MARAJÁS E CARAS-PINTADAS: A MEMÓRIA DO GOVERNO COLLOR NAS PÁGINAS DE O GLOBO

 

Luiz Felipe O. Franceschini*

 

1 – Introdução

 

         De novembro de 1989 a outubro de 1992, o país atravessou um período de intensa mobilização política. Na primeira eleição direta para presidente da República desde a instauração, 25 anos antes, de um regime militar no Brasil, a campanha de 89 iria refletir a expectativa do eleitorado, das lideranças políticas e da imprensa em torno da escolha de um governo que, enfim legitimado pelas urnas, seria capaz de promover as mudanças que a sociedade aguardava.

         Retomando o clima de mobilização alcançado em campanhas notabilizadas pelo desgaste que promoveram ao regime, como a Diretas Já, os militantes dos partidos políticos, movimentos sociais, entidades civis e grupos religiosos engajaram-se em torno das diferentes candidaturas e ocuparam as ruas com panfletagem, passeatas e comícios. A imprensa cobriu essa mobilização, assim como o dia-a-dia dos candidatos, suas opiniões, atividades, a movimentação dos partidos e os debates regidos pela justiça eleitoral.

         Um dos candidatos ocupou o espaço proporcionado pela mídia com um discurso verbal e gestual que viria a se mostrar vitorioso na conquista do eleitorado. Fernando Affonso Collor de Mello, eleito três anos antes governador de Alagoas, vinha sendo – desde a sua posse no Palácio dos Martírios, em 15 de março de 1987 – apresentado nacionalmente pela mídia como “Caçador de Marajás”, apelido que recebera da imprensa por ter adotado medidas contrárias aos interesses de funcionários alagoanos de altos salários.

Mesmo sem contar com máquina partidária significativa e militância nos estados – pois sua candidatura estava abrigada na legenda do Partido da Renovação Nacional (PRN), de escassa representação no Congresso – Collor fez sucesso na mídia, bateu seus concorrentes nos dois turnos e se tornou o primeiro presidente eleito diretamente no Brasil, depois de Jânio Quadros.

         Mas a mobilização das forças políticas não parou com a contagem dos votos. Nos quase três anos decorridos entre a campanha e o impeachment de Collor, o país acompanhou pela mídia o confronto entre os discursos pró e contra o projeto neoliberal do presidente, caracterizado não só por medidas econômicas – como a liberalização do fluxo de capitais, desestatização e abertura para importações - como também por um código composto de gestos, roupas e comportamentos por intermédio dos quais Collor expressava sua visão de modernidade.

         Pelo noticiário, o brasileiro passou a reconhecer novas identidades, assistiu à criação de grupos e coletividades que – seja no plano factual ou no plano imaginário – tomavam parte nesse embate de discursos e ideologias. “Marajás” e “descamisados”, “colloridos” e “caras-pintadas” povoaram o noticiário e os debates políticos. Marajá passou a significar na mídia o funcionário público privilegiado, combatido por Collor, enquanto descamisados eram os que formavam a massa de excluídos a quem ele prometia o ingresso no chamado Primeiro Mundo. O adjetivo collorido passou a ser usado na imprensa com nova grafia (o duplo ll, em analogia ao sobrenome do presidente) para identificar os que defendiam a subida e depois a permanência de Collor no poder. E cara-pintada passou a designar uma categoria específica dentre aqueles que pediam o impeachment, com faixa etária, estética e comportamento diferenciados dos demais participantes de protestos nas ruas.

         A mobilização das forças políticas contra e a favor de Collor de Mello, as manifestações populares, assim como os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e o julgamento político que levaram ao seu afastamento, ocupam um lugar na memória do brasileiro que hoje é adulto.

A memória que compartilhamos desses fatos vem em grande parte dos relatos ou versões que acompanhamos na época pelos jornais, rádios e TVs. Para a maioria das pessoas, o noticiário da época é uma das principais bases de constituição dessa memória. Pela cobertura da imprensa, construímos representações de marajás e descamisados, colloridos e caras-pintadas. Foi nos jornais, rádios e TVs que aprendemos a identificar os grupos por esses nomes.

