOVO PROJETO DE DESENVOLVIMENTO NACIONAL [1]
No seu discurso de despedida do Congresso, no final de 1994, o então
senador e recém-eleito presidente Fernando Henrique Cardoso procurou apresentar
o rumo do seu futuro governo, tendo como referência um vaticínio: “A Era Vargas
acabou!” Isto evidencia o quanto a Era Vargas (1930-1990) foi importante. Mais:
demonstra que a mudança de rota ocorrida a partir de 1930 foi um claro divisor
de águas na história do País, muito embora apenas com o encerramento do ciclo
de industrialização por substituição de importações da Era Vargas tornou-se
possível vislumbrar com mais nitidez as suas conseqüências para o Brasil.
Entretanto essas estão longe de ficarem restritas apenas à economia — como a
ênfase na estratégia de desenvolvimento por substituição de importações poderia
enganosamente sugerir —, fazendo-se os seus efeitos sentirem-se sobre a
política, as instituições e a sociedade. Com efeito, o arranjo corporativo da
Era Vargas impregnou o tecido social e os corações e mentes de homens e
mulheres por gerações, sendo ainda prematuro avaliar a profundidade destas
“raízes” e, mais importante, em que medida as reformas econômicas, políticas,
sociais, culturais e psicossociais iniciadas na década de 1990 sob o signo do
neoliberalismo [2] conseguiram pôr em xeque este legado histórico. Porém,
parece factível destacar algumas características marcantes do legado da Era
Vargas a fim de perceber a importância de um sujeito coletivo fundamental na
implementação e execução deste processo de industrialização: o empresário
industrial [3].
Em primeiro lugar, o período histórico da Era Vargas, conforme assinalou
João Manuel Cardoso de Mello, foi uma anomalia histórica que destoou de toda a
história pregressa do Brasil — até então marcada pela ausência de um projeto de
desenvolvimento nacional relativamente autônomo [4]. Pela primeira vez na
história do Brasil tentou-se formular e implementar um projeto de desenvolvimento
nacional [5]. Reconhecer isso não implica negligenciar os aspectos negativos e
problemáticos deste projeto, mas sim notar a novidade histórica que representou
na trajetória periférica do Brasil.
Em
segundo lugar, esse esforço de industrialização só foi possível no contexto
histórico do “breve século XX” [6] marcado pelas duas guerras mundiais e pela
crise de 1929, com suas inevitáveis conseqüências para o Brasil. Poderia-se
retrucar que pôr ênfase nesta dimensão estrutural implicaria em não reconhecer o
devido peso da variável política neste processo de industrialização, assim como
da atuação dos “atores estratégicos”: empresários industriais e burocratas [7].
Não é este o caso, pois se é razoável afirmar que a política desfruta de uma
autonomia relativa frente aos interesses materiais, também não se pode negar
que ela tem vínculos estreitos com a sociedade civil — terreno no qual estes
interesses materiais revestem-se de suma importância [8].
Neste
sentido, não fosse a existência de um contexto externo favorável e qualquer
desejo de industrializar o Brasil seria apenas e tão somente um projeto
circunscrito a algum espírito empreendedor isolado — à moda de um Barão de Mauá
[9] —, não se materializando numa opção histórica concreta passível de ser
implementada coletivamente. Aqui reside o ponto cego das análises que
privilegiam a conjuntura interna em detrimento da externa ou subestimam o peso
da conjuntura externa. Isto porque, ao enfatizarem o papel dos “atores”
internos ou “grupos de interesse” deixam de levar em conta o travejamento
estrutural com que estes têm de se defrontar seja afirmando-o, seja negando-o.
Nossa hipótese é que o esforço de industrialização da Era Vargas foi fortemente
condicionado por um contexto de crise do capital que tornou possível ao País
deixar à condição de mera província primário-exportadora no mercado mundial,
para ocupar a condição de economia urbano-industrial.
