CONSIDERAÇÕES SOBRE MODERNIDADE, PÓS-MODERNIDADE E GLOBALIZAÇÃO NOS FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO NO CONTESTADO

 

Nilson Thomé *

 

1 - Introdução

 

Neste breve ensaio, em que apreciaremos as temáticas da pós-modernidade e da globalização, em parte associadas à educação, esta última aqui referenciada como o ensino básico público, tentaremos analisar os temas, articulando-os com nossos projetos de pesquisas, dirigidos para a construção da “História do Contestado”, com ênfase em Educação, que têm o tempo histórico voltado para o que seria o da modernidade no Brasil, assim antecedendo ao que se denomina de tempos pós-modernos, antes, pois, da globalização.

Na dualidade de interesses, entre o da política de expansão do capitalismo, que busca mão-de-obra habilitada, preparada, qualificada tecnicamente, volumosa e de baixo custo, e o da política humanista, de valorização do ser humano a par das habilidades manuais, que objetiva a formação integral do homem, notamos que no interior de Santa Catarina, na Região do Contestado[1], neste tempo de globalização que marca o início do século XXI e a entrada do terceiro milênio, a modernidade é inconclusa, ou seja, nas condições precárias em que se encontra, a educação básica escolar pública ainda não saiu do período histórico que entendemos ser o da modernidade, não podendo, pois, estar no estágio da pós-modernidade, patamar este que abrigaria, no máximo, algumas instituições de educação superior.

 

2 -Pós-modernidade

 

         Perry Anderson[2] explica que a idéia de um “pós-modernismo” teria surgido pela primeira vez na década de 1930, no mundo hispânico, uma geração antes do seu aparecimento na Inglaterra ou nos Estados Unidos. Então, Frederico de Onís teria empregado o termo postmodernismo para descrever um refluxo conservador dentro do próprio modernismo. A idéia de um estilo “pós-moderno” entrou para o vocabulário da crítica hispanófona, mas não teve maior ressonância, até vinte anos depois, em seguida a Segunda Guerra Mundial. Em 1954, no oitavo volume sobre “Study of History”, Arnold Toynbee usou a expressão “idade pós-moderna” para definir a época iniciada com a guerra franco-prussiana. Adiante no tempo, entre outros, o termo foi usado com importância circunstancial, por Charles Olson, por Wright Mills e outros, mas somente ganhou difusão mais ampla a partir dos anos 1970. A primeira abordagem filosófica, segundo Anderson, aconteceu em 1979, em “A Condição Pós-Moderna”, de J. F. Lyotard.

Para o Prof. José Luis Sanfelice, no capítulo “Pós-modernidade, Globalização e Educação [3], Lyotard considerou a chegada da pós-modernidade ligada ao surgimento de uma sociedade pós-industrial, na qual o conhecimento tornara-se a principal força econômica da produção, tratando a pós-modernidade como uma mudança geral na condição humana.

 

Com a “Condição Pós-moderna”, Lyotard anunciou o eclipse de todas as narrativas grandiosas. Aquela cuja morte ele procurava garantir acima de tudo era, claro, a do socialismo clássico, mas também incluiu a redenção cristã, o progresso iluminista, o espírito hegeliano, a unidade romântica, o racismo nazista e o equilíbrio econômico (SANFELICE, op. cit., p. 4).

 

Já Holgonsi Soares Gonçalves Siqueira[4] escreveu que o contexto histórico pós-moderno (ou, a condição pós-moderna) caracteriza-se por profundos desenvolvimentos e transformações que estão acontecendo no campo tecnológico, na produção econômica, na cultura, nas formas de sociabilidade, na vida política e na vida cotidiana. Nesta nova realidade social, precisamos nos apropriar de novos conceitos e categorias que se tornaram imprescindíveis para a compreensão das atuais configurações e seus movimentos, e para tomadas de decisão.