         Nas sociedades contemporâneas, a mídia vem sendo apontada como um dos principais lugares de memória. O papel que antes cabia à história vem em parte sendo exercido, no tecido das sociedades industriais, pelos meios de comunicação social, que hoje em dia formam um espaço dos mais importantes para o trabalho das representações sociais. Nos séculos XX e XXI, a mídia vem ocupando uma posição institucional que confere aos órgãos de imprensa o direito de produzir enunciados sobre a realidade social que acabam sendo aceitos pelo consenso.

         O noticiário de O Globo é, portanto, um importante registro de memória daquele período. Mas esse registro não poderia ser encarado como um relato isento dos fatos, despido de ideologia ou julgamentos de valor. Cada edição de um grande jornal diário é um recorte pródigo de tensões e lutas que se desenvolvem no tecido social, tensões essas que podem estar representadas tanto no conteúdo explícito das notícias como nas suas entrelinhas. Uma análise desse noticiário pode revelar, entre outras coisas, a lógica da instituição que o produziu.

 

2 - O caminho inverso da construção da notícia

 

         Independente do mito da objetividade – que fundamenta o jornalismo contemporâneo e serve de base para a criação de regras e manuais de redação que teoricamente garantiriam a isenção e a imparcialidade do texto jornalístico – uma notícia não pode ser considerada como um documento inócuo. O processo no qual ela é produzida é permeado pela busca da hegemonia por diferentes grupos sociais que influenciam, de forma consciente ou não, a mediação exercida pelo veículo de imprensa na seleção e hierarquização das informações, na escolha das fontes, no vocabulário utilizado e em outras decisões consideradas eminentemente técnicas pelos profissionais que fazem a notícia.

As notícias de O Globo foram tratadas como registros da construção, pela grande imprensa, de representações sobre grupos cuja existência está relacionada ao discurso, governo e impeachment de Collor de Mello. O método adotado para a análise dos textos foi o que pareceu mais óbvio a um jornalista: seguir o caminho inverso da sua construção, ou seja, confrontar as matérias selecionadas com as técnicas pelas quais foram produzidas. Sendo a notícia um produto industrial – apurada, redigida e editada em um prazo de poucas horas, a cada dia – seu texto não reflete o gosto pessoal do redator, estilo próprio ou inspiração artística. Pelo contrário: as difíceis condições em que a notícia é produzida são superadas por um conjunto de técnicas que permite ao profissional, mesmo em circunstâncias difíceis, ter ao final do prazo um texto pronto, acabado.

Desta forma, qualquer jornalista sabe como irá começar a notícia de um fato, mesmo que este ainda não tenha acontecido: pelo seu aspecto de maior importância ou capaz de gerar mais interesse. Assim como há uma base técnica para orientar a escolha de qual será o conteúdo da primeira frase, outras técnicas orientam as diferentes escolhas que terão de ser feitas ao longo de todo o processo. Seguindo o caminho inverso da construção, essas escolhas podem ser vistas com alguma nitidez mesmo por quem não as presenciou. Ao analisarmos os textos das notícias de acordo com as normas de redação do próprio Globo[i], tornaram-se mais visíveis os critérios que pautaram o veículo  na apuração, redação e edição dos textos.

Como recorte, foram selecionadas notícias e reportagens de O Globo a respeito de dois grupos identitários cuja existência deve-se ao discurso e governo de Collor: os marajás e os caras-pintadas. Esses dois modelos ocuparam de tal forma o imaginário popular que acabaram por se configurar como representações sociais, cuja permanência pode ser sentida nos dias de hoje – tanto nas conversas travadas no dia a dia como nas primeiras páginas de grandes jornais, que, passados quase 11 anos do impeachment, as atualizam constantemente, como ocorreu nos recentes debates sobre a Reforma Previdenciária promovida pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva ou em notícias referentes a servidores dos estados.[ii]

As duas representações sociais tiveram função diversa em relação a Collor. A dos marajás foi criada no momento da sua ascensão, enquanto a dos caras-pintadas marcou a sua queda. Os marajás foram popularizados por força do discurso de Collor, pelo seu empenho – em concurso com o das empresas de mídia. Já os caras-pintadas tomaram as ruas e as primeiras páginas à sua revelia, contra os seus interesses.

 

3 - Marajás e caras-pintadas: ascensão e queda de Collor

 

Os fatos políticos não existem por si mesmos, independentes do ambiente social, econômico e histórico que os cercam. Para compreender o papel exercido pelo noticiário de O Globo na construção da memória social referente ao período Collor, foi preciso contextualizar o momento e as condições em que ele surgiu, assim como os interesses vinculados à sua ascensão e queda.

