Apresentação
A “Região do
Contestado”, localizada no Centro-Oeste de Santa Catarina – hoje uma próspera
área que corresponde a 1/4 do potencial sócio-econômico do Estado, reunindo 800
mil pessoas em 60 municípios – conhecida por sediar a “Guerra do Contestado”
(1913-1916), tem suas raízes históricas fincadas no Século XVIII, quando
pertencia à Província de São Paulo. Até a antiga Comarca de Curitiba ser desmembrada
de São Paulo, originando a Província do Paraná em 1853, reconhece-se que seus
desbravadores foram os paulistas, povo que iniciou a ocupação do interior
sulino do Brasil, após a abertura da “Estrada das Tropas”, ligando os campos
produtores de gado do Sul ao centro comercial de Sorocaba e, em seguida, das
“Veredas das Missões”, caminhos que ligaram os Campos de Palmas e de Guarapuava
às regiões missioneiras da Argentina e do Rio Grande do Sul1.
Durante o
Século XIX, o espírito desbravador dos paulistas realizou no Sul o aldeamento
dos indígenas, incentivou o surgimento das vilas pioneiras e, ao longo dos
caminhos abertos, promoveu a instalação de pousos, currais e fazendas de
criação de gado, fazendo desenvolver a atividade econômica do tropeirismo e, em
seguida, a da extração da erva-mate. Até a construção da Estrada de Ferro São
Paulo Rio Grande, em 1910, que veio a ligar Itararé (SP) a Santa Maria (RS), no
traçado de Ponta Grossa, União da Vitória, passando pelas terras contestadas à
margem do Rio do Peixe, Rio Uruguai e Passo Fundo, foram os tropeiros quem
ligaram o Sudeste e o Centro do País às zonas pastoris paranaenses de
Guarapuava, Palmas, Vale do Iguaçu, São José dos Pinhais, Castro, Ponta Grossa,
Palmeira e Lapa, mais às terras contestadas em Santa Catarina (em Curitibanos,
Campos Novos e Lages) ao Planalto do Rio Grande do Sul (Vacaria, Passo Fundo,
Cruz Alta, Santa Maria e São Borja) e às missões argentinas2.
Em
1831, quando a Região do Contestado era um inóspito sertão, a Regência criou a
Guarda Nacional do Império, ao mesmo tempo em que extinguiu as milícias,
ordenanças e guardas municipais. Para o “coronelato” desta corporação, que
passou a ser organizada em todo o território nacional, eram nomeados civis, os
grandes senhores de engenho (no Leste e Nordeste do Brasil) e os caudilhos e os
fazendeiros de criação de gado mais poderosos (casos do Sul), os oficiais eram
os próprios capatazes das suas fazendas e pessoas de importância ou aliados
políticos e, os soldados, eram escolhidos entre os agregados, peões e capangas
dos fazendeiros, mais pessoas simples que moravam em vilas e pequenas fazendas.
Surgiu, assim, no País, o fenômeno do "coronelismo", ampliando o já
então existente poder dos fazendeiros, senhores de latifúndios do sertão, o
que, relativamente, lembra os tempos do absolutismo.
Os fazendeiros dos campos e
sertões da Região do Contestado, a maioria dos quais tinha suas origens no
tropeirismo, com seus peões constituíram batalhões da Guarda Nacional para
servir ao Império e, dele recebendo a patente de “coronéis”, foram nomeados
seus comandantes. Desta forma, na
segunda metade dos anos 1800, todo o poder era concentrado nos
fazendeiros-coronéis, que administravam suas terras, ditavam ordens, influenciavam
a política nas vilas próximas e decidiam eleições regionais. O sistema
ditatorial resultou do próprio ambiente e das condições daquele tempo: falta de
autoridade legal, isolamento dos centros urbanos civilizados e ausência de
policiamento. O “dono-da-fazenda” era, simultaneamente, juiz, delegado, chefe,
conselheiro e legislador, recebendo o respeito e a obediência de todos os
subordinados.
O estudo da educação e da política na
História da Região do Contestado revela-nos a reprodução do fenômeno da dominação,
tal como ocorria em todo o Planalto Catarinense, fruto do coronelismo e do
sistema oligárquico que predominava historicamente na zona, onde alguns poucos
fazendeiros ricos exerciam o mandonismo sobre a grande maioria subserviente,
inspirados no modelo do “caudilhismo” gaúcho. A par do coronelismo, via-se,
aqui, também o “compadresco”, forte ligação afetiva que ligava o pessoal
dependente com os donos das fazendas e com os chefes políticos, pois, quantos
mais afilhados e compadres, que caíam nas boas graças e se viam promovidos
socialmente, maior era o poder do Coronel: o beija-mão e o pedido de bênção ao
padrinho eram ensinados desde cedo às crianças, para saber respeitar a classe
dominante. O poder político na Região do Contestado, amarrado às oligarquias
estaduais, era disputado entre os coronéis, que se dividiram, pelas raízes
históricas, cronologicamente, entre farroupilhas e legalistas, entre pica-paus
e maragatos, entre defensores do Império e da República, entre catarinenses e
paranaenses e, pela natureza política, entre os partidos políticos que
disputavam o poder e distribuíam as benesses, primeiro entre liberais e
conservadores, em seguida entre os federalistas e republicanos e, depois, entre
republicanos e liberais. A permanente competição entre os chefes alcançava seus
subordinados que, algumas vezes, entravam em luta corporal e armada entre si,
como aconteceu na Guerra do Contestado.
Politicagem
no Contestado
Depois
da Proclamação da República, quando as patentes de oficiais da Guarda Nacional
passaram a ser expedidas pelos governadores estaduais, os mandatários do Paraná
e de Santa Catarina passaram a expedir dezenas de cartas-patentes a fazendeiros
de suas simpatias, como maneira de firmar domínio territorial nas terras
contestadas pelos dois Estados. Estas concessões eram associadas ao
favorecimento na transmissão de propriedades de terras, nem sempre para
ocupação e desenvolvimento, e, muitas vezes, por pura especulação imobiliária,
a troco de comprometimento político-eleitoral.
Os fazendeiros
da Região do Contestado dividiam-se entre o Partido Conservador, o Partido
Liberal e o Partido Republicano. No tempo da Proclamação da República, antigos
“conservadores” do Contestado-Catarinense, capitaneados por uma parte da
família Ramos (de Lages), com Vidal Ramos Júnior à frente, integraram-se ao
Partido Republicano Catarinense - PRC, vindo a apoiar o primeiro Governador do
Estado, Lauro Müller, enquanto que veteranos “liberais”, liderados pela família
Costa e por Belizário Ramos (irmão de Vidal), mais os Rupp (de Campos Novos) e
os Almeida (de Curitibanos), mesmo também integrando o PRC, abriram dissidência
no partido, apoiando o burocrata Hercílio Luz. Esta era a situação quando da
irrupção da Revolução Federalista, em 1893, que re-dividiu as forças entre
“federalistas” (antigos liberais) e “florianistas” (legalistas).
Na
parte catarinense do Contestado, área pastoril em que predominava o coronelismo
rural, sua representação política, que não era partidária, mas familiar, ao
apoiar as alas “laurista” e “hercilista” do Partido Republicano Catarinense,
contribuiu para a formação das duas oligarquias estaduais, que se revezariam no
poder político central catarinense. Este poder esteve nas mãos do grupo de
Lauro Müller e Vidal Ramos Júnior até 1917, ano que marcou a ascensão da
oligarquia Luz, esta caracterizada como uma corrente igualmente coronelista,
mas tida como “urbana”, por ter surgido em zonas predominantemente industriais,
nas cidades do Litoral e na Capital.
Depois
da Guerra do Contestado e do Acordo de Limites, quando o Paraná entregou as
terras a Oeste do Rio do Peixe para Santa Catarina, iniciada a colonização, com
a chegada de imigrantes, o surgimento de novas cidades e o advento da
industrialização na região, também no Contestado ascendeu o modelo de
“coronelismo urbano” que predominava no Litoral. Significativa parte da nova
população, principalmente os novos industriais e comerciantes da burguesia
ítalo-brasileira e teuto-brasileira, imigrada das colônias velhas
rio-grandenses, apoiaram a oligarquia Luz, até porque esta era adversária dos
fazendeiros da região3.
Pelo
apoio a Getúlio Vargas, a Revolução de 30 reascendeu a oligarquia Ramos, agora
representada por Nereu Ramos, filho de Vidal Ramos Júnior, que se manteve no
poder durante o Estado Novo, até a metade do século, em determinado período
apoiada por Aristiliano Ramos4. Por seu
turno, isolada, no tempo da Redemocratização de 1946 a oligarquia Luz-Konder
tratou de projetar na política Irineu Bornhausen, sobrinho de Adolpho Konder.
Assim, o ano de 1950 marcou o retorno da oligarquia Luz-Konder-Bornhausen ao
Palácio do Governo, situação que perdurou até 1960, quando aconteceu nova
retomada do palácio pelos Ramos.
Na
História da Educação, na brasileira e na catarinense, encontramos muitas
informações que nos possibilitam compreender o funcionamento do sistema
educacional do período Imperial – principalmente nos seus últimos anos – e nos
primeiros tempos da República Velha, registros estes que atestam, sem dúvida
alguma, a intimidade entre o poder político e a educação, esta atrelada àquele
sob o jugo da dominação. Os fatos históricos comprovam que o ensino foi um dos
mais poderosos instrumentos usados pelas classes dominantes para se manterem no
poder político, seja no Brasil, seja em Santa Catarina e, inclusive, sem ser
diferente, na Região do Contestado.
Localizados
no setor Meridional da Região do Contestado, os municípios de Curitibanos e de
Campos Novos eram os mais atrasados do Estado, em termos de escolarização. No
final do Século XIX, recém desmembrados de Lages, contavam com minguadas
escolas de primeiras letras (primário) que serviam apenas às famílias
residentes nas vilas. Cerca de 95% das suas populações, que viviam no campo –
nas fazendas e nos arraiais periféricos – permaneceram desprovidas da educação
escolar por muitos anos, num triste quadro de analfabetismo que, timidamente,
só começou a mudar depois de 1917.
Zélia de
Andrade Lemos encontrou nos arquivos da legislação catarinense de 1864 o
primeiro registro da História da Educação Escolar de Curitibanos, quando a
localidade ainda era uma freguesia, pertencente ao Município de Lages: o Ato de
17 de novembro de 1864, do Presidente da Província, que criou uma escola de
primeiras letras (instrução primária) para o sexo masculino (LEMOS,
1977:159-160), instalada no ano seguinte. O prédio desta escola masculina foi
um dos alvos da investida dos caboclos na Guerra do Contestado, sendo
incendiado e totalmente destruído quando da invasão de Curitibanos, em setembro
de 1914.
Descrevendo
a Vila de Curitibanos, tal como era em 1914, ao mencionar tudo aquilo que ela
dispunha, o Tenente Herculano Teixeira d’Assumpção estimou a sua população em
onze mil pessoas e citou a existência de apenas “uma escola pública primária”
(ASSUMPÇÃO, 1917, p. 165). No “relatório” da sua administração, que se dedicou
a restaurar o Município depois da Guerra do Contestado, apresentado ao Conselho
Municipal em 2 de janeiro de 1917, o Coronel Marcos Gonçalves de Farias
informou dos exíguos recursos financeiros de que dispunha, tendo atendido a “duas
escolas estaduais”, estas que seriam, então, as existentes em todo o
território municipal5.
Data
de 1883, uma importante informação sobre a Educação no Município de Lages, quando
a Câmara Municipal respondeu a um questionário ao Presidente da Província. Ela
nos mostra que, pouco antes da Proclamação da República, mesmo dominando vasto
território do Planalto Serrano Catarinense, Lages dispunha de apenas duas
escolas primárias, de “primeiras letras” (uma masculina e outra feminina), com
apenas 60 alunos. A maçonaria lageana, que hostilizava a ação dos padres
franciscanos, apoiava a fundação de um outro colégio, particular. Temos também
que é de 1889, o registro público da nomeação dos primeiros delegados
literários de Lages e de Campos Novos. Conforme Fábia Luciano, “os delegados
literários adentraram o século XX, imbuídos do propósito de controlar as ações
docentes. Se compararmos as atribuições dos delegados literários, corresponderia
a chamá-los, hoje, de supervisores escolares” (2001, p. 171).
Mais
dramática que Curitibanos e Lages (que recebeu um “Grupo Escolar” em 1914), era
a situação em Campos Novos, município que só passou a dispor de uma escola
pública para alunos do sexo masculino na vila em 1909. Até este ano, Campos
Novos dispunha apenas de duas escolas de primeiras letras, para atender a toda
a população.
Deste o
advento da República, o Governo, ideologicamente identificado com o
positivismo, e a Igreja Católica, humanista, estavam dissociados oficialmente.
No Contestado, onde o poder político e a maçonaria andavam de braços dados, a
atividade catequista dos franciscanos, chegados ao final do Século XIX, era
repudiada pelos maçons, que se negavam a receber a assistência religiosa dos
padres, estes que, para desenvolver ações educacionais, enfrentavam sérios
problemas.
Com
relação à Educação em Santa Catarina, depois da instituição dos delegados
literários, o poder do “coronel” veio a expressar-se através da Inspeção
Escolar, instituição que surgiu em 1836, inicialmente como competência das
Câmaras Municipais e, depois de 1854, do Estado, para ser exercida por pessoas
“de confiança” dos governantes (indicados pelos “coronéis”), para fiscalizar e
controlar as escolas, os professores e as atividades pedagógicas.
Se no
setor Meridional da Região do Contestado, administrada por Santa Catarina, a
Educação ia de mal a pior, a situação nas margens dos rios Negro e Iguaçu, no
setor Setentrional, administrado pelo Paraná até 1917, historicamente pode ser
considerada bem melhor. A imigração promovida pelos paranaenses no Século XIX,
para povoar a área Setentrional do Contestado, trouxe embutida a mentalidade
européia da necessidade familiar da educação escolar aos filhos e, a assistência
religiosa proporcionada pela Igreja Católica, aos municípios de Rio Negro e de
Porto União da Vitória, muito contribuiu para a abertura das primeiras unidades
escolares, tanto nestas vilas como nos núcleos coloniais.
Desenvolvendo-se
sob influência direta da Vila do Príncipe (Lapa), o Município de Rio Negro,
colonizado a partir de 1829 e emancipado em 1870, registrou, ainda no Século
XIX, um desenvolvimento educacional superior aos demais, superior até a Porto
União da Vitória, por ser povoado mais antigo, mas, principalmente, pela
natureza da sua colonização predominante, a alemã (pioneira) e a polonesa e
ucraniana, mantendo-se à margem da administração de Santa Catarina até 1917. A
primeira cadeira escolar de primeiras letras de Rio Negro foi criada a 13 de
outubro de 1831, pelo governo paulista, na então Comarca de Curitiba.
Com
melhores índices de escolaridade, as populações das sedes destes municípios
apresentavam-se como mais politizadas do que as das outras zonas do Território
Contestado. Pela influência dos imigrantes, eram consideradas mais “cultas”, à
vista de manterem dezenas de escolas comunitárias e particulares, sociedades
artístico-culturais, onde desenvolviam o teatro, a música, a dança, o canto, e
as tradições, a par da educação escolar. Isso não quer dizer que os habitantes
residentes fora das vilas e das colônias a esses se nivelassem: nos seus
sertões, reproduziam-se os fenômenos do analfabetismo, da ignorância, do
desconforto e do desamparo, terreno fértil para dominação pelos mais fortes e
ricos, tal como acontecia em Curitibanos e em Campos Novos.