Em seus discursos - Jünger Habermas, “Modernidade: um projeto incompleto” (1980) e Fredric Jameson (1982) - conferiram ao termo “pós-modernidade” o referencial que chega aos nossos dias, de um fenômeno que expressa, dentre outras coisas, uma cultura de globalização e da sua ideologia neoliberal. A base material da pós-modernidade seria, assim, a globalização econômica, com todas as implicações que este fenômeno vem significando para as sociedades ou mesmo para os sujeitos. “Impõe-se, como se fossem absolutos e daqui em diante eternizados, a pós-modernidade, a globalização, a lógica de mercado e o neoliberalismo que, apesar das posturas pós-modernas, é sua proporia grande narrativa” (SANFELICE, op. cit., p. 7).

Como fenômeno do período do tempo histórico atual, a pós-modernidade abre um leque de discussões sob as mais diversas égides do pensamento. Por exemplo, tratando de pós-modernismo e movimentos populares, em seu texto “Pós-modernismo, feminismo e Marx”, Carol Stabile[5] faz pesadas críticas aos pós-modernistas, ao europeu Jean-François Lyotard, por exemplo, pelas manifestações de que o marxismo, tal como o iluminismo, culminou no stalinismo devido aos seus ímpetos totalizantes, identificando o marxismo com os mais variados tipos de opressão, como o ocorrido no sistema soviético, quanto a norte-americana Linda Nicholson, à vista do seu juízo de valor de que o marxismo teria usado categorias generalizadoras de produção e classe para deslegitimar a reivindicação de minorias. Para ela, observa-se uma visão apocalíptica pós-moderna da sociedade por intelectuais que se separaram da realidade. Ela estuda esta tendência não apenas como uma abstração intelectual, mas como um fenômeno histórico e batida em retirada da política pelos intelectuais.

 

Sejam bem-vindos ao pós-modernismo: ao mundo do espetáculo da mídia, do sumiço da realidade, do fim da história, da morte do marxismo e de um grande número de outras alegações deste milênio [...]. A sociedade aproximou-se da beira do mundo agora nivelado, alegam os pós-modernistas, e a única coisa que conseguimos saber com certeza é que não podemos compreender o que nos levou para lá ou o que existe abaixo de nós, no abismo (STABILE, 1999, p. 146).

 

Para Stabile, o pós-modernismo é imprecisamente identificado como uma época histórica – a sociedade pós-industrial, pós-fordista ou mesmo pós-capitalista – onde o consumo passou à frente da produção, tornando a luta de classe (sociedade dividida entre trabalhadores e capitalistas) um conceito obsoleto, fazendo com que “as pessoas não se identificam mais como classe, mas sim, através de identidades mais particulares, ou seja, de pequenos grupos” (op. cit., p. 147). Na sua apreciação entre a pós-modernidade e os movimentos populares, ela entende que os princípios totalizantes, da modernidade e do iluminismo, incluindo apelos à racionalidade, progresso, humanidade e justiça, e mesmo à capacidade de representar a realidade, foram fatalmente solapados na ótica pós-modernista.

As relações entre modernismo e pós-modernismo são ambíguas. O individualismo atual, por exemplo, nasceu com o modernismo, mas o seu exagero narcisista é um acréscimo pós-moderno. O homem de antes, produto da civilização industrial, mobilizava as massas para as amplas lutas políticas; o homem de agora, presente na sociedade pós-industrial, dedica-se às minorias – sexuais, raciais, culturais – e, por isso mesmo, atua apenas no micro-cosmos do cotidiano.

Para Aijaz Ahmad, “temos que tratar o pós-modernismo estético como um estilo cultural norte-americano no momento de sua globalização e, portanto, irrecuperavelmente ligado a certa tendência hegemônica que é imperialista em suas próprias origens” (In: WOOD & FOSTER, 1999, p. 63). Nesta mesma obra, aqui referenciada, em outro capítulo, Terry Eageton expõe que

 

o pós-modernismo conta com várias fontes - o modernismo propriamente dito; o chamado pós-industrialismo; a emergência de novas e vitais forças políticas; o recrudescimento da vanguarda cultural; a penetração da vida cultural pelo formato mercadoria; a diminuição de um espaço autônomo para a arte; esgotamento de certas ideologias burguesas clássicas, e assim por diante (op. cit., p. 29).

