SOB O SIGNO DA BUCHADA DE BODE
Marcelo Cavalcante *
“Os conceitos que
compreendem os fatos, e desse modo transcendem estes, estão perdendo sua
representação lingüística autêntica. Sem tais mediações, a linguagem tende a
expressar e a promover a identificação imediata da razão e do fato, da verdade
e da verdade estabelecida, da essência e da existência, da coisa e de sua
função”. (Marcuse, Herbert, 1967: 93).
1 – Fato, Mercadoria e
Pensamento Mágico.
A
propósito da mercadoria, Marx observa que ela pode ser abstrata, conforme a
necessidade que atende, pois antes de tudo a mercadoria é:
“Um objeto externo, uma coisa, a qual pelas
suas propriedades satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie. A natureza
destas necessidades, se elas se originam do estômago ou da fantasia, não altera
nada na coisa”. (MARX, 1983: 45).
No
livro As regras do método sociológico,
seu autor define os “fatos sociais” como sendo externos ao indivíduo e “também dotados de um poder imperativo e
coercitivo, em virtude do qual se lhe impõem, quer queira, quer não”.
(DURKHEIM, 1982: 2).
Caracterizando
o fato social ele também observa que:
“Podemos defini-lo também pela difusão que
apresenta no interior do grupo, desde que, de acordo com as precedentes
observações, se tenha o cuidado de acrescentar como característica segunda e
essencial, que ele existe independentemente das formas individuais que toma ao
se difundir”.(DURKHEIM, 1982: 8).
A
distância que nos separa das noções preconizadas por Durkheim, inclui,
necessariamente, todo o advento do processo científico-tecnológico moderno e
seus desdobramentos. A difusão dos fatos sociais, na atualidade, ganhou
proporções inimagináveis - tanto horizontal quanto verticalmente - pois
transformados em mercadorias, que no dizer de um estudioso contemporâneo:
“são as mais humanas de todas, pois vendem a
varejo, os ectoplasmas de humanidade, os amores e os medos romanceados, os
fatos variados do coração e da alma”.(MORIN, 1975: 9).
Ao
lado da potencialização (via técnica) dos processos de divulgação de um fato
social, temos a manipulação estruturalmente planejada do mesmo, já que é “ao mesmo tempo fabricado industrialmente e
vendido comercialmente”. (MORIN, 1975: 5).
Desta forma, e com
referencial nas citações precedentes, a nossa pretensão argumentativa é a de
estabelecer como razoável a existência, na vida dos seres humanos, de dois
planos diferenciados e complementares, sejam individuais ou coletivos, que
satisfazem as “necessidades
humanas de qualquer espécie”.
Como vimos, as
necessidades podem ser criadas e/ou legitimadas, uma vez que têm caráter
externo ao indivíduo e guardam dependência direta com a “difusão que apresenta no interior do grupo”. Tendo em foco este contexto, na atualidade, os
bens “espirituais” – valores, estética, costumes, etc. – são diuturnamente
submetidos a um regime onde são “fabricados
industrialmente e vendidos comercialmente”,
num contexto de pura materialidade. Esse processo instrumentaliza os bens
espirituais a fins determinados e independentes de conteúdos, uma vez que
simbólicos.
Isto se aprofunda e se
legitima a tal ponto que, com alguma constância, e não por acaso, Luiz
Fernando Veríssimo (entre outros), tem apresentado em algumas crônicas – não
importa se de forma apenas “intuitiva”,
a incômoda sensação de subversão da lógica dos fatos, chegando a observar que:
“Dependendo do jornal que você lê, às vezes
do analista num mesmo jornal, o otimismo do governo neste fim de ano se
justifica, é um delírio ou é um embuste. Poucas vezes na nossa história recente
entender o que se passa dependeu tanto da predisposição”.
Veríssimo chama também a atenção para o fato
absurdo de que estamos mergulhados num relativismo sem limites. É com esse
sentido que observa que é possível esquecer os
números,pois “eles não provam nada, ou provam tudo, o
que dá no mesmo”. Considera que
isto ocorre em função de que “os
fatos não parecem influir muito na decisão de (alguém) ser otimista ou
catastrófico”. Desta forma torna-se possível a administração das coisas
(ciência inclusive) desvinculada dos fatos e da lógica e, por decorrência, das
suas necessidades reais, pois “há muito
que trocamos todos os nossos critérios pelo pensamento mágico”.(VERÍSSIMO,
JB, 26/12/97).