Finalmente,
não se pode deixar de fazer uma indagação: pode-se imaginar o empresariado
industrial do Brasil encampando um novo projeto de desenvolvimento nacional em
bases minimamente autônomas, que vise superar a extrema submissão aos mercados
financeiros globais que se instalou ao longo da década de 1990 — especialmente
a partir de 1994? [10] Qualquer que seja a resposta a esta pergunta, ela deverá
levar em conta um fato incontornável: o empresário industrial no Brasil sempre
se guiou por uma atitude pragmática frente ao Estado, aos partidos políticos e
aos trabalhadores, nunca pondo em risco os seus interesses de classe. Como
sugere Eli Diniz,
“Historicamente, o empresariado brasileiro revelou, ao longo das
diferentes fases da industrialização substitutiva de importações, grande
dificuldade para formular plataformas de maior amplitude capazes de transcender
seus interesses mais específicos. Configurou-se como um ator político
destituído de percepção de longo alcance e de visão de conjunto, o que teve,
certamente, alguma relação com o fato de ter surgido e amadurecido sob regimes
autoritários. Os parâmetros de convivência e os marcos institucionais
responsáveis pela regulamentação das relações capital-trabalho não estimularam
acordos interclasses” (Diniz, 2000:82). [11]
Importa
destacar que muito desta atitude pragmática do empresário industrial deve-se à
maneira como este constituiu a sua consciência de classe. O empresariado
industrial é herdeiro dos quadros mentais e ideológicos oligárquicos, em
especial os da oligarquia cafeeira sediada no Estado de São Paulo. Isso teve e
tem conseqüências duradouras para a formação deste sujeito coletivo, bem como
da sua forma de conceber e atuar nos espaços públicos e privados [12]. Afinal,
no Brasil a classe dominante formou sua consciência de classe de maneira
diversa da sua congênere da Europa e dos Estados Unidos, pois aqui não houve
nem a luta contra o Ancien Régime ou a contra o colonialismo, portanto,
as idéias do liberalismo e do nacionalismo ganharam novas cores sob o sol
periférico dos trópicos. Como sugeriu Emilia Viotti da Costa,
“Importadas, estas idéias não encontrariam no Brasil uma estrutura
sócio-econômica correspondente. Seu sentido seria limitado: enquanto na Europa
elas serviam a uma burguesia vigorosa, ligada ao desenvolvimento das
manufaturas e das indústrias, em luta contra uma aristocracia em crise, no Brasil
elas iriam ser defendidas pela ‘aristocracia rural’ e por uma débil e pouco
expressiva ‘burguesia’ que dependia quase totalmente do Estado ou das
categorias rurais” (Costa, 1974:90-91).[13]
Além disso, é importante considerar as mudanças na
conjuntura interna e externa e a sua confluência para a definição dos
parâmetros políticos e ideológicos do debate eleitoral ocorrido em 2002, no
qual a questão da possibilidade de retomada de um projeto de desenvolvimento
nacional — tal qual a Fênix — ressurgiu das cinzas do
nacional-desenvolvimentismo num outro contexto e em outra chave de
desenvolvimento, pondo o empresário industrial no centro do debate. Ademais,
qualquer tentativa de retomar um projeto de desenvolvimento nacional passará
inevitavelmente por este agente político, haja vista a impossibilidade de
implementá-lo sem o empresariado seja como empreendedor econômico, seja como
fiador político.
Isso
remete diretamente a conformação da agenda pública, que tem como um de seus
elementos fundamentais o “príncipe eletrônico”. Este surge como novo locus de
hegemonia na sociedade burguesa e, conseqüentemente, da definição das opções
históricas postas no horizonte. De acordo com Octavio Ianni,
“Sim, o príncipe eletrônico pode ser visto como o intelectual orgânico dos grupos,
classes ou blocos de poder dominantes, em escala nacional e mundial. Em alguma
medida, esses grupos, classes ou blocos de poder dispõe de influência mais ou
menos decisiva nos meios de comunicação, informação e propaganda, isto é, na
mídia eletrônica e impressa, sempre funcionando também como indústria
cultural”.[14]
Assim,
o “príncipe eletrônico” vale-se das novas mídias para o exercício da hegemonia,
passando a ocupar um papel decisivo na definição das escolhas políticas dos
indivíduos e das classes sociais. Contudo, se o peso das novas mídias não pode
ser considerado propriamente uma novidade — basta ter em mente a importância
crescente dos meios de comunicação de massa ao longo do século XX —, também não
é menos verdade que no mundo contemporâneo este peso ganha novas proporções por
conta da atitude de privilegiar a forma em detrimento do conteúdo do processo
político e eleitoral, contribuindo para uma certa uniformidade no debate
político e na definição ou não de caminhos alternativos para enfrentar as
conjunturas de crise — inclusa aí a questão da retomada de um projeto de
desenvolvimento nacional.