 

O ficcionista, poeta e ensaísta paranaense, Jair Ferreira dos Santos[6], entende que o pós-modernismo é um ecletismo, isto é, mistura várias tendências e estilos, abrigados sob o mesmo nome. Para ele, o pós-modernismo não tem unidade; é aberto, plural e muda de aspecto se passamos da tecno-ciência para as artes plásticas, da sociedade para a filosofia. “Inacabado, sem definição precisa, eis por que as melhores cabeças estão se batendo para saber se a ‘condição pós-moderna’ – mescla de purpurina com circuito integrado – é decadência fatal ou renascimento hesitante, agonia ou  êxtase. Ambiente? estilo? modismo? charme?”. O autor trata o pós-modernismo como um “fantasma”, destacando que ele invadiu nosso cotidiano com a tecnologia eletrônica de massa e individual, visando à sua saturação com informações, diversões e serviços. Na presente era da informática, que é o tratamento computadorizado do conhecimento e da informação, lida-se mais com signos do que com coisas. Para ele, o motor à explosão detonou a revolução moderna há um século e, agora, o chip, um microprocessador com o tamanho de um confete, está mostrando o réu pós-moderno, com a tecnologia  programando cada vez mais o nosso dia-a-dia. Sobre o fantasma do modernismo, Jair escreve que:

 

Na economia, ele passeia pela ávida sociedade de consumo, agora na fase do consumo personalizado, que tenta a sedução  do indivíduo isolado até arrebanhá-lo para sua moral hedonista – os valores calcados no prazer de usar bens e serviços. A fábrica, suja, feia, foi o templo moderno; o shopping, feérico em luzes e cores, é o altar pós-moderno. O pós-modernismo ameaça encarnar hoje estilos de vida e de filosofia nos quais viceja uma idéia tida como arqui-sinistra: o niilismo, o nada, o vazio, a ausência de valores e de sentido para a vida. Mortos Deus e os grandes ideais do passado, o homem moderno valorizou a Arte, a História, o Desenvolvimento, a Consciência Social para se salvar. Dando adeus a essas ilusões, o homem pós-moderno já sabe que não existe Céu nem sentido para a História, e assim se entrega ao presente e ao prazer, ao consumo e ao individualismo. Sublinhamos até aqui palavras que são verdadeiras senhas para invocar o fantasma pós-moderno: chip, saturação, sedução, niilismo, simulacro, hiper-real, digital, desreferencialização, etc. Dificilmente elas serviriam para descrever o mundo de 30 ou 40 anos atrás, o mundo moderno, quando se falava em energia, máquina, produção, proletariado, revolução, sentido, autenticidade. Mas se a pós-modernidade significa mudanças com relação à modernidade, o fato é que não se pode dispensar o aço, a fábrica, o automóvel, a arquitetura funcional, a luz elétrica, conquistas associadas ao modernismo. Assim, no fundo, o pós-modernismo é um fantasma que passeia por castelos modernos [negrito nosso] (op. cit.).

   

Em outro artigo publicado na imprensa[7], Holgonsi Soares Gonçalves Siqueira revela seu entendimento de que a sociedade pós-moderna é, por excelência, a sociedade globalizada, e, nesta, o que chamamos de cultura global caracterizaria-se pela diversidade e não pela uniformidade. “Nesta sociedade, o pluralismo cultural não se restringe mais a centros específicos, os quais, devido ao isolamento geográfico permitiam que os conflitos resultantes do choque e da hostilidade ao Outro, fossem resolvidos pelo enraizamento da tradição” (SIQUEIRA: in: "A Razão", 27. set. 2001). Para Holgonsi, “formavam-se espaços harmônicos, sempre idênticos a si mesmos, pois não entravam estranhos (ou então esta entrada era muito dificultada, e o Outro era visto sempre como suspeito); os relacionamentos e os compromissos eram estabelecidos face a face, e o fluxo de pessoas bastante limitado” (op. cit.).