Este inicial exercício
teórico serve como pano de fundo para uma reflexão sobre a eleição e os
primeiros passos de Luiz Inácio Lula da
Silva na presidência da República.
Mesmo sem lançar mão do
argumento perverso (usado de lado a lado) do abusivo e indiscriminado uso do
marketing e um conseqüente esvaziamento político da eleição, resta claro ao
país que o então candidato Lula e os comandantes do Partido dos Trabalhadores
estabeleceram uma estratégia eleitoral baseada em pesquisas de opinião que os
levaram a amenizar determinadas posturas e conjurar o estigma de uma
organização sectária e radical.
Resta óbvio que a
captura dos votos de um eleitorado “liberal” passava, necessariamente, por um
arrefecimento de posturas mais questionadoras da mixórdia que aí persevera. Mas
tudo tem limite e, mesmo no embalo de estratégias marqueteiras, deve-se guardar
um mínimo de conexão (conteúdo) entre discurso e a realidade. Não se pode
perder de vista que, face aos interesses envolvidos, existem diferenças
substanciais entre se montar estratégias para vender um pagodeiro meio débil
mental e para vender um candidato a presidente da República. No caso daquele, o
máximo que o cidadão enganado pelo processo pode sofrer, é ter um CD relegado
ao esquecimento ou ao monturo do lixo cultural. Já na comercialização da imagem
de um presidente, após tantas frustrações e bizarrias pátrias, as
responsabilidades ganham um caráter crítico e angustiante, pois envolvem
milhões de destinos, de seres feitos de carne, osso, cartilagens e sonhos.
Não foi com o auxílio
dos profissionais de marketing que o Partido dos Trabalhadores construiu, ao
longo de vinte e três anos, uma mensagem ao povo, na qual refutava as
iniqüidades políticas e estabelecia uma agenda mínima de recuperação da
cidadania em bases diversas das legitimadas até então.
Em tempos de chumbo, no
seu processo particular de produção de símbolos e ícones, o individualismo nos
guiou a uma imensa gama de candidatos potenciais a heróis, onde pontificaram no
extenso espectro da nossa esquerda tupiniquim (representado em Fernando
Henrique Cardoso) personagens que, apesar dos credos, proposições e discursos,
se apequenaram por tibieza, cooptação, cinismo ou benesses. Nesta mixórdia,
restou o metalúrgico (com condições objetivas) Lula, figura importante no
combate à ditadura e na luta pela redemocratização do país, como o último
baluarte depositário de esperanças de um mundo (possível) melhor, a ser
construído sob modelo diverso do falido consenso de Washington e da
globalização.
Nunca, em toda a sua
história, o Brasil assistiu a tão radical mudança nos discursos de campanha
política, como na recente eleição que consagrou a unção de Luiz Inácio Lula da
Silva à presidência do país. Tal câmbio se deu na medida em que o eixo que
indicava a idéia de país foi deslocado para a administração das coisas, como
solução para os problemas que afligem a maioria esmagadora da população.
Construída e
disseminada entre as populações, a ideologia que norteia a idéia de país
implica uma ampla gama de valores compartilhados por habitantes que coexistem
em espaços limitados por fronteiras determinadas. Estes valores são,
primordialmente, abstratos e generalizantes, e dizem respeito aos costumes,
tradições, soberania, honra, etc. Desta forma, o discurso político sempre
pautou pelo apelo fácil a estes valores, seja embebido em nacionalismos de
matizes diversos ou em ufanismos, delirantes ou não.
Muito provavelmente sob
o impacto de duas eleições consecutivas que levaram Fernando Henrique Cardoso
ao planalto - baseado quase que exclusivamente no sucesso do Plano Real,
portanto sob um imperativo econômico que se esgotava na estabilização da moeda
– o presidente Lula, durante a campanha empreendeu uma guinada que já vinha
sendo ensaiando pelo Partido dos Trabalhadores, mas não de forma tão profunda.
Mesmo com esta mudança (para o centro) no discurso ideológico-eleitoral, os
primeiros atos do governo não se mostram coerentes com o mesmo, uma vez que o
governo que ora se instala nada mais tem feito que dar continuidade à política
neoliberal do seu antecessor e, em alguns casos, aprofundando-a, sob a
tentativa inconfessável de uma busca de confiança junto ao mercado, o que se
traduz em políticas que agudizam a tão combatida submissão ao capital
internacional tendo como seus agentes o FMI, Bird etc., e como pano de fundo a
globalização.