O principal trunfo que levou Collor à Presidência da República aos 41 anos de idade foi o vazio político e a falência das instituições partidárias ao final da chamada Nova República. Sua popularidade cresceu imersa em um caldo de cultura formado pela desilusão popular com a classe política. As condições eram ideais para o surgimento de um nome novo, um personagem que representasse o moderno e pudesse ser mostrado ao eleitorado como uma opção inteiramente diferente daquelas que haviam sido cogitadas até então.

Para ocupar esse espaço aberto à sua medida, Collor precisava da mídia. E a grande imprensa, por seu lado, precisava de Collor. Não dele, especificamente, mas de um personagem capaz de empolgar o eleitorado em torno de uma agenda de reformas inspirada pela onda neoliberal que se espalhava pelos continentes. Da agenda faziam parte a redução do papel do estado na economia, a liberalização do fluxo de capitais, a abertura para as importações, a flexibilização das leis trabalhistas. Com esse ideário estavam sintonizadas as grandes empresas de mídia, entre elas as Organizações Globo.

A análise do conteúdo e forma das matérias de O Globo sobre os marajás permitiu visualizar a pressão exercida pelos interesses neoliberais no sentido de que fossem produzidas notícias e reportagens que caracterizassem o serviço público como oneroso, inoperante e injusto. Essa era a conceituação que precisava ser popularizada, tornada assimilável pelo eleitorado e ainda capaz de motivar, pela indignação, reformas legais, econômicas e sociais no sentido do Estado mínimo e da privatização.

Os marajás de Collor eram o melhor caminho para alcançar esses objetivos. No entanto, os dois projetos – o de Collor e o da grande imprensa – não se confundiram de imediato. Em um primeiro momento, o personagem foi acolhido por O Globo e outros veículos de abrangência nacional como um eficiente garoto-propaganda daquele ideário. Mas isso não significava, em 1987, uma adesão incondicional da grande imprensa ao projeto pessoal do político alagoano, de chegar ao Planalto.

Para ocupar o papel de candidato de O Globo ao estrelato da caça aos marajás, Collor ainda enfrentou concorrentes. No entanto, sua trajetória – ou melhor, a inexistência de uma trajetória significativa, conhecida do eleitorado – permitiu que ele se moldasse às demandas da imprensa e pautasse suas ações, gestos e discursos de acordo com o personagem que as empresas de mídia queriam popularizar. Provocando fatos que ganhariam destaque no noticiário do combate aos marajás, Collor ocupou a mídia e conquistou nas pesquisas de opinião os índices que fizeram dele o único candidato capaz de reverter a tendência de vitória da esquerda nas eleições diretas de 1989.

 

4 - Quanto ganha um marajá?

 

Para construir a representação social de marajá, O Globo precisou mais do que abrir seu espaço para notícias sobre essa temática. A análise dos textos mostra o esforço desenvolvido pelo veículo em dar às informações a conotação pretendida. Para tanto, dados e palavras foram selecionados e organizados de forma a apresentar o marajá como um problema de âmbito nacional, responsável pela paralisia dos governos estaduais e municipais – mesmo que apenas dois estados, Alagoas e Paraná, tenham dado sinais de estarem sendo afetados por esse problema.

No esforço de representar o marajá, foi preciso evitar que as pessoas identificadas como tal pudessem apresentar ao leitor a sua versão. Nas poucas oportunidades em que permitiu aos acusados o direito de se manifestar, O Globo selecionou e redigiu de tal forma as informações que elas acabavam por corroborar as denúncias das quais os servidores estariam se defendendo. Recursos como este não foram usados apenas com os supostos marajás. Os governadores que não aderiram à caça também eram apresentados nas matérias de O Globo de tal maneira que suas intervenções não faziam efeito.

         A ansiedade          em divulgar as denúncias sobre anomalias nas folhas de pagamento provocou desencontros e contradições nas informações publicadas. Fixado inicialmente em Cz$ 400 mil, o salário de marajá chegou um mês e quinze dias depois a Cz$ 34. Um mesmo marajá ganhava C$ 187 mil em uma matéria e, menos de um mês depois, seu salário já era de Cz$ 315 mil. Se em 10 de março de 1987 o número de marajás alagoanos chegava a 20 mil, onze dias depois recuava a 250.