Num tempo-espaço comprimido pelos novos meios de transportes e das novas tecnologias de informação e comunicação, intensificaram-se os fluxos de informação e de pessoas (agora ameaçado), colocando todos em contato com todos, e principalmente com diferentes maneiras de viver, pensar e sentir a vida. Por isto, na globalização, o pluralismo cultural é recolocado sob a forma de redes (assim como o terrorismo), e cada espaço transforma-se numa rede de relações sociais altamente complexa, num entrelaçar cada vez mais intenso de diferentes culturas. Citando U. Hannerz, diz Holgonsi que, no mundo-como-um-todo, “as culturas, ao invés de ficarem facilmente isoladas umas das outras como peças de um mosaico com a orla compacta, tendem a sobrepor-se e a misturar-se”. Assim, “os choques de valores, opiniões, perspectivas e pautas de ação dos indivíduos ou de uma coletividade, só podem ser resolvidos através do diálogo ou da força” (op.cit.).

Em contraposição aos que aceitam o rótulo de “pós-modernidade” para os tempos atuais, há vozes discordantes. Bem recentemente, o pensador turboniilista[8] que inspirou a trilogia cinematográfica “Matrix”, o francês Jean Baudrillard, em entrevista a Luís Antônio Giron, falando sobre suas idéias, consideradas avançadas, ou pós-modernas, disse claramente que “hoje o pensamento é tratado de forma irresponsável. Tudo é efeito especial. Veja o conceito de pós-modernidade. Ele não existe, mas o mundo inteiro o usa com a maior familiaridade. Eu próprio sou chamado de pós-moderno, o que é um absurdo”. Adiante na entrevista, perguntado se a pós-modernidade não é um conceito teórico racional, respondeu que “a noção de pós-modernidade não passa de uma forma irresponsável de abordagem pseudo-científica dos fenômenos. Trata-se de um sistema de interpretações a partir de uma palavra com crédito ilimitado, que pode ser aplicada a qualquer coisa. Seria piada chamá-la de conceito teórico” (In: Revista Época, 9 jun. 2003, p. 26).

 

Globalização

 

Agora, abordaremos a conceitualização do termo “globalização”, vendo que esta palavra se refere, entre outras explicações, também a um novo tempo histórico, uma situação sócio-econômica e político-cultural que assinala um momento – o atual – da história da humanidade, que não pode ser negado. Assim, o termo “pós-modernismo” pode ser entendido como uma nova condição para a humanidade, ela que, na evolução e na renovação, para se superar constante, não precisa deixar de ser moderna.

Encarando os vínculos do pós-modernismo com a globalização, consideramos o escrito de Octávio Ianni[9], para quem o globalismo é problemático e contraditório, pois “engendra e dinamiza relações, processos e estruturas de dominação e apropriação, de integração e fragmentação”, tanto que, para ele, este globalismo provoca tensões, antagonismos, conflitos, revoluções e guerras, ao mesmo tempo em que propicia a criação de movimentos sociais de vários tipos, destinados a recuperar, proteger ou desenvolver as condições de vida e trabalho das mais variadas categorias sociais e minorias, além e por sobre localismos, provincianismos nacionalismos e regionalismos.

         Sendo a globalização econômica a base material da pós-modernidade, como entende Sanfelice, indicando a irrupção de uma novidade absoluta no cenário da economia e da política mundiais, relevamos Ianni, que nos alerta para que a ruptura histórica promovida pelo globalismo (ou globalização), é a mesma ruptura epistemológica que abala os quadros sociais e mentais de referência, assim, abalando os significados e as conotações do tempo e espaço, da geografia e história, do passado e presente, da biografia e memória. Sendo assim, a globalização nos induz à pós-modernidade – ou vice-versa – no registro de mudanças profundas e de aceleração do processo de internacionalização (ou mundialização) do capitalismo. Na mesma direção, Milton Santos tem que a globalização “é de certa forma, o ápice do processo de internacionalização do mundo capitalista” (SANTOS, 2003, p. 23).

Lembra-nos Milton Santos (op. cit., p. 33) que a história do capitalismo pode ser dividida em períodos, ou seja, em pedaços de tempo marcados por certa coerência entre as suas variáveis significativas, que evoluem diferentemente, mas sempre dentro de um mesmo sistema. Ele esclarece que um período sucede a outro, e que os períodos são antecedidos e sucedidos por crises, isto é, momentos em que a ordem estabelecida é comprometida. O período atual do capitalismo, devido à grande concentração do capital e do poder, ao aprofundamento da competitividade, à produção de novos totalitarismos, à confusão dos espíritos, diminuição do poder de Estado e o empobrecimento das massas, seria, entretanto, ao mesmo tempo um período histórico e uma crise real econômica, social, política e moral, daí porque a época atual mostra-se, para nós, como “coisa nova” e esta novidade tem o nome de “globalização”.