Evidentemente que o
discurso que levou Lula à presidência da República não era o desejado pelos
radicais do seu partido ou de outros mais à esquerda, mas isto não justifica –
este abrandamento mais palatável aos interesses do capital interno e externo –
nem guarda coerência com os atos de governo ora implementados pelo Estado, ou
seja, nem o discurso era coerente com a rica e renhida história do Partido
assim como os atos de governo não o são com o discurso levado no último pleito.
Nem barro nem tijolo. Cor de burro quando foge.
3 – Tudo como d’antes, no
Quartel de Abrantes.
Este quadro nos
autoriza uma reflexão de caráter ético-político pouco edificante para estes
primeiros passos de governo que se propunha reformular as relações políticas da
República. Relações estas desde os seus primórdios, submetidas ao clientelismo,
ao favor, ao nepotismo, à negociata e à barganha. A promessa inflamada de
relações - envolvendo a coisa pública – isentas e éticas, não se coaduna – nem
se diferencia da tradição republicana – com os acertos implementados pelo novo
governo, que se vê atolado no mesmíssimo brejo do clientelismo, do favor, do
nepotismo, da negociata e da barganha. Tudo como dantes, no quartel de
Abrantes. Típico do que sempre o PT reverberou, com carradas de razões, é o exemplo
de que:
“Irritou as lideranças do Congresso no início da
noite de ontem, a informação de acordo fechado entre o presidente do Senado,
José Sarney, e o ministro José Dirceu (Casa Civil), em reunião ao meio-dia.
Pelo acerto, ACM renunciaria à presidência da Comissão de Constituição e
Justiça, como de fato o fez, em troca da garantia de que não será cassado. Os
líderes lembram que a decisão é do Congresso – e não do Governo – e não abrem
mão de levar o caso pelo menos à Comissão de Ética do Senado” (Humberto, 2003:
18).
Ante alguns desempenhos
de personagens da cúpula do partido e mesmo em expressiva parte de sua
militância, não é excessivo afirmar que - em roteiro idêntico ao de todo
processo pós-eleitoral - o Partido dos Trabalhadores e/ou o núcleo do poder,
age de forma a dar razão ao ex-governador Anthony Garotinho, em sua afirmação
de que se trata do “partido da boquinha”.
Nunca, em toda a sua
história, mesmo no período delirante de Fernando Collor e o seqüestro da
poupança popular, um presidente recém-eleito perdeu tanta credibilidade quanto
este que ora se inicia. Este fenômeno talvez possa ser explicado nas
contradições nas quais se atolam os condutores das políticas de Estado, sob o
comando do Partido dos Trabalhadores, tendo em Lula seu principal elemento de
decisão.
A trajetória do Partido
dos Trabalhadores, nestes vinte e três anos, sempre se pautou, até com
intransigência, sob o crivo de posturas éticas, portanto de caráter subjetivo.
Este fato deixou-o como interlocutor privilegiado, pois que com o monopólio do
discurso de outra ordem, com forte apelo a valores morais, valores espirituais,
consoante posturas emblemáticas de não compactuar com barganhas políticas ou
mesmos desvios ideológicos de seus membros. Os casos exemplares de inviabilização
da permanência no partido das figuras de Maria Luiza Fontenele – à época
prefeita de Fortaleza – e de Luiza Erundina – figura de proa do partido - foram
motivadas pelo fato de as mesmas tomarem atitudes consideradas incompatíveis
com a postura de esquerda. Note-se que no caso de Luiza Erundina, esta acabou
se filiando ao Partido Socialista Brasileiro. Agora, uma vez no poder, este
mesmo partido coloca em posição deveras incômoda exatamente personagens que se
colocam mais à esquerda, ou seja, que permanecem mais à esquerda, postura que,
aliás, estão sendo mantidas e que eram apoiadas pelo partido e que contribuíram
para o seu fortalecimento eleitoral. O caso da senadora Heloísa Helena, em tudo
patético e desnecessário, contribuiu para fazer com que o cidadão comum passe a
desconfiar que, a exemplo dos políticos, todos os partidos são iguais, num
generalizante “não valem a pena”. O realismo cínico de um partido no poder
talvez consiga ganhar um fôlego extra no mercado, mas certamente provoca uma
decepção num determinado eleitorado que se motiva mais por ética que pela pura
administração das coisas. A receita que preconiza o equilíbrio das contas do
condomínio à custa da prostituição das moças família do prédio, admissível em
partidos políticos de recorte pefelista, peemedebistas, tucano, etc., não cabe
num figurino espartano traçado pelo PT nestes seus anos de existência. Sobre
este aspecto, o PT sempre afirmou e reafirmou que o buraco ficava mais abaixo.