         O material fotográfico, por outro lado, não oferecia tal elasticidade. Se nos textos, pela seleção de dados e vocabulário, era possível associar os marajás ao parasitismo, incesto, pedofilia e até assassinato, as fotografias não davam aos supostos marajás a conotação desejada. Nas fotos, os marajás não “marajaseavam”, ou seja, não adotavam nenhuma atitude condenável nem se pareciam com a imagem que deles se queria formar. Para superar essa impossibilidade, O Globo ilustrou matérias com desenhos a bico de pena nos quais os marajás produziam ações condizentes com a representação: obesos, refastelavam-se em almofadas em meio a festins e prostitutas, bebida e jogatina.

         Utilizando esse e outros recursos, O Globo participou ativamente da construção da representação de marajá, em processo compatível com o de objetivação tal como define a teoria de Serge Moscovici[iii]. Partindo de uma formulação abstrata, buscou na vida cotidiana exemplos que traduzissem de forma mais objetiva aquela idéia, ao ponto de ser assimilada pelo grande público.

 

5 - Denúncias do “primeiro-irmão”: o irreversível começo do fim

 

         Processo diferente se deu com a representação de caras-pintadas. Ao invés de partir de uma idéia abstrata em busca de situações familiares que a traduzissem de forma mais objetiva, a representação de caras-pintadas partiu de uma realidade que emergia da cotidianidade nas ruas e precisava ser explicada, em processo compatível com o de ancoragem, segundo a mesma linha teórica.

         Diante do desgaste do governo Collor e sua iminente queda, a grande imprensa e, em especial, as Organizações Globo  tiveram que rever suas posições de apoio ao presidente. Até o início de 1992, as denúncias de corrupção e as críticas à política econômica eram ofuscadas nos noticiários por aparições pirotécnicas do presidente-aviador, presidente-carateca ou presidente-motoqueiro. Com o agravamento das denúncias, principalmente depois que estas foram confirmadas e aprofundadas pelo irmão, Pedro Collor, os grandes veículos nacionais adotaram posturas cada vez mais críticas.

Se as primeiras manifestações de rua puderam ser ignoradas ou minimizadas, o mesmo não poderia ser feito com protestos quase diários que reuniam dezenas de milhares de pessoas e paralisavam as capitais. A apuração das denúncias de corrupção por uma Comissão Parlamentar de Inquérito, processo este que se tornou irreversível depois que as acusações partiram do próprio irmão do presidente,  transformou-se em um fenômeno midiático cujo valor simbólico sobrepujava as espetaculares aparições dominicais do acusado.

Diante da pungente realidade das ruas (não programada e indesejável pela mídia), aliada à incapacidade do presidente e seus auxiliares de responder às denúncias, O Globo e outros veículos tiveram que explicar essa realidade, dar aos protestos e ao movimento para tirar Collor do Planalto um sentido que não atentasse contra os interesses com os quais a grande imprensa estava vinculada.

Para a burguesia e o grande capital, era preferível explicar a queda de Collor como uma exigência de pacíficos e bem-humorados estudantes, movidos pela ética e pelo patriotismo, do que partilhar essa capacidade de mobilização entre trabalhadores, sindicalistas e partidos de esquerda, cujas reivindicações iriam muito além do fim da roubalheira e a punição dos culpados. Para explicar a crise e dar a ela um sentido aceitável, na sua ótica, O Globo selecionou a parte e apresentou-a como o todo, fixou a cobertura das manifestações nos estudantes e traçou para eles um perfil bem mais inofensivo, para os interesses do capital, do que o de militantes da CUT ou da CGT.

Para dar à representação de caras-pintadas a conotação desejada, o veículo minimizou, pela ordem de importância, as informações sobre a participação dos trabalhadores, sindicatos e centrais sindicais naqueles protestos, quando não as omitiu. Entre a manifestação de 60 mil metalúrgicos no ABC e a passeata de 30 mil estudantes no Rio, o veículo escolheu a segunda para destacar na primeira página – mesmo que o protesto dos trabalhadores tenha reunido o dobro de participantes e acarretado, de quebra, na paralisação de dez das maiores indústrias do país. No dia em que um milhão de pessoas foram às ruas de São Paulo, os estudantes somavam no máximo 20% desse total, mas foram qualificados no texto como maioria.