Para José Claudinei Lombardi, globalização e pós-modernidade não são “concepções”, mas sim, “movimentos”. Como “movimento em curso”, a globalização não caracteriza “a morte da modernidade”, mas está marcando a superação do moderno. Entende o autor que

 

pela noção de globalização pretende-se caracterizar a vida num mundo global que tende ao rompimento ou à dissolução das fronteiras, das economias, das culturas e das sociedades. A palavra pós-modernidade vai na mesma direção e está a expressar essa nova condição global da humanidade, pela qual superou-se a modernidade as crenças dela decorrentes, como razão, objetividade, totalidade e resoluções (2001, p. XXIII).

 

Acreditando na força das idéias, Milton Santos[10] nos induz a uma profunda reflexão sobre o papel da ideologia na produção, disseminação, reprodução e manutenção da globalização atual. Ele aborda a apresentação da globalização, primeiro, como fábula (o mundo tal como nos fazem vê-lo), depois como perversidade (o mundo tal como ele é) e, enfim, como possibilidade (o mundo como ele poderá ser). Neste contexto, entende que poderá haver significativas mudanças nos caminhos da globalização.

O fenômeno da globalização é um fenômeno internacional do capital financeiro, um processo sem volta, pelo que se observa hoje. Seus efeitos sobre a economia - nacional e internacional - são instantâneos, isto é, acontecem em tempo real. Envolvendo o comércio mundial, há uma nova ordem estabelecida, marcada pela diversificação dos meios de transportes, pelo rápido avanço das telecomunicações, satélites, computadores e internet, fibra óptica, e tudo o mais que as novas tecnologias proporcionam à velocidade dos negócios e à comunicação entre os seres humanos.

A globalização vem sendo entendida como o sinal dos tempos pós-modernos, ou seja, uma fase da história que está depois do moderno, como se estivéssemos vivenciando um novo período histórico, posterior ao da modernidade, sem laços com o primeiro. O termo globalização é mais utilizado no sentido ideológico, enfocado num processo de integração econômica que está sob a égide de um macro-capitalismo e do neoliberalismo, este caracterizado pelo predomínio dos interesses financeiros, pela desregulamentação dos mercados, pelas privatizações das empresas estatais e pelo abandono do estado de bem-estar social. Muitos críticos acusam a globalização de ser responsável pelos impedimentos de ascensão dos excluídos socialmente, pela intensificação da exclusão social, com o aumento da classe proletária, representada pelo grande número de pobres e de desempregados e, de provocar sucessivas crises político-econômicas, que prejudicam e até arruinam pequenos empreendimentos nos mais diversos países onde seus efeitos se fazem sentir.

Por outro lado,

        

Enquanto que no passado os instrumentos da integração foram a caravela, o galeão, o barco à vela, o barco a vapor e o trem, seguidos do telégrafo e do telefone, a globalização recente se faz pelos satélites e pelos computadores ligados na Internet. Se antes ela martirizou africanos e indígenas e explorou a classe operária fabril, hoje utiliza-se do satélite, do robô e da informática, abandonando a antiga dependência do braço em favor do cérebro, elevando o padrão de vida para patamares de saúde, educação e cultura até então desconhecidos pela humanidade.

O domínio da tecnologia por um seleto grupo de países ricos, porém, abriu um fosso com os demais, talvez o mais profundo em toda a história conhecida. Roma, quando império universal, era superior aos outros povos apenas na arte militar, na engenharia e no direito. Hoje os países-núcleos da globalização (os integrantes do G-7), distam, em qualquer campo do conhecimento, anos-luz dos países do Terceiro Mundo. Ninguém tem a resposta nem a solução para atenuar este abismo entre os ricos do Norte e os pobres do Sul que só se ampliou[11].

 

Pode ser que, seguindo o seu curso natural, a globalização poderá enfraquecer cada vez mais os estados-nacionais, ou lhes dar novas formas e funções, fazendo com que novas instituições, supra-nacionais, gradativamente os substituam.