A eleição de Luiz
Inácio Lula da Silva, cidadão egresso do movimento sindical, suscita no
imaginário da população em geral a possibilidade de substanciais mudanças no
país. Espera o povo que a nação seja mais justa, tanto na distribuição de
riquezas quanto de justiça. Acredita que a corrupção será punida e que os novos
tempos serão de uma efetiva presença e intervenção do presidente da República
nos problemas endêmicos e cruciais para a cidadania.
Desde a sua condição de
presidente eleito, aguardando a posse, até a atualidade pós-carnaval, o
presidente Lula, em todas as oportunidades, repete a mesma fala que promete
mudanças. Enumera as reformas: da previdência, agrária, política e tributária e
reitera a sua disposição de combater a fome, a corrupção, a impunidade e o
desperdício. Entretanto essa fala contradita os seus atos que nada mais são que
a continuidade e mesmo aprofundamento da política do seu antecessor, tão
combatida por ele e por seu partido. É razoável supor que caso o candidato José
Serra fosse o vencedor nas últimas eleições, ele tomaria as mesmas decisões ora
em curso no governo Lula. Aumentaria a taxa de juros e o PT esbravejaria contra
tal política lesa-pátria e promotora do desemprego; manteria Armínio Fraga ou o
substituiria por Henrique Meirelles na presidência do Banco Central e a senadora
Heloísa Helena, com razão e com o total apoio do PT, denunciaria a nossa total
submissão ao capital especulativo; demandaria esforços no sentido de equilibrar
as contas da previdência da forma mais fácil e perversa (punindo as vítimas e
anistiando anos e anos de roubos e inadimplência dos empresários) e a bancada
do PT envidaria justos esforços no sentido de impedir. Em suma, todas as
decisões tomadas no atual governo, não estivesse no poder, seriam (como foram
no passado) combatidas e condenadas pelo Partido dos Trabalhadores que, para
tanto, daria total e incondicional apoio aos seus parlamentares mais radicais.
Nesta quadra, muito provavelmente, um hipotético governo Serra (ao contrário do
governo do PT) não envidaria esforços para tentar salvar o senador Antonio
Carlos Magalhães de uma segunda renúncia (ou cassação) ao mandato.
É deveras espantosa e
inesperada a seqüência de contradições entre a fala e os atos deste governo que
se inicia. Agudo e crítico é o exemplo do aumento da taxa de juros que efetuou
como medida preventiva, ao mesmo tempo em que promete combater o desemprego.
Neste imbróglio, o secretário de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da
prefeitura petista de São Paulo, o economista Márcio Pochmann alerta que:
“E
se essa política continuar, não vamos fazer com que haja aumento de empregos. A
única coisa que vamos gerar é desemprego” (O Globo, 2003: 8).
Segundo o secretário o COPOM
aumentou a taxa básica de juros (de 25% para 25,5%) e isto implica em que
“...
mantida essa política, criticada à exaustão pelos petistas no governo passado,
São Paulo terá um índice de desemprego de 21% em fevereiro. A maior alta mensal
registrada até agora no município fora de 19%, em abril de 2002”. (O Globo, 2003: 8).
Mesmo se admitindo que
estes atos iniciais do governo Lula são imposições extremas, que são os frutos
de uma herança fernandohenriqueana, nos resta o estupor de assistir a um
governo (que apesar de tantos anos buscando o poder) que assume os destinos da
nação sem nenhum projeto definido. Observamos estupefatos a um governo que,
enquanto pensa no que fazer aprofunda o modelo nefasto que tanto criticou.
Zonzo entre o messianismo assistencialista do projeto Fome Zero e um Conselhão
adrede escolhido (?), perde o fio da meada e uma oportunidade ímpar para uma
mudança necessária, imperiosa e prometida de rumos.
É deveras patético um
governo eleito demonstrar que, por falta de um projeto, escolhe um conselho com
a finalidade de rascunhar as reformas elencadas num discurso generalizante.
Mesmo comungando com a idéia de tal estratégia, por que não o estabelecimento
de um conselho para cada assunto? Esta entronização do Conselhão no organograma
da República nos dá azo a desconfiar que há algo de podre no reino de
Pasárgada.