Na seleção de entrevistados que compusessem o perfil desejado para os caras-pintadas, O Globo privilegiou os estudantes de classes favorecidas ou mesmo da classe média, desde que afinados com os valores burgueses. Nos textos, eram definidos como “jovens, ricos e militantes” ou como integrantes da “juventude dourada”. Palavras de ordem contra os cartéis internacionais foram classificadas como “ultrapassadas”, enquanto que as lideranças que as evitavam eram apresentadas como “modernas e carismáticas”.

Especificamente para as empresas das Organizações Globo, era preciso também absorver, mesmo que implicitamente, o fracasso do projeto político no qual apostaram. Nesse sentido, O Globo insistiu em vincular as manifestações caras-pintadas à exibição da minissérie Anos Rebeldes, pela TV Globo, como se dessa maneira o grupo pudesse assumir uma espécie de paternidade do movimento, ao invés de figurar como derrotado ao lado de Collor. Esse foi um dos esforços mais visíveis na cobertura dos protestos, até que o próprio jornal admitiu, em uma das matérias, que os estudantes rejeitavam essa associação.

Também ficou visível o empenho em caracterizar Leonel Brizola e o PDT como apoiadores do presidente que estava sendo derrubado. Para este fim, o jornal não hesitou em iniciar a notícia de uma manifestação com a lista das personalidades que não estavam lá, ou seja, Brizola e os pedetistas. Em outras, abriu espaço privilegiado – às vezes metade do texto – para críticas a Brizola ou paródias sobre sua ausência. Dessa forma, o noticiário afastava do veículo a acusação latente de ter apoiado Collor até o princípio do fim. Quem deu apoio a Collor e continuava a dar – dizia o noticiário – eram Brizola e seu partido.

Desta forma, as notícias e reportagens produzidas por O Globo nos meses de intensa mobilização pelo impeachment de Collor construíram a representação social de caras-pintadas e pressionaram tanto a memória coletiva como a história no sentido de creditar essa mobilização aos estudantes e não àqueles que seriam os “caras-barbudas” da CUT e dos partidos de esquerda.

O objetivo da análise não foi o de apontar O Globo como um jornal diferente dos demais da grande imprensa. Essa pretensão seria um atestado de ingenuidade para um profissional de redação. Os recursos adotados por O Globo para dar aos eventos da Era Collor a conotação pretendida são os mesmos usados por outros veículos, em determinadas circunstâncias. O desafio era encontrar nos próprios textos os indícios da rede de interesses que permeiam a produção do noticiário, dia a dia.

Independente do mito de objetividade que reveste o jornalismo dos séculos XX e XXI, o noticiário divulgado pelos veículos da grande imprensa reflete interesses de grupos sociais que lutam entre si pela hegemonia. Apesar das técnicas e manuais de redação que garantiriam ao discurso jornalístico a imparcialidade e a isenção, o noticiário apresentado pela mídia é um registro não só os fatos aos quais ele se reporta, mas também da mediação exercida pelos profissionais e empresas de comunicação e todo o processo de seleção, hierarquização e redação da notícia.



[i] GARCIA, Luiz. O Globo - Manual de Redação e Estilo. 25 ed. rev. ampl. São Paulo: Editora Globo, 1998. 246 p.

[ii] “Alerj desafia STF e não paga marajás” – O Globo, 26 de junho de 2003, 1ª página.

[iii] MOSCOVICI, Serge. On social repesentations. In:. FORDAS, J.P. (Eds) Social cognitions: perspectives on everyday ubderstanding. London: Academic Press, 1981, p.181. Apud OLIVEIRA, F. WERBA, G. Representações Sociais. In: Psicologia Social Contemporânea.  Petrópolis (RJ): Vozes, 1998, p. 106.

 

Palavras-chave: Collor, memória, marajás, caras-pintadas.

 

* Luiz Felipe O. Franceschini é mestre em Memória Social e Documento pela Unirio e bacharel em Comunicação Social pela UFRJ. Como jornalista, trabalhou no Jornal dos Sports, Jornal do Brasil, Rádio JB e Agência JB. Atualmente é professor de Jornalismo da Faculdade Hélio Alonso e colaborador da Agência Estado.

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