LULA, LULU E LULALÁ: O RITUAL DE POSSE E SUAS CATEGORIAS
SIMBÓLICAS*
Leonardo Petronilha**
“Pois daqui a pouco, um Silva puro sangue, da estirpe
proletária vai subir a rampa de mármore do Palácio e vai levar com ele o pó
do sertão e a poeira da fábrica. E a esperança que se anuncia e a afirmação
do futuro”. [1]
APRESENTAÇÃO
Escolhi como tema deste artigo a cerimônia de posse de Luiz
Inácio Lula da Silva como presidente da República do Brasil, ocorrida em
Brasília em 1o de janeiro de 2003. Optei por investigar este ritual
pelo fato de apresentar-se impregnado de representações de poder, dualidades,
candentes incertezas, expectativas políticas e substantiva significação. Todos
os símbolos, dos mais evidentes aos mais acobertados, são imprescindíveis para a
compreensão do que está sendo objeto de ritualização. Pretendo abordar a
passagem de uma determinada posição a outra, ou seja, do Lula simples
trabalhador — operário metalúrgico, líder sindical, opositor de um sistema de
governo ditatorial e fundador do PT — para o Lula maior autoridade do país
(presidente da República). Como método utilizarei analisar o ritual
seqüencialmente, como se tivesse que montar um quebra-cabeça, focalizando com
atenção cada uma de suas peças, onde todas são importantes para a formação
tanto da figura final quanto do fenômeno ritual. Todos os momentos (antes e
depois) e movimentos revelam-se importantes para uma minuciosa compreensão da
cerimônia.
Como demonstra a literatura antropológica, os rituais
possuem aspectos preponderantes para se compreender a vida social, seus
significados e representações. O nascimento, a morte, a formatura, o noivado, o
casamento e a investidura em um cargo são ocasiões, entre muitas outras,
fortemente ritualizadas pela sociedade.
Roberto Da Matta inicia a Apresentação do livro clássico de
Arnold Van Gennep, Os Ritos de Passagem,
observando:
“E, de fato, nós fazemos ritos quando amamos e
fuzilamos; do mesmo modo que existem ritos marcando a expropriação e mesmo a
opressão e a tortura, como não faltam atos e teatros revolucionários,
messiânicos, libertários, todos anunciado como aríete um novo mundo, uma nova
madrugada livre de maldade e de exploração. O rito, assim também enquadra, — na
sua coerência cênica grandiosa ou medíocre — aquilo que está aquém e além da
repetição das coisas “reais” e “concretas” do mundo rotineiro. Pois o rito
igualmente sugere e insinua a esperança de todos os homens na sua inesgotável
vontade de passar e ficar, de esconder e mostrar, de controlar e libertar,
nesta constante transformação do mundo e de si mesmo que está inscrita no verbo
viver em sociedade”. (Van Gennep, 1978: 11)
LULA E O PT: DUALIDADES
“Todo mundo ouviu e repetiu à exaustão que Brasília,
ontem, viveu um momento histórico. A frase, verdadeira, merece uma complementação:
Brasília ontem viveu vários momentos históricos, visíveis ou ocultos, que
variam da emoção cívica ao mico protocolar”. (Arnaldo Bloch, Jornal O Globo, seção O
País: 16)
Uma especificidade que tipifica e diferencia o ritual de
posse de um presidente da República (brasileiro) de outros rituais que marcam
passagem de uma posição social para outra, é que esse ritual não tem um cerne
propriamente dito, ou seja, um momento central e único onde a posse se
configura. Na realidade, é constituído por um conjunto de pequenos atos
simbólicos. Neste sentido, desde os instantes que precedem “o durante” e ao
longo de toda a realização do rito, o que existe de rotineiro na vida social
vai, paulatinamente, sendo afastado. Esta saída do rotineiro e ingresso na nova
posição (status social) é preenchida pelo simbolismo ritual, que faz a passagem
da primeira a segunda situação. Durante a realização de uma parte da cerimônia
de posse, o ritual de investidura, as promessas de campanha, o sistema de
alianças feitas pelo candidato vitorioso, as lutas políticas que enfrentou e os
obstáculos vindouros não vêm a tona, encobertos pelo simbolismo presente no
espetáculo.
No sentido considerado há inúmeras questões, politicamente
relevantes, que não serão abordadas nos limites deste artigo, por extrapolar
seus propósitos básicos. Mas, entre os propósitos deste exercício de análise de
um rito, é fundamental destacar algumas evidentes dualidades e incertezas
presentes na própria figura encarnada pelo candidato vitorioso e em seu partido
(PT): pobre e rico, capital e trabalho, despreparado e preparado, empregado e
desempregado, novo e velho, presente e futuro, conservação e mudança, esperança
(coragem) e medo.