No
caso específico do Brasil, o “príncipe eletrônico” tende a desfrutar de um peso
ainda maior devido ao caráter restrito da propriedade dos meios de comunicação
e das novas mídias, o que fica patente no apoio significativo à coalizão
conservadora que ascendeu ao poder em 1994 [15], implementando o programa de
ajuste neoliberal propugnado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), pelo
Banco Mundial (Bird) e pela Organização Mundial do Comércio (OMC) — centros da
política econômica da sociedade global.[16]
O
empresariado industrial não ficou imune a um tal estado de coisas, como
demonstrou a simpatia de uma parcela majoritária deste em relação à candidatura
governista nas eleições presidenciais de 2002, vista como a garantia de
continuidade no processo de desmontagem do legado da Era Vargas e a manutenção
do programa de ajuste neoliberal. [17] Tudo isso mais a própria formação
ideológica da classe dominante, que se deu sob os quadros mentais dos grandes
proprietários de terras e escravos, da qual o empresário industrial é parte
constituinte, indicam que possivelmente este não venha a encampar um novo
projeto de desenvolvimento nacional, talvez aderindo no máximo a um
reposicionamento na inserção subordinada do Brasil no mercado global, visando
reparar os pontos falhos deste programa de ajuste, numa típica atitude reativa.
Tal
postura fica ainda mais clara diante da posição do empresário industrial, do
capital, frente à reforma da estrutura sindical posta em pauta ao longo da
década de 1990. Como afirmou Adalberto Moreira Cardoso,
“(...) ao trabalho interessa reformar a estrutura sindical corporativa
para democratizar os regulamentos. Ao capital interessa reformar para destruir
os regulamentos. Para um, mediações democráticas e, nesse sentido, públicas.
Para outro, privatização das relações de classe. Veremos que o trabalho tem
muito mais a perder, donde suas formulações serem menos consistentes e mais ‘conservadoras’,
uma vez que, diante da incerteza que ronda a realidade que emergirá do processo
atual de negociação, arrisca menos, preferindo assegurar posições de força e
mudar o que parece francamente contrário à ampliação de seu atual poder de
barganha” (Cardoso, 1999:21-22).
Por
isso, deve-se ver com cautela a adesão de uma parcela minoritária do
empresariado industrial à principal candidatura de oposição nas eleições
presidenciais de 2002 [18], que enfatizou ao longo da campanha justamente a
necessidade de retomada de um novo projeto de desenvolvimento nacional. No
horizonte de uma parcela expressiva do empresariado industrial, o apoio a esta
candidatura de oposição deu-se no âmbito de uma atitude de defesa de seus
interesses e de insatisfação com alguns pontos da agenda política apresentada e
implementada ao longo da década de 1990, não podendo, em conseqüência, ser
tomada como uma ruptura histórica com um legado político, social e ideológico.
Como observou Roberto Schwarz a respeito da percepção presente nos romances de
Machado de Assis sobre os proprietários e seus dependentes no Brasil — e que
pode ser estendida ao empresário industrial —,
“Se voltarmos daqui a biografia de Machado [de Assis], parece razoável
supor que a virada corresponde a uma nova convicção, segundo a qual as relações
entre os proprietários e seus dependentes não vão se resolver segundo as regras
da civilidade, porque o interesse dos primeiros não é este” (Schwarz, 1999: 224).
