A
DECLARAÇÃO DAS RAÇAS DA UNESCO (18 DE JULHO DE 1950)
1 – Os cientistas estão de acordo, de
um modo geral, em reconhecer que a humanidade é uma e que todos os homens
pertencem à mesma espécie, Homo sapiens. Além disso, admite-se comumente
que todos os homens se originaram, segundo todas as probabilidades, do mesmo
tronco: as diferenças existentes entre os diversos grupos humanos são devidas
ao jogo de fatores evolutivos de diferenciação, tais como a modificação na
situação respectiva das partículas que determinam a hereditariedade (gens), a
mudança da estrutura dessas mesmas partículas, a hibridação e a seleção
natural. Foi assim que se constituíram grupos mais ou menos estáveis e mais ou
menos diferenciados, que têm sido classificados de diversas maneiras, com
intenções diferentes.
2 – Do ponto de vista biológico, a
espécie Homo sapiens compõe-se de um certo número de grupos que diferem
uns dos outros pela freqüência de um ou de vários gens particulares. Mas esses
mesmos gens aos quais devem imputar-se as diferenças hereditárias existentes
entre os homens são sempre em pequeno número considerando o conjunto da
constituição genética do homem e a grande quantidade de gens comuns a todos os
seres humanos, qualquer que seja o grupo a que pertencem. Resumindo, as
semelhanças entre os homens são muito maiores do que as diferenças.
3 – Uma raça, biologicamente falando,
pode, pois, definir-se como um grupo entre os que constituem a espécie Homo
sapiens. Esses grupos são suscetíveis de cruzamentos. Porém, devido às
barreiras que os mantiveram mais ou menos isolados no passado, apresentam eles
certas diferenças físicas, fruto de particularidades de sua história biológica,
Representam variações sobre o mesmo tema.
4 – Em resumo, a palavra “raça” designa
um grupo ou uma população caracterizada por certas concentrações, relativas
quanto à freqüência e à distribuição, de gens ou de caracteres físicos que, no
decorrer dos tempos, aparecem, variam e muitas vezes até desaparecem sob a
influência de fatores de isolamento geográficos ou culturais. Cada grupo
reflete de modo diferente as manifestações variáveis desses caracteres em
populações diferentes. Sendo as nossas observações largamente afetadas pelos
nossos preconceitos, somos levados a interpretar arbitrária e inexatamente toda
variabilidade que se produz num grupo dado como uma diferença fundamental que o
separa dos outros de modo decisivo.
5 – São esses os fatos científicos.
Infelizmente, na maioria dos casos, o termo “raça” não se emprega no sentido
aqui definido. Muita gente chama “raça” todo grupo humano arbitrariamente
designado como tal. É assim que muitas coletividades nacionais, religiosas,
geográficas ou culturais, devido á acepção muito elástica dada à palavra, foram
qualificadas como “raças”, quando é evidente que os norte-americanos não
constituem uma raça, como também não a constituem os ingleses, os franceses ou
qualquer outra nação da mesma maneira, nem os católicos, nem os protestantes,
nem os muçulmanos, nem os judeus representam raças; não se podem definir como
grupos “raciais” os povos que falam inglês ou qualquer outra língua; os
habitantes da Islândia, da Inglaterra ou da Índia não formam uma raça; e não se
poderia admitir como membro de uma raça particular os indivíduos que participam
da cultura turca, chinesa ou qualquer outra.
6 – Os grupos nacionais, religiosos,
geográficos, lingüísticos ou culturais não coincidem necessariamente com os
grupos raciais, e os aspectos culturais desses grupos não têm nenhuma relação
genética demonstrável com os caracteres próprios à raça. Os graves erros
ocasionados pelo emprego da palavra “raça” na linguagem corrente tornam
desejável que se renuncie completamente a esse termo quando se tratar da
espécie humana e que se adote a expressão de “grupo étnico”.
7 – Qual é a opinião dos sábios a
respeito dos grandes grupos da espécie humana que se reconhecem na atualidade?