 

3 - Educação Básica Pública

 

Maria de Fátima Felix Rosar[12] revela que, neste tempo insinuado como sendo de pós-modernidade, o processo de globalização mascara as relações de desigualdade entre os países centrais e os países periféricos, provocando o afastamento do Estado das suas responsabilidades primárias, entrando num contexto de Estado “minimalista”, dependente das políticas dos países “ricos”. Para ela, “é esse modo de inserção subordinada do país na economia internacional que vem aprofundando a adoção de uma política neoliberal, em que se acentua a ênfase na desregulamentação dos mercados, na abertura comercial e financeira, na privatização do setor público e na redução do Estado...” (ROSAR, 2001, p. 65).

         Já Maria Abadia da Silva (2002, p. 12-13) denuncia que, para desenvolver a Educação, o Brasil busca créditos junto ao Banco Mundial e que, segundo essa política, os créditos concedidos à educação são frações dos créditos econômicos, onde, parte deles, deve ser destinada aos projetos educacionais aprovados segundo critérios do próprio Banco Mundial. Entende a autora que, neste contexto, o governo federal e os estaduais enfrentam a tarefa de reorganizar a educação básica pública, nem sempre conforme a realidade nacional, mas sempre com o propósito de ajustá-la, não só às novas demandas sociais de interesse dos financiadores, mas, sobretudo, à realidade político-econômica, tal como ela é ditada pelo organismo internacional.

 

Através dos ministérios e das secretarias de educação, os governos deliberam sobre a educação nacional, definindo seu sentido, finalidade, forma, conteúdos e imprimem a direção que possa legitimar o modelo econômico e político vigente. Na prática, o que ocorre é o confronto entre as forças da sociedade civil e as forças políticas e econômicas nacionais e internacionais dirigentes na prescrição das políticas para a educação básica pública no país (SILVA, op. cit., p. 13).

 

Dentro da ordem capitalista, são conhecidas as diretrizes das políticas neoliberais do Banco Mundial - BID e do Fundo Monetário Internacional - FMI, às quais devem submeter-se os governos que recorrem aos créditos – como é o caso do Brasil e da quase totalidade dos países da América Latina – que vinculam a educação ao mercado. Ao contrário do entendimento de que a educação publica básica deveria ser entendida como serviço público, os neo-liberais da atualidade atribuem ao mercado, ou seja, ao setor privado, a oferta dos serviços públicos educacionais, mais os de saúde e previdência social, que, nesta ordem capitalista, são ofertados como mercadorias.

A respeito da Educação, vemos aqui, também, o entendimento de Maria de Fátima Felix Rosar, de que, pela tática de “descentralização”, dentro das intenções da globalização”, o governo central joga para os Estados e Municípios as responsabilidades pela condução do sistema educacional, com o que justifica a redução dos investimentos da União em educação.

 

O modelo de descentralização em processo de implantação, por sua característica de flexibilização e fragmentação, distancia ainda mais a possibilidade de implementação de um Plano Nacional de Educação que viabilize um sistema de educação integrado, sob a administração da esfera municipal e controle da sociedade civil organizada em fóruns e conselhos municipais. A tão propalada autonomia, ao isolar cada unidade escolar em relações de competitividade pelo acesso aos recursos, via resultados quantitativos de rendimento, compromete a formação de coletivos para a discussão sobre a política educacional global, que possibilitasse envolver de forma articulada os três níveis de ensino. (ROSAR, op. cit., p. 70).

 

Idêntico é o pensamento de Maria Abadia da Silva, para quem, quanto à centralidade da educação pública nas políticas destinadas à economia, a tônica no país tem sido o encaminhamento da educação em conexão com as alterações e políticas de ordem nacional e internacional.

 

Essa prática política fundada na centralidade e nos diferentes graus de autoritarismo, permitiu ao Estado não só ampliar a sua esfera de intervenção e regulamentação, mas também gerar e gerir novos instrumentos de ação e de poder. O Estado, no Brasil, tem a prática de utilizar instrumentos constitucionais e políticos, apoiando-se no discurso da descentralização, mas o que de fato realiza, são processos de recentralização e consolidação dos redutos de poder (op. cit.,  p. 16).