Dessa forma, não há nenhuma
garantia de que o empresário industrial no Brasil venha realmente encampar um
novo projeto de desenvolvimento nacional dotado de um mínimo de autonomia
relativa que instaure uma ruptura com a via associada e periférica de
transição da Ordem Escravocrata para a Ordem Competitiva [19], fazendo com que
o combate às desigualdades sociais, ao clientelismo e a “herança da escravidão”
[20] fique num plano secundário neste novo “contrato social” tão em voga na
ordem do dia. Por conseguinte, a constituição de uma ordem verdadeiramente
democrática ficará prejudicada, pois os direitos sociais que são um de seus
pilares se apresentarão mutilados. Com efeito, a retomada de um genuíno projeto
de desenvolvimento nacional relativamente autônomo passará, necessariamente,
pelo equacionamento das desigualdades sociais que são a marca distintiva da
sociedade brasileira ao longo dos séculos. É por isso que só se poderá falar na
adesão efetiva do empresário industrial — bem como do restante da classe
dominante — a um novo projeto de desenvolvimento nacional na medida em que seja
definido um consistente conjunto de políticas públicas que visem superar esta
desigualdade estrutural e não a adesão a soluções tópicas de cunho paliativo.
Caso contrário, conforme assinalou Francisco de Oliveira, o estado de “exceção
permanente” presente na trajetória republicana pode enfraquecer as fundações da
República.[21]
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Notas
[1] Este
artigo é uma versão resumida e modificada da monografia final de avaliação da
disciplina “Globalização, Elites Empresariais e Desenvolvimento”, ministrada
pela Profa. Dra. Eli Diniz no primeiro semestre letivo de 2002, no curso de
mestrado do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política (PPGCP) da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
[2] Para uma
discussão sobre o significado do neoliberalismo, consultar: ANDERSON, 1995;
ANDERSON, 1996; BORON, 1994; DINIZ, 2000:24-30; IANNI, 1996:139-140; OLIVEIRA,
1998; e SADER, 1995:173-195.
[3] No
recorte feito neste artigo, privilegiar-se-á o empresário industrial e não o
empresário de outros setores da economia (comércio, finanças, etc). Em primeiro
lugar, pois foi este o recorte da disciplina na qual foram desenvolvidas estas
reflexões. Em segundo lugar, porque parece ser este o segmento decisivo no esforço
tardio e periférico de industrialização do Brasil ao longo do século XX. Isto
não significa dizer que os empresários dos dois setores supracitados — a título
de ilustração — não tenham sido importantes, apenas que os do setor industrial
tiveram um papel primordial neste processo.
[4] Note-se
que não é o único a sublinhar esta anomalia. Sobre isso, consultar: FIORI,
2001:160.
[5] Uma
periodização diferente foi feita por Vamireh Chacon: “Ao longo do século XX, o
Brasil teve três grandes projetos nacionais desenvolvimentistas: os das
presidências Vargas, Kubitschek e Geisel, da auto-suficiência do
nacional-autarquismo ao nacional-integracionismo ainda em curso” (CHACON,
2002:10).
[6] Segue-se
aqui a periodização feita por Eric Hobsbawm na sua análise da Era dos
Extremos (HOBSBAWM, 1995). Neste sentido, João Manuel Cardoso de Mello e
Fernando Novais sublinham como os “trinta anos gloriosos” (1945-1974) —
portanto, o período correspondente a Era de Ouro (1947-1973) do Breve Século XX
de Hobsbawm — foram fundamentais para impulsionar o processo de
industrialização do Brasil. (MELLO & NOVAIS, 1998:646-647).
[7] Sobre a
questão da autonomia relativa da política frente à sociedade civil, consultar:
MARX, 1974:384-399; e MARX & ENGELS, 1996:46-53.
[8] Nos
termos de DINIZ, 2000:21-22.
[9] Ao
explicar o fracasso de Irineu Evangelista de Sousa, Sérgio Buarque de Holanda
(1902-1982) confirma esta impossibilidade por outro caminho: “De certo modo, o
malogro comercial de um Mauá também é indício eloqüente da radical incompatibilidade
entre as formas de vida copiadas de nações socialmente mais avançadas, de um
lado, e o patriarcalismo e personalismo fixados entre nós por uma tradição de
origens seculares” (HOLANDA, 1993:46-47). Segundo o enfoque deste trabalho,
entretanto, o fator primordial do fracasso de Mauá é que o Brasil não dispunha
dos recursos naturais (jazidas de carvão de elevado poder calorífico) e das
condições tecnológicas indispensáveis para acompanhar os avanços da Primeira
Revolução Industrial (1750-1860).
[10] Sobre a
necessidade de retomar um projeto de desenvolvimento nacional, consultar:
DUPAS, 2001. Em direção semelhante, Vamireh Chacon sugere: “Também a partir do
século XXI, há espaço para outros projetos [de desenvolvimento] brasileiros,
mesmo mais articulados com os de outros Estados já integrados entre si ou em
integração” (CHACON, 2002:10). Contudo, a discussão mais profícua a esse
respeito foi feita por José Luís Fiori, pois este põe em evidência a posição
dos países de capitalismo avançado frente à possibilidade de uma retomada de
projetos nacionais pelos países periféricos, em especial a posição dos Estados
Unidos. Sobre isso, consultar: FIORI, 2003.
[11] Sobre a
atitude pragmática do empresário industrial, consultar também: BOSCHI &
DINIZ, 2000:56-57-73 e DINIZ, 2000:95.
[12] Sobre a
tendência conceber, no Brasil, a esfera pública como uma extensão da privada,
consultar: HOLANDA, 1993:101-106.
[13] Em
sentido semelhante vai Maria Odila da Silva Dias. Segundo esta autora, o
processo de emancipação política do Brasil não se deu nos moldes do que se
poderia chamar de uma luta nativista da colônia contra a metrópole. “Ao
contrário do que se dá na maior parte dos países da América espanhola, em que
os ‘creolos’ expulsam e expropriam os espanhóis metropolitanos, nós assistimos
em torno da nova Corte e da transmigração da dinastia de Bragança, o
enraizamento de novos capitais e interesses portugueses, associados às classes
dominantes nativas e também polarizadas em torno da luta pela afirmação de um
poder executivo central que queriam fortalecer contra as manifestações de
insubordinação das classes menos favorecidas” [...] (DIAS, 1972:179).
[14] IANNI,
Octavio. O príncipe eletrônico:165. Grifado no original.
[15] Sobre a
coalizão conservadora que ascendeu ao poder em 1994, consultar: FIORI,
1998:11-21. Para uma análise das coordenadas políticas e ideológicas da
conjuntura da primeira década de 1990, consultar: DINIZ, 2000:89.
[16] “Os
governantes, em conformidade com as diretrizes e injunções das estruturas mundiais
de poder, isto é, corporações transnacionais, Fundo Monetário Mundial (FMI),
Banco Mundial (BIRD) e Organização Mundial do Comércio (OMC), entre outras,
empenham-se em ‘reformar’ o Estado e o conjunto das instituições nacionais, com
o objetivo de acentuar a acomodação do ‘mercado emergente’ com o mercado
mundial” (IANNI, Octavio. O declínio do Brasil-nação:53).
[17] Sobre o
apoio da mídia a esta coalizão conservadora e sua candidatura nas eleições
presidenciais de 2002, consultar: FERNANDES, 2002:24-29.
[18] Sobre
esta adesão, consultar: LÍRIO, 2002:26-28; e ROSSI, 2002. Não custa lembrar que
o candidato ao posto de vice-presidente na chapa de Luiz Ignácio Lula da Silva
foi o empresário do setor têxtil e senador José Alencar (PL-MG). Parece que a
escolha de um empresário do setor têxtil não foi aleatória, tendo em vista a
observação da força do setor têxtil no empresariado industrial feita por Maria
Antonieta Parahyba Leopoldi: “Poder-se-ia dizer que na São Paulo dos anos 20
[do século XX] predominou sobre os demais. Ele organizou sua associação de
classe, defrontou-se com o movimento operário e lutou por tarifas junto ao
governo. Foi também o setor mais atingido pela crise dessa mesma década, o que
fortaleceu a sua capacidade ofensiva. Foi pelo fato de estarem organizados que
os industriais têxteis tiveram um peso político significativo no correr dessa
década, obtendo ao afinal dela a desejada proteção tarifária” (LEOPOLDI,
2000:72-73). Leve-se em conta também o fato de que foi o setor têxtil um dos mais
atingidos pela abertura econômica realizada ao longo da década de 1990, donde
que a escolha de um empresário do setor têxtil poderia ter o efeito simbólico
de indicar uma reversão da tendência de desativação e desnacionalização deste e
de outros setores do parque industrial instalado no Brasil. Sobre a desativação
e a desnacionalização de vários setores da indústria no Brasil, consultar:
DINIZ, 2000:92.