O Conselhão do presidente
Lula, segundo suas próprias afirmações, é de neutralidade inquestionável, uma
vez que:
“Ninguém
neste conselho foi escolhido por ser amigo do Lula, do PT ou de qualquer outro
partido aliado nosso. Este conselho não é um clube de amigos” (Folha de São Paulo,
2003: A2).
O que o presidente, ao
fazer a defesa do conselho, não informou ao distinto público e que seria
deveras didático, é sobre os critérios das escolhas ou sobre tão natural
geração espontânea. Esta lacuna e a unicidade de tal Conselhão – único e com
tempo indeterminado - composto por noventa e dois cidadãos bem pode desencadear
ilações de apadrinhamento, compadrio, favor, negocismo, e mais tudo a que
estamos acostumados.
Dada a interconexão
entre os saberes técnicos que estabelecem uma massa crítica compartilhada entre
os seus componentes, a administração das coisas, mesmo das coisas do Estado, é
tarefa confiada a um corpo técnico e qualquer mandatário pode escolher entre os
disponíveis e estes levam a contento, apresentando mais ou menos resultados
idênticos. O que diferencia o resultado final não é a execução dos projetos,
mas a diretriz política indicada por quem detém o poder de decidir sobre os
rumos. Daí, a redução da política à administração das coisas, redundar na
despolitização das questões fundamentais para a nação.
Observando-se as
condições da eleição de Lula, as alianças e o quadro partidário, no rastro do
desmonte do Estado levado a efeito recentemente, o atual governo corre o risco
de frustrar o povo e, por conseqüência, decretar o desmonte das esquerdas.
Após séculos de hegemonia bacharelesca, a eleição
mais que anunciada de Luiz Inácio da Silva - um ex-torneiro mecânico, um
trabalhador oriundo da pobreza nordestina e tido como inculto - para a
presidência do Brasil (quadriênio 2003/06), estabelece uma interminável pauta
para análises e suscita uma gama ampla de possibilidades para o futuro e as
mudanças de rumos. Entretanto, ocorre que, a administração do Estado,
principalmente quando submetido à lógica do sistema capitalista, não é um
concurso de simpatia ou virtuosidade, mas sim um embate de escolhas de
prioridades, rumos, políticas, etc.
O certo é que as incertezas de
rumos de um governo que se mostra sem projeto definido descortinam um cenário
desanimador e no próximo quadriênio a nação saberá se o Partido dos
Trabalhadores embalou e etiquetou, por vinte e três anos, a mercadoria Lula,
prometendo que esta resolveria determinados problemas. Finalmente saberemos se
as mudanças anunciadas são estruturais ou se apenas o estilo presidencial
migrará de um Fernando Henrique blasé, entediado e distante para um Lula que se
mistura ao povo e ganha simpatias por ser humilde; se apenas abandonaremos o
caviar chique e pernóstico e entronizaremos em seu lugar a buchada de bode nos
regabofes do Palácio do Planalto.
Referências Bibliográficas
DURKHEIM, E. As
regras do método sociológico.
São Paulo: Ed.Nacional, 1982.
FOLHA DE SÃO PAULO,
15/02/2003: A2.
HUMBERTO, Cláudio, “Sarney faz acordo para salvar
ACM”. O Dia, 18/02/2003.
MARCUSE,
Herbert. Ideologia da sociedade industrial. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.
MARX,
K., O capital. v. I, l.1,
T. 1. São Paulo. Abril Cultural, 1983.
MORIN,
E. Cultura de massas no século XX.
Rio de Janeiro: Forense, 1975.
Sem Ind. “Petista alerta sobre efeito da gestão
Lula”. O Globo, 12/02/2003.
VERÍSSIMO,
Luiz Fernando, Rio de Janeiro. Jornal do Brasil, 26/12/97.
Resumo: O presente artigo busca analisar, de forma
prospectiva, o início do governo petista do presidente Lula tendo em vista o
confronto entre os discursos que acenam com mudanças e os primeiros atos de
governo embebidos em forte tendência de continuísmo.
Palavras-chave: Política partidária, eleição,
Partido dos Trabalhadores, contradições, continuísmo, neoliberalismo, capital
internacional.
* O autor é Cientista Social (IFCS/UFRJ); M. S.
(COPPE/UFRJ), professor pesquisador da FESO e escritor.