Lula passou de Caetés a Brasília e de operário a presidente.
Ele foi pobre e rico, desempregado e empregado, despreparado e preparado. Seu
partido sempre se apresentou como representante do trabalho em oposição ao
capital e agora estaria preparado para governar. A vitória nas urnas
significava, portanto, um novo rumo para o país, compromisso com a mudança, a
construção de um futuro menos desigual, onde a esperança venceu o medo.
O novo presidente representava para a maioria do povo
brasileiro um cidadão que passou por situações determinadas que poderiam ser ou
são vivenciadas por esta mesma maioria. Foi engraxate, entregador e torneiro
mecânico formado pelo Senai. Esta peculiar biografia é que legitima e agrega
mais ainda o líder aos anseios populares. No entanto, só resta um ritual e seus
símbolos para selar na história um presidente com a cara do Brasil.
LULA, LULU E O RITO
Reinava uma
dúvida sobre o tempo que faria no dia da posse: sol ou chuva? O calor abrasador
que se abateu sobre Brasília em 1o de janeiro contribuiu para que a
posse fosse uma verdadeira apoteose, reunindo mais de 200 mil pessoas que
coloriram a Esplanada de vermelho e branco:
1.
Ocorreram
shows de músicas regionais na Esplanada (do ministro Gilberto Gil, Zezé Di
Camargo & Luciano, Fernanda Abreu, baterias de Escolas de Samba etc.).
2.
Lula
deixa a Granja do Torto (residência oficial) acompanhado de 20 batedores da
Polícia do Exército e Fuzileiros Navais, se dirigindo a Esplanada dos
Ministérios.
3.
Chega
a Catedral de Brasília e se encontra com o vice-presidente, José Alencar, que o
acompanha até o Congresso Nacional em carro aberto (um Rolls-Royce presenteado
pelo governo britânico em 1953) e escoltado por 110 Dragões da Independência.
4.
São
recebidos na rampa do Congresso por Ramez Tebet, presidente do Senado, e por
Efraim Morais, substituto de Aécio Neves na presidência da Câmara. Em seguida
vão para o plenário da Câmara prestar o compromisso constitucional e ouvir o
Hino Nacional. É lido e assinado o termo de posse e Lula profere seu primeiro
discurso como presidente da República e recebe de presente do senador Ramez
Tebet a caneta que assinou o termo de posse. Depois do presidente do Congresso
discursar e encerrar a sessão, Lula deixa a casa do legislativo recebendo
honras da Guarda Nacional com 21 tiros de canhão ao som do Hino Nacional e
passa em revista as tropas do Exército, Marinha e Aeronáutica, enquanto a
“Esquadrilha da Fumaça” risca o céu de Brasília.
5.
O
trajeto, novamente no Rolls-Royce, seguiu pela garagem do Senado em direção ao
Palácio do Planalto onde subiram a rampa e foram recebidos pelo ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso e pelo ex-vice-presidente Marco Maciel. No parlatório
Fernando Henrique lhe entregou a faixa presidencial (símbolo da passagem do
poder). Em seguida foi executado o Hino Nacional.
6.
Na
seqüência, ocorreram os cumprimentos (ministros que entram, ministros que saem
e lideranças religiosas). Lula acompanha Fernando Henrique até o elevador e se
despede. O novo presidente retorna para a cerimônia de nomeação dos ministros,
sendo então tirada a foto oficial, organizada pelo cerimonial.
7.
Lula
retorna ao parlatório e discursa para o povo.
8.
Lula
embarca, mais uma vez, no Rolls-Royce e passeia entre o povo na Esplanada dos
Ministérios com a primeira dama do país, Marisa Letícia.
9.
Finaliza
cumprimentando as delegações estrangeiras no Palácio da Alvorada.
O ritual de
posse teve a duração de mais de três horas. Farei uma breve análise de todas
estas etapas, chamando a atenção para as categorias simbólicas que lhe dão
significado.
Antecedendo a
posse (desde, aproximadamente, 10:30h da manhã), grande parte do público
acompanhava os shows nos quatro palcos montados na Esplanada dos Ministérios.