O
coronelismo, enquanto vigente no interior do Estado, foi um dos sustentáculos
das oligarquias catarinenses. Identificou-se permanentemente com a História do
Contestado enquanto existiu alguém que fosse, respeitosamente, tratado como
“Coronel”. Santa Catarina tinha 71,34% da sua população analfabeta em 1910, e,
no Contestado, os municípios com maior número de analfabetos eram Curitibanos,
Campos Novos e Cruzeiro, todos no setor Meridional (latifundiário) – média de
79,26% - enquanto que nos municípios do setor Setentrional (Mafra, Itaiópolis,
Canoinhas e Porto União), onde a imigração européia aconteceu antes, o índice
de analfabetos era menor, ou seja, de 71,70% na média.
Com
os municípios criando e mantendo suas próprias escolas primárias, a par das
unidades escolares mantidas pelo Estado no interior dos mesmos municípios, o
que se verificou na primeira metade da República Velha, foi a continuidade da
dominação do sistema de ensino, só que, agora, com o poder repartido entre a
aristocracia das oligarquias estaduais e os coronéis que davam sustentação a
estas oligarquias nas bases eleitorais. Este poder, com a força de manter a
maioria da população submissa no analfabetismo, com o temor do poder do
coronel, com as precárias condições de trabalho e com o semi-total isolamento
em que viviam os povos rurais no Contestado, não permitia contestação e
impossibilitava quaisquer manifestações de descontentamento. Isso, mais a
representação eleitoral manobrada pelo coronelismo nos “currais”, garantia o
sucesso do regime sem maiores problemas até o final da I Guerra Mundial, quando
as manifestações urbanas de descontentamento começaram a se intensificar.
Em
regra geral, o Homem do Contestado que representava a classe dominada, pobre,
agricultora e operária, que não dispôs de escola para estudar na infância e que
não teve acesso a instrumentos de alfabetização de adultos, permaneceu à margem
das decisões políticas. Nas décadas de 1930-1940, as áreas de imigração foram
duramente atingidas pela campanha de “nacionalização”, quando escolas
comunitárias, com aulas em línguas estrangeiras, foram fechadas e, em seu
lugar, o Estado e os municípios não abriram outras, com aulas em língua
portuguesa, para substituí-las. Ainda no tempo da redemocratização, o voto era
negado ao analfabeto e, esta, era uma circunstância que favorecia o
coronelismo, pois excluía grande parte da população do processo que se
anunciava como democrático.
Por
vincular-se essencialmente ao meio rural, dentro do mesmo espírito de
dominação, quando do advento da urbanização e industrialização no Contestado,
na segunda metade da República Velha o poder político do “Coronel” (da fazenda)
começou a ser dividido com o do “Capitão” (da indústria), uma nova figura que
veio a colocar também no cabresto os operários das primeiras fábricas,
mantendo, nas bases eleitorais municipais, o suporte ao sistema oligárquico
estadual. Ao contrário do que se pensava, a Revolução de 1930 não acabou com as
oligarquias em Santa Catarina, que persistiram em intensa atividade até meados
de 1946 e, quando da Redemocratização do País, o antigo coronelismo foi
substituído pelo neo-coronelismo, com a introdução de novas personagens, sucessoras,
mantendo a sustentação política às oligarquias até o final do Século XX.
À medida em que o desenvolvimento
acelerou, fazendo nascer pequenos e médios empresários da indústria, do
comércio e dos serviços, nas novas cidades da Região do Contestado registrou-se
o fenômeno do surgimento de uma burguesia mais moderna, que, na estratificação
social situava-se entre a classe dominante (representada pela minoria
aristocrática de “coronéis-de-roça” e “chefetes-de-aldeia” ligados às
oligarquias) e a dominada (constituída por uma maioria de colonos, caboclos e
operários, meros eleitores). Esta burguesia nova (comerciantes, funcionários
públicos, artesãos e pequenos industriais) conciliava-se com as oligarquias e a
elas se sujeitava passivamente, pois não objetivava questionar ou disputar o
poder, e sim, aceitá-lo como existia, para receber as benesses.