As raças humanas foram classificadas – e ainda o são – diferentemente conforme
os antropólogos, mas, no momento, a maioria dentre eles está de acordo em
dividir a maior parte da espécie humana em três grandes grupos, a saber:
O grupo mongolóide;
O grupo negróide;
O grupo caucasóide.
Ora, os fenômenos biológicos que foram
de certo modo cristalizados nessa classificação têm um caráter dinâmico e não
estático. Esses grupos nem sempre foram o que hoje são e é de supor que serão
diferentes no futuro.
8 – Têm-se feito esforços para
introduzir subgrupos nessa classificação. O acordo está longe de reinar quanto
ao número das subdivisões e, de qualquer maneira, a maioria dentre elas ainda
não foi estudada nem descrita.
9 – Qualquer que seja a classificação
proposta por um antropólogo, os caracteres mentais nunca são mencionados. Hoje
em dia admite-se geralmente que os testes psicológicos não permitem, por si mesmos
separar de um lado as aptidões inatas e do outro as influências do meio e da
educação. Sempre que foi possível eliminar as diferenças devidas às condições
do ambiente físico e social, os testes demonstraram a semelhança fundamental
dos caracteres intelectuais entre os diferentes grupos humanos. Em outros
termos, se o meio cultural oferece aos membros dos diferentes grupos étnicos
oportunidades iguais de fazer valer suas aptidões atingem eles, em média,
resultados comparáveis. As pesquisas científicas dos últimos anos confirmam,
pois as palavras de Confúcio (551-478 antes de Cristo): “A natureza dos homens
é idêntica: são os costumes que os separam”.
10 – Os dados científicos de que
dispomos no momento presente não corroboram a teoria segundo a qual as
diferenças genéticas hereditárias constituiriam um fator de importância
primordial entre as causas das diferenças entre as culturas e as obras da
civilização dos diversos povos ou grupos étnicos. Ao contrário, ensinam eles
que tais diferenças se explicam antes de tudo pela história cultural de cada
grupo. Os fatores que desempenharam um papel preponderante na evolução
intelectual do homem são a sua faculdade de aprender e a sua plasticidade. Essa
dupla aptidão é o apanágio de todos os seres humanos. Constitui, de fato, um
dos caracteres específicos do Homo sapiens.
11 – Jamais foi possível
demonstrar de modo decisivo a existência de diferenças inatas de temperamento
entre grupos humanos. Por outro lado, é certo que, seja qual for a natureza das
diferenças inatas que possa haver entre os grupos, elas são em grande parte
apagadas pelas diferenças individuais e pelas que derivam do meio.
12 – Nem a personalidade nem o caráter
dependem a raça. Em todos os grupos humanos encontram-se tipos muito variados
de personalidade e de caráter, e não há razão para crer que certos grupos sejam
mais favorecidos que outros nesse setor.
13 – Todos os fatos que se puderam até
hoje colher sobre os cruzamentos de raças atestam que nunca deixaram de se
processar desde os tempos mais remotos. Na verdade, um dos principais
mecanismos da formação, da extinção ou da fusão das raças é precisamente a
hibridação entre “raças” ou grupos étnicos. Mais ainda, nunca foi possível
estabelecer que os cruzamentos de raças tenham efeitos biológicos nefastos. A
teoria segundo a qual caracteres físicos e mentais desfavoráveis (desarmonia
física e degenerescência mental) se manifestariam nos mestiços nunca foi
provada pelos fatos. Não existe, portanto, justificação biológica para proibir
o casamento entre indivíduos pertencentes a grupos raciais diferentes.
14 – Convém distinguir entre a “raça”,
fato biológico, e o “mito da raça”. Na realidade, a “raça” é menos um fenômeno
biológico do que um mito social. Esse mito tem feito um mal enorme no plano social
e moral; ainda há pouco, custou inúmeras vidas e causou sofrimentos
incalculáveis. Tem impedido o desenvolvimento normal de milhões de seres
humanos e privado a civilização da colaboração efetiva de espíritos criadores.
Ninguém deveria prevalecer-se de diferenças biológicas entre grupos étnicos
para praticar o ostracismo ou tomar medidas coletivas. O essencial é a unidade
da humanidade, tanto do ponto de vista biológico como do ponto de vista social.