Os shows eram desde baterias de Escolas de Samba, passando por Filhos de
Gandhi, apresentação do Boi de Parintins, Bate Lata, música sertaneja, Neguinho
da Beija-Flor, Fernanda Abreu, até músicas indígenas com acompanhamento de
violinos [2] (inclusive participação do compositor que seria mais tarde
empossado ministro, Gilberto Gil), que cantou, em perfeita consonância com a
ocasião:
“Quando eu vim do sertão seu moço / Do meu bodocó /
Meu malote era um saco / E o cadeado era um nó / Só trazia a coragem e a cara
/ Viajando num pau-de-arara / Eu penei, mas aqui cheguei”.
A festa de posse
teve coordenação do publicitário Duda Mendonça, profissional que concebeu o
marketing eleitoral de Lula, que utilizou os shows como agente atrativo para a
massa, além de incorporar a ocasião o clima de festa. Outro elemento que deve
ser avivado é a inversão do cotidiano, ou seja, aquele local que em dias
normais é um local de decisões importantes (influenciando o destino do país) e
que exige seriedade, se transformara em uma festa “carnavalizada” pelas mais
curiosas vestimentas e atitudes por parte do público presente:
“O povo esteve no centro da cena como em nenhuma
outra posse, carnavalizou a solenidade e lavou a alma”. (Tereza Cruvinel, Jornal O
Globo, seção Panorama Político: 2)
Os shows foram
interrompidos quando Lula chegou na Catedral de Brasília, logo depois de deixar
a Granja do Torto, onde várias pessoas aguardavam a sua saída. Um dos símbolos
significativos é o Rolls-Royce que levou o presidente e o vice até o Congresso.
Este veículo já fora utilizado pela rainha Elisabeth (da Inglaterra), pelo
astronauta soviético Yuri Gagarin e pelo ex-presidente da França, Charles
de Gaulle. É um carro que representa o poder e a pompa, destinado apenas aos
indivíduos que ocupam significativa posição na hierarquia social.
Lula seguiu no
carro até o Congresso ovacionado pela
multidão que coloria os arredores. O ato representava a separação e a união do
líder com a massa, como se o povo o carregasse nos braços até a concretização
da posse. Nessa etapa dois imprevistos: a queda de um cavalo dos Dragões da
Independência e um rapaz que conseguiu, driblando a segurança, abraçar calorosamente
o presidente Lula.
Já no Congresso,
entrando no Plenário, Lula também foi muito festejado. Seu abraço, aceno ou
simples olhar era, calorosamente, disputado. Quanto mais perto de Lula, mais
importância e proximidade os parlamentares estariam do poder. O maior
imprevisto da cerimônia coube ao primeiro secretário da Câmara, deputado
Severino Cavalcanti, que depois de ler o termo de posse aproveitou para
comparar a trajetória do novo presidente com a sua:
“Não posso deixar de dizer a Lula que temos a mesma
origem. Há 46 anos fui para São Paulo também num pau-de-arara. Vindo da cidade
de João Alfredo, sou hoje, o primeiro secretário da Câmara dos Deputados. Lula,
filho da cidade de Caetés, hoje assume a Presidência da República. Vejam a
coincidência: dois homens do agreste pernambucano”.
Em rituais,
freqüentemente, existem imprevistos, uns mais acentuados outros tênues. Em
funerais, o morto levanta do caixão quebrando a etapa liminar do ritual (a
passagem do mundo dos vivos para o mundo dos mortos); no casamento, a noiva não
aparece ou nega a aliança com o noivo. Estes exemplos são facilmente
encontrados na ficção ou na vida em sociedade. Na literatura podemos destacar o
personagem do conto de José Cândido de Carvalho, Porque Lulu Bergantim não atravessou o Rubicon. Depois de ser
eleito na cidade de Curralzinho Novo, assim foi o dia da posse de Lulu Bergantim:
“No dia da posse, depois dos dobrados da Banda
Carlos Gomes e dos versos atirados no rosto de Lulu Bergantim pela professora
Andrelina Tupinambá, o novo prefeito de Curralzinho sacou do paletó na vista de
todo mundo, arregaçou as mangas e disse:
− Já falaram, já comeram biscoitinhos de
araruta e licor de jenipapo. Agora é trabalhar!
E sem mais aquela, atravessou a sala da posse,
ganhou a porta e caiu de enxada nos matos que infestavam a Rua do Cais”. (Cândido de Carvalho, 2000:
362-363) [3]
Um dos símbolos
mais importantes do ritual foi a caneta com a qual Lula assinou o termo de
posse. No instante em que Lula assina o histórico livro é onde ocorre
legalmente a posse. A caneta foi emprestada pelo então presidente do Congresso
Nacional, senador Ramez Tebet, que quando Lula estava assinando disse, com
orgulho e espontaneidade, que a caneta
era sua, causando inveja aos demais e revelando o valor que o ritual agrega a
determinados objetos. E depois a presenteou ao presidente Lula, já
empossado, ressaltando o seu valor como símbolo histórico, não esquecendo de
também demonstrar sua felicidade em ter sido com a sua caneta. Com a saída de
Lula em direção ao Palácio do Planalto se encerra essa outra etapa do ritual de
posse.