As oligarquias catarinenses se envolveram no
desenvolvimento regional, cada qual favorecendo seus “currais eleitorais” ou
seus “pátios de fábricas” municipais, enquanto revezavam-se no poder. O tempo
de vinte anos, contado após a 2ª Guerra Mundial, entre os dois reordenamentos
partidários, o de 1946 e o de 1967, foi marcado pela decadência e extinção do
sistema coronelista brasileiro, mas, simultaneamente, de sobrevivência do poder
do coronel e das oligarquias, coincidindo com o período de avanço do Estado
rumo à industrialização e à urbanização, quando assistimos o enraizamento de um
novo fenômeno em Santa Catarina e também no Contestado – o neocoronelismo – a
partir das adaptações do velho coronelismo às mudanças de ordem política e
econômica e das renovações físicas no interior das oligarquias.
Iniciada
no final do governo de Getúlio Vargas, em 1945, a redemocratização brasileira
viabilizou o multipartidarismo, com o que se reproduziram também em Santa
Catarina, além do PSD e da UDN, que reuniram as famílias oligarcas e a maioria
dos novos burgueses, mais o PTB, o PDC, o PSP, o PRP e PL. A partir daí, a cada
eleição, observava-se que os pequenos partidos buscavam escorar-se nos dois
maiores e tendiam para coligações6. Na
prática política, os grupos oligárquicos reunidos nos dois partidos dominantes,
quando não faziam alianças entre si, buscavam coligações com os partidos
menores, sempre objetivando sua manutenção no poder. Neste tempo, com o
crescimento populacional sinalizando a necessidade de maior escolaridade, com
os candidatos e eleitos recebendo forte pressão popular, a promessa de criação
de escolas públicas – a par de outras reivindicações – transformou-se em nova
moeda de troca por votos e, com isso, muitos estabelecimentos oficiais de
ensino abriram suas portas.
Em outubro de 1965, a ditadura militar promoveu a
extinção dos partidos vigentes e instituiu o bi-partidarismo no ano seguinte,
quando então todos os políticos catarinenses tiveram que se alinhar em torno de
duas únicas opções: a favor (Aliança Renovadora Nacional - ARENA) ou contra os
militares (Movimento Democrático Brasileiro - MDB). No interior da ARENA, após
1967, as oligarquias estaduais conseguiram manter-se e revezar-se no poder
estadual, pois o fenômeno do neocoronelismo foi reproduzido e fortalecido nas
bases municipais, com o papel do “neocoronel” sendo exercido pelas elites das
burguesias dos antigos “currais” e “pátios”, principalmente os grandes
industriais e comerciantes, alinhados à nova situação.
O
Município com maior índice de analfabetismo em 1950 era Curitibanos (57,3%),
seguido de Campos Novos (55,5%), justamente os dois mais antigos, que tinham a
mais baixa densidade demográfica e onde não houve colonização. Na outra ponta,
Piratuba, em área do Vale do Rio do Peixe colonizada por imigrantes alemães a
partir do início do Século XX, e município emancipado somente em 1948,
apresentou o menor índice de analfabetos (33,0%) da região.
Neste quadro, não mais sendo possível manter a
situação de penúria no campo educacional, principalmente no interior do Estado,
em 1970, o Governo implantou ampla nova Reforma do Ensino, orientado pelo seu
primeiro Plano Estadual de Educação, aprovado em 1969, sendo que, em 1972, o
planejamento foi adaptado à Lei Federal nº 5.692/71, a partir do que a Escola
Pública, no Contestado, entrou em outra – e nova – fase histórica, com
profundas mudanças em relação ao tempo anterior.
ASSUMPÇÃO, Herculano Teixeira de. A Campanha do
Contestado. v. I e II. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1917 e 1918.
CONSELHO
ESTADUAL DE EDUCAÇÃO. Santa Catarina: Diagnóstico da Educação. v. 1.
Florianópolis: CEE/SC, 1993.
FIORI,
Neide Almeida. Aspectos da Evolução do Ensino Público. Ensino Público e
Política de Assimilação Cultural no Estado de Santa Catarina nos Períodos
Imperial e Republicano. Florianópolis:
SEE/SC, 1975.
LEMOS, Zélia de Andrade. Curitibanos na História
do Contestado. Florianópolis: Governo do Estado, 1977.
LUCIANO, Fábia Liliã. Gênese e Expansão do
Magistério Público na Província de Santa Catharina nos anos de 1836-1889.
Campinas: UNICAMP, 2001 (Tese de Doutorado em Educação).
RIBEIRO,
Maria Luísa S. História da Educação Brasileira; a Organização Escolar. 5
ed. São Paulo: Moraes, 1984.
ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil. 11 ed. Petrópolis: Vozes, 1989.
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Contribuição ao Estudo da Formação Política da Região do Contestado em Santa
Catarina – da Proclamação da República à Redemocratização de 1946.
Dissertação de Mestrado. Universidade do Contestado. Caçador: 2001.
THOMÉ, Nilson. A Política no Contestado.
Caçador: UnC, 2002.
THOMÉ, Nilson. Primeira História da Educação
Escolar no Contestado. Caçador: UnC, 2002.
1 Os curitibanos e seus sucessores, os paranaenses, ambos
também com raízes paulistas, dominaram a região até 1917, quando o Paraná e
Santa Catarina repartiram-na para evitar mais derramamento de sangue nas
disputas por fronteiras.
2 Como os padrões culturais de São Paulo predominavam no Sul
do Brasil, assim, para a Região do Contestado, praticamente tudo vinha
diretamente dos paulistas, e indiretamente dos curitibanos.
3 Com a morte de Hercílio Luz, substituíram-no, o seu
filho, Abelardo Luz, e seu secretário, Adolpho Konder, que mantiveram o comando
desta ala do PRC e do poder estadual até a Revolução de 1930.
4
Filho de Belizário Ramos e primo de Nereu Ramos.
5 O
relatório do Coronel Marcos Gonçalves de Farias, concluiu afirmando que uma das
grandes causas do movimento dos fanáticos “foi sem dúvida a falta de instrução
dos sertanejos” e finaliza com o desejo de que “também o nosso município possa
fruir os benefícios da instrução pública mais desenvolvida já que por toda
parte se levantam Grupos Escolares e Escolas Reunidas às Isoladas”, etc.
Registre-se aqui que, apesar do fanatismo, apesar dos pedidos dos
curitibanenses, não houve da parte do governo do Estado, nenhum esforço a mais
para melhorar a instrução pública, nem outros setores da administração deste
município (LEMOS, op. cit., p. 183).
6
Com isto, contribuíam para a sustentação e fortalecimento das oligarquias,
agora com os irmãos Nereu e Celso Ramos de um lado (PSD) e as famílias Konder e
Bornhausen do outro (UDN).
RESUMO: A escola pública, de instrução primária, no Centro-Oeste do Estado de Santa Catarina, no Século XX, praticamente inexistiu até o tempo da Guerra do Contestado (1913-1916) e, em seguida, sua evolução esteve atrelada ao coronelismo e ao neocoronelismo.
PALAVRAS-CHAVE: Santa Catarina. História do Contestado. Coronelismo. Educação.
* Nilson Thomé é professor de História de Santa
Catarina e de História do Contestado na Universidade do Contestado, de Caçador
(SC). Técnico em Magistério, Licenciado
em História, Especialista em História do Brasil, Mestre em Educação, e
Doutorando em Educação (História, Filosofia e Educação) na FE/Unicamp.
Historiador e Diretor do Museu Histórico e Antropológico da Região do
Contestado, de Caçador (SC).
e-mail: nilson@conection.com.br
Nota:
Este texto corresponde à Comunicação apresentada na II Jornada do
HISTEDBER Região Sul “A Produção em História da Educação”, em Ponta Grossa
e em Curitiba (PR), de 8 a 11 de outubro de 2002.