Reconhecer esse fato e pautar a sua conduta por ele, tal é o dever primeiro do
homem moderno. Aliás, não se trata senão de admitir o que um célebre biologista
escrevia em 1875: “Na medida em que a civilização humana se desenvolver e que
as pequenas tribos se reunirem em coletividades mais vastas, o simples bom
senso fará compreender a cada indivíduo que os seus instintos sociais e a sua
boa vontade devem estender-se a todos os membros da nação, mesmo que estes lhe
sejam pessoalmente desconhecidos. Uma vez transposta essa etapa, somente
obstáculos artificiais impedirão o indivíduo de dispensar a sua boa vontade aos
homens de todas as nações e de todas as raças”. Assim se exprimiu Charles
Darwin, em sua obra “A Origem do Homem” (2ª edição, 1875, pp. 187-188). De
fato, toda a história da humanidade prova não somente que o instinto de
cooperação é uma tendência natural do homem, mas que têm raízes mais profundas
que qualquer tendência egocêntrica. Aliás, se assim não fosse, poderiam séculos
e milênios ser testemunhas desse desenvolvimento das comunidades humanas no
sentidos de uma integração e de uma organização cada vez maior?
15 – Examinemos agora as incidências de
todas essas considerações sobre o problema da igualdade entre os homens. É
preciso afirmar em primeiro lugar e da maneira mais categórica, que a igualdade
como princípio moral não repousa de forma alguma sobre a tese de que todos os
seres humanos são igualmente dotados. É, com efeito, evidente que no seio de
qualquer grupo étnico os indivíduos diferem consideravelmente entre si quanto
às aptidões. Entretanto exageraram-se os caracteres diferenciais entre grupos
humanos e utilizaram-se essas diferenças para contestar o valor do princípio
ético da igualdade. É por essa razão que consideramos útil expor de modo formal
o que foi cientificamente estabelecido sobre a questão das diferenças entre
indivíduos e entre grupos:
I. Os antropológicos não podem basear
uma classificação racial sobre caracteres puramente físicos e fisiológicos.
II. No estado atual de nossos
conhecimentos o fundamento da tese segundo a qual os grupos humanos diferem uns
dos outros por traços psicologicamente inatos, quer se trate da inteligência
quer do temperamento, ainda não foi provado. As pesquisas científicas revelam
que o nível das aptidões mentais é aproximadamente o mesmo em todos os grupos
étnicos.
III. Os estudos históricos e
sociológicos corroboram a opinião segundo a qual as diferenças genéticas não
têm importância na determinação das diferenças culturais e sociais existentes
entre grupos diferentes de Homo sapiens; e as transformações sociais e
culturais no seio dos diferentes grupos foram, no seu conjunto, independentes
das modificações da sua constituição hereditária. Viram-se transformações
sociais consideráveis que não coincidem absolutamente com as alterações do tipo
racial.
IV. Nada prova que a mestiçagem
produza, por si mesma, maus resultados no plano biológico. No plano social, os
resultados, bons ou maus, a que chega, são devidos a fatores de ordem social.
V. Todo indivíduo normal é capaz de
participar da vida em comum, de compreender a natureza dos deveres recíprocos e
de respeitar as obrigações e os compromissos mútuos. As diferenças biológicas
existentes entre os membros dos diversos grupos étnicos não afetam em nada a
organização política ou social, a vida moral ou as relações sociais.
Finalmente, as pesquisas biológicas vêm sustentar a ética da fraternidade universal; pois o homem é, por tendência inata, levado à cooperação e, se esse instinto não encontra maneira de se satisfazer, indivíduos e nações sofrem igualmente com isso. O homem é, por natureza, um ser social, que não chega ao desenvolvimento pleno de sua personalidade senão por meio de trocas com os seus semelhantes. Toda recusa de reconhecer esse liame entre os homens é causa de desintegração. É nesse sentido que todo homem é o guarda de seu irmão. Cada ser humano não é mais do que uma parcela da humanidade à qual está indissoluvelmente ligado.