O trajeto é alterado pela segurança do presidente e segue
pela garagem do Senado. Lá ocorre um episódio curioso para não dizer hilário, o
Rolls-Royce presidencial não tem força para subir a rampa para sair da garagem
(soltando uma fumaça branca de tanta força que fez) e é empurrado no tranco
pelos seguranças da presidência.
Finalmente, Lula chega ao Palácio do Planalto. A rampa
simboliza a ascensão de um indivíduo que sobe em direção ao poder. Só sobe
aquela rampa quem resume o que a sociedade tem de mais soberano, de mais nobre.
No Congresso ele foi recebido antes de subir a rampa de tapete vermelho. O
presidente do Senado e da Câmara subiram junto com o presidente e o vice a
rampa do Congresso. Diferente na segunda subida, na rampa de tapete branco do
Palácio do Planalto, onde o ex-presidente Fernando Henrique e seu vice aguardam
a escalada da rampa pelo líder eleito pelo povo. Essa etapa simbólica
representa não só a investidura de um novo presidente como também é um ritual
de despedida do presidente que deixa o cargo, como podemos observar no título
da coluna de Helio Fernandes:
“No possível raiar da esperança. O anoitecer de FHC,
o amanhecer de Lula”. (Jornal Tribuna da Imprensa, seção Nacional: 3)
Na porta do Palácio (a porta é o local que,
corriqueiramente, se recebe os amigos), Fernando Henrique com a faixa
presidencial recebe com um simpático abraço o novo presidente. E se dirige para
o parlatório (local em que se apresentam autoridades) para ritualizar a
passagem de poder perante o povo através de um símbolo. Lembrando que Lula já
estava presidente, pois tomara posse perante o Congresso, perante os
representantes da população e dos Estados. Mas não, efetivamente, diante do
povo brasileiro. Ou seja, ocorrem dois atos simbólicos de posse: um
“racional-legal” que tem como elemento simbólico de relevância, a caneta; e
outro de cunho teatral, que tem como símbolo de passagem, a faixa presidencial.
Em síntese, o presidente só é realmente presidente se tiver como adereço a
imprescindível faixa presidencial.
Na hora da passagem do poder, de Fernando Henrique para
Lula, aconteceu um desencontro inusitado. FHC tira a faixa e deixa cair seu
óculos, Lula abaixa para pegá-lo, enquanto tenta devolvê-lo FHC tenta passar a
faixa. Em alguns jornais, o episódio se transformou em sensacionalismo:
“A eleição foi uma aula de democracia; a transição,
uma lição de civilidade. Mas Lula e FH enrolaram no momento mais esperado da
posse. Parecia até briga”. (Jornal Extra, seção Posse: 16)
De peito erguido e
com a faixa, Lula vai para dentro do Palácio cumprimentar os ministros que
saem, os que entram e lideranças religiosas. Depois acompanha FHC até o
elevador privativo onde se despedem. Essa despedida deveria ser na porta do
Palácio para que FHC descesse a rampa e se despedisse do povo, mas como salientou
Dora Kramer:
“Ninguém entendeu por que Fernando Henrique não
desceu a rampa do Planalto depois de passar a faixa presidencial ao sucessor,
já que não havia uma razão objetiva para quebrar a tradição.
A versão oficial que corria no Planalto na véspera da
posse era a de que a quantidade de gente perto da rampa impediria o acesso do
carro que levaria FH à Base Aérea.
Na hora da cerimônia, porém, a via em frente ao
Planalto estava totalmente livre. Tre carros chegaram a ficar algum tempo
estacionados ao pé da rampa, mas logo saíram.
Suspeitou-se que a verdadeira razão da saída de
Fernando Henrique pelo elevador privativo foi excesso de zelo de sua
assessoria.
Receio de que algum imprevisto − vaias por
exemplo − pudesse macular o ritual do adeus”. (Jornal do Brasil, seção O
País/Política: A2)
Lula empossou os ministros e posou para a foto oficial do
evento (as fotos são também elementos fundamentais para documentar o fato
historicamente). Retornou ao parlatório, onde discursou para o povo ao lado da
primeira dama. Essa etapa simboliza a devolução do líder ao povo, que se
acentua mais calorosamente no passeio entre a massa (ato que agrega o povo ao
poder).