[19] “Note a
distância entre esta via associada de qualquer coisa que se queira
chamar de via prussiana! Aqui nunca existiu um projeto de nação-potência
nem de catchup propriamente dito! E quando foi proposto, com Vargas em
38 e Geisel em 74, foi imediatamente contestado e derrotado por nossas elites
econômicas e políticas. No essencial, o empresariado latino-americano nunca
apostou nesta idéia. Do ponto de vista estratégico, sua visão não tinha nada a
ver com a idéia de nação-potência. Havia, pelo contrário, desde o início, um
projeto de aproveitamento ao máximo do espaço criado pela associação com a nação
hegemônica regional, que ao mesmo tempo era a mundial, os EUA. O projeto de
Vargas, no fundo, era a industrialização. Todos percebiam a importância do
capital privado internacional e a impotência dos capitais nacionais e todos,
portanto, acabaram reconhecendo, de uma forma ou de outra, a necessidade do
Estado. O que houve foi apenas uma questão de compreensão do momento. Vargas,
no início dos anos 50, esperava um Plano Marshall para a América Latina. Ele
estava perfeitamente dentro do espírito da época, não tinha nada de
antiamericano. Os EUA estavam fazendo o Plano Marshall e um plano de ajuda
direta para a Ásia, por que não para a América Latina? (...) Em 1953 Eisenhower
foi eleito. Seu irmão fez então uma viagem de esclarecimento e repetiu por todo
o continente que não se esperasse por um novo Plano Marshall. A estratégia de
desenvolvimento, na nova perspectiva republicana, deveria passar pelo
investimento privado das grandes corporações americanas e européias e não pela
ajuda oficial. Estava dado o pontapé inicial e Juscelino soube compreender o
espírito da época e remanejou a estratégia. Não teve plano Marshall, então tem
Volkswagen, Ford etc” (FIORI, 1998:183).
[20] A
herança da escravidão consiste na “passividade diante da hierarquia social e
subserviência diante dos poderosos”. Sobre a noção de herança da escravidão,
consultar: MELLO & NOVAIS, 1998:615.
[21] “O
paradoxo é que desde a Independência o regime de dominação foi, com as exceções
conhecidas, constitucional. Talvez esteja mesmo entre os regimes
constitucionais mais precoces e de longa duração. Mas aí, todas as exceções
comparecem e quase se transformam em regra. Ao ponto em que uma outra inversão
pode se ver autorizada: o regime tem sido estavelmente despótico com breves
períodos de abertura ou relaxamento; democráticas propriamente seria uma
temeridade, ainda quando o formalismo reinante nas ciências da política e da
sociologia não tenha muitos pruridos em chamá-las assim.(...) Diferirá, de um
para outro autor, de uma para outra interpretação, a aritmética da ‘exceção
permanente’ e mesmo alguns dos eventos listados, mas dificilmente poderá ser
negada a permanência de soluções extra-constitucionais, para sermos mais
suaves” (OLIVEIRA, 2000:59-60).
Resumo: O artigo aborda, sinteticamente, o lugar
ocupado pelo empresário industrial na dinâmica política da década de 1990,
especialmente no que diz respeito ao desmonte do legado político-institucional
da Era Vargas (1930-1990). Sublinha, também, a questão da possibilidade de
adesão ou não do empresariado industrial a um novo projeto de desenvolvimento
nacional, tendo em vista a atuação deste sujeito coletivo ao longo da história
do País.
Palavras-chave: Empresário industrial, Era Vargas,
projeto nacional.
* Mestrado
do PPGCP da UFRJ e professor do Colégio São Paulo, na cidade de Teresópolis-RJ.
joaomrp@ig.com.br