 

Se desenvolvimento depende do conhecimento e este é um fenômeno educacional, notamos que, em nosso país, as amarras da política econômica nacional com o Banco Mundial, o BIRD e o FMI, sem levar em conta as demandas sociais, e sem resistências, promovem a dependência da produção e da difusão do conhecimento e, por conseguinte, a dependência do desenvolvimento, ou do ritmo deste desenvolvimento, assim distanciando a possibilidade de crescimento dos anseios e perspectivas da sociedade civil.

Nos países integrantes das sociedades pós-modernas, ou pós-industrializadas, vê-se a importância que é dada ao bem-estar da pessoa, a educação de qualidade para todos, a abordagem mais pragmática e mais humanista dos problemas sociais, a prioridade à qualidade de vida, os investimentos cada vez maiores na área da informação tecnológica, seja no campo da coleta de dados ou no controle da circulação do conhecimento adquirido, o que não é o caso do Brasil ou, pelo menos, da Região do Contestado, em Santa Catarina. A possibilidade de aquisição exclusiva de informação tecnológica e a capacidade de pôr em prática os conhecimentos obtidos, é que determinam o poderio econômico das nações. Nestas novas sociedades, o conhecimento assume sempre mais o papel de mercadoria, já que depende dele a possibilidade de criação de novos produtos e novos conhecimentos. Bancos e bases de dados passam a ser as maiores riquezas que um país pode ter. Fatores de produção, como matéria-prima e manufaturados, são relegados a um segundo plano e não são mais decisivos na competição mercadológica.

Segundo Vânia Araújo[13], a informação científica se transformou em um instrumento de dominação das nações detentoras de poderio tecnológico dos países cêntricos sobre os paises periféricos. Para ela, os países cêntricos, que já detêm cerca de 95% da produção científica mundial, através de uma ampla gama de leis de proteção à propriedade industrial e de limitação do intercâmbio do saber científico, vêm cerceando ainda mais o acesso ao conhecimento técnico como meio de garantir as suas posições de hegemonia. Segundo a mesma autora, agora em “Informação: instrumento de dominação e submissão”,

 

é urgente que países em desenvolvimento como o Brasil comecem a priorizar a área do conhecimento, da educação e da ciência para que possam obter melhores chances de competição na nova conjuntura mundial. Os países em desenvolvimento devem não só procurar coletar a informação de forma rápida e eficiente (através de bancos de dados informatizados), como também aplicá-la a serviço de seus desenvolvimentos sócio-econômicos. Conseqüência lógica é o agravamento da situação de submissão em que os países periféricos se encontram. É uma nova divisão internacional do trabalho que se concretizou no mundo atual: baixo custo de mão de obra, disponibilidade de matéria prima, etc, deixaram de ser “os” fatores decisivos na obtenção dos menores custos globais de produção (ARAÚJO, 1991, p. 37-44).

 

Voltemos a Lyotard, para destacar que, entre os vários pontos negativos da sociedade pós-moderna, com repercussões em todos os aspectos de nossa vida, está a maneira como a performance vem sendo considerada. O sistema atual, na busca de uma maior performance (desempenho), exige que as pessoas “sejam operacionais (isto é, comensuráveis) ou desapareçam” (Lyotard). Aqueles que por algum motivo (idade, renda, saúde...) não estiverem atendendo às exigências de performance, ora impostas, são desprezados pelo sistema, e neles nada se investe.

No texto “A performance sob uma lógica tecnicista” (2000), Holgonsi Soares Gonçalves Siqueira mostra que as relações econômicas, políticas, sócio-culturais e tecnológicas, são todas performativas, pois, reduzidas à sua operacionalidade, são instrumentos para otimização da performance do sistema social, formando-se uma rede hipertecnicista de performatividade. Para a reprodução desta rede, as práticas educacionais têm um importante papel, que é o de “fornecer ao sistema jogadores capazes de preencher de forma aceitável seus papéis nos postos pragmáticos exigidos por suas instituições” (Lyotard).