SEPARAÇÃO, MARGEM E
AGREGAÇÃO
O rito de posse, possuindo vários atos simbólicos, e sendo
investigado seqüencialmente permite detectar categorias dos ritos de passagem:
“Dada a importância dessas passagens, acredito ser
legítimo distinguir uma categoria especial de Ritos de Passagens, que se
decompõem, quando submetidos à análise, em Ritos de separação, Ritos de margem
e Ritos de agregação. Estas três categorias secundárias não são igualmente
desenvolvidas em uma mesma população nem em nenhum mesmo conjunto cerimonial.
Os ritos de separação são mais desenvolvidos nas cerimônias dos funerais, os
ritos de agregação, nas do casamento. Quanto aos ritos de margem, podem
constituir uma secção importante, por exemplo, na gravidez, no noivado, na
iniciação, ou se reduzirem ao mínimo na adoção, no segundo parto, no novo
casamento, na passagem da segunda para a terceira classe de idade, etc. Se, por
conseguinte, o esquema completo dos ritos de passagem admite em teoria ritos
preliminares (separação), liminares (margem) e pós-liminares (agregação), na
prática estamos longe de encontrar a equivalência dos três grupos, quer no que
diz respeito à importância deles quer no grau de elaboração que apresentam”. (Van Gennep, 1978: 31)
Especificamente, na posse de um presidente brasileiro
podemos analisar essas categorias secundárias relativamente. No momento em que
Lula segue para o Congresso desenvolve-se um forte caráter de liminaridade,
Lula está entre o povo e o poder.
A assinatura do termo de posse não separa o povo do poder
(representado por Lula), mas sim personifica no presidente a figura do povo,
seu maior representante (um milagre simbólico típico dos sistemas políticos
onde há legitimidade). A tensão que existe é que o povo se sente no poder, e
contraditoriamente, não se sente no poder. É no parlatório que a passagem do
poder se concebe para o povo e, findando, o poder investido na pessoa de Lula é
agregado ao povo, no passeio final pela Esplanada. Lula, acompanhado de sua
esposa, caracteriza o poder que é legitimado e devolvido ao povo, respeitando a
Constituição da República.
“LULA DO POVO DA SILVA”. (Jornal O Dia, caderno Posse)
Notas:
[1] Fragmento da crônica de
autoria do jornalista Marcelo Canellas, em homenagem ao presidente eleito,
exibida no início da transmissão da posse pela TV Globo.
[2] Nota-se a pluralidade de
estilos musicais, abraçando diversos gostos e representações culturais.
[3] O que não sabiam os
moradores de Curralzinho Novo é que o prefeito bastante “executivo” e popular “era fugido do Hospício Santa Isabel de
Inhangapi de Lavras” (Cândido de Carvalho, 2000: 363).
Referências Bibliográficas:
- CÂNDIDO DE CARVALHO, José.
Por que Lulu Bergantim não atravessou o Rubicon in Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século. Rio de Janeiro:
Editora Objetiva, 2000.
- Jornal do Brasil, Edição
do dia 2 de janeiro de 2003.
- Jornal Extra, Edição do
dia 2 de janeiro de 2003.
- Jornal O Globo, Edição do
dia 2 de janeiro de 2003.
- Jornal O Dia, Edição do
dia 2 de janeiro de 2003.
- Jornal Tribuna da
Imprensa, Edição do dia 2 de janeiro de 2003.
- RODRIGUES, José Carlos. O
Rei e o Rito in Comum. Volume 1, Número
1. Rio de Janeiro: 1978.
- VAN GENNEP, Arnold. Os Ritos de Passagem. Petrópolis: Editora Vozes,
1978.
Resumo:
Este artigo visa
sistematizar uma análise da cerimônia de posse do novo presidente da Repúlica,
Luiz Inácio Lula da Silva (em 1º de janeiro de 2003), como um rito de passagem.
Palavras-chave: rito de
passagem, separação, margem, agregação, Rolls-Royce, caneta, rampa, faixa
presidencial, Lula.
* Este artigo é dedicado ao
professor, mestre e amigo, Aluizio Alves Filho, que vem me ensinando os
caminhos da vida acadêmica. Agradeço também ao professor Marco Antonio da Silva
Mello pelas enriquecedoras observações feitas ao texto.
** O autor é bacharel
em Ciências Sociais (IFCS/UFRJ), mestrando em Ciência Política
(UFF) e editor da Revista de Ciência Política achegas.net.