Neste sentido, Holgonsi entende que a ciência passa a ser uma força de produção, estando associada mais ao desejo de “enriquecimento” do que o de "saber". Como resultado, o investimento em pesquisa é voltado para aquelas áreas que dão lucro, ou seja, prioridade aos estudos voltados para as “aplicações”; enquanto isto, “os setores de pesquisa que não podem pleitear sua contribuição à otimização das performances do sistema, são abandonados pelos fluxos de créditos e fadados à obsolescência” (Lyotard). Sob o viés do ensino, “questões políticas e sócio-culturais capazes de contribuir para a autonomia do indivíduo, deixam de ter sentido” (SIQUEIRA, in: “A Razão” em 01 jun. 2000).

Ao lado da economia, da política, do social, da religião, do trabalho e de outras representações culturais, a educação é um objeto aberto ao estudo da sociedade brasileira. A pesquisa sobre a História da Educação Básica Pública está a revelar a preocupação em se recuperar o passado da Educação, de quando este sistema estava voltado para a instrução do indivíduo e sua inserção num modelo nacional mais antigo, ou anterior ao modelo globalizado que vivenciamos, assim possibilitando, não apenas a compreensão da evolução, mas a comparação entre a situação-ontem e a realidade-hoje.

 

Conclusão

 

         Em nossos trabalhos, precisamos interpretar a realidade educacional a partir da compreensão da totalidade do conhecimento e da singularidade do saber adquirido, assim valorizando os princípios do marxismo nos estudos históricos, para compreender o papel do homem na atualidade do mundo globalizado - que está aí, frente aos nossos olhos - e em tempos de crise da modernidade, sem que, para tal, necessitemos obrigatoriamente aderir aos princípios massacrantes da globalização ou de nos rotularmos de pós-modernos. No caso específico da construção da nossa “História da Educação Escolar no Contestado”, tentamos encontrar - ao menos no nível regional - os marcos referenciais que vinculam a realidade da educação básica de ontem e de hoje com os procedimentos da globalização.

         Nosso trabalho acompanha um movimento cultural, ainda pouco perceptível, de reação à sociedade do tipo “globalizada”, que surge para recuperar, na sua pureza, o conceito de cultura nacional autônoma, com relevância às culturas locais, num período em que convivem fenômenos de cultura de massa muito próximos do imperialismo cultural americano e uma pesquisa refinada das fontes populares. O movimento foi muito bem observado pelo intelectual Alfredo Bosi – autor de “A Dialética da Colonização”, entre outras obras – que, em entrevista a Rinaldo Gama, publicada sob o título “Poesia como resposta à opressão”, diz que

 

Em vez de falarmos em identidades nacionais globais, o que não deixaria de ser também um viés ideológico, hoje procuramos, dentro da vida popular, a sua pluralidade, a sua riqueza. Estão aí os movimentos religiosos, movimentos de cultura ecológica, movimentos femininos - o que a gente sente é que há um despertar de consciência que propõe formas especiais de suas experiências particulares, que não querem se submeter a essa rotina de cultura de massas.

O conceito de identidade nacional está há tempos em crise e foi substituído por duas forças opostas e contemporâneas: pela globalização, que não tem pátria (esse é o lado que eu chamaria de negativo do processo) e, positivamente, pelo aprofundamento das vivências populares (In: Revista Pesquisa Fapesp, maio 2003, p. 87).

 

         Sempre ganhando novas formas, o movimento de reação à globalização – e, por conseguinte, de negação de todo tipo de visões globais – é algo que não pode ser visto como uma novidade, pois vem sendo posto como previsível desde quando surgiu o conceito de “aldeia global”, para referenciar a sociedade globalizada, aqui entendida como aquela que reúne os contrastes, de um lado, as nações cêntricas, dos dominadores, colonizadores e ricos e, do outro lado, as nações periferias, respectivamente, dos dominados, colonizados e pobres, estes sempre sujeitos àqueles.

         Após a tomada de consciência sobre os momentos de crise em que vivemos, nesta mudança de períodos históricos, será possível a antevisão sistêmica de novos paradigmas, a inserção do mundo numa “nova globalização”, rotulada ou não de pós-moderna, com uma outra percepção da história, incluindo, como expõe Milton Santos, “uma apreciação filosófica da nossa própria situação junto à comunidade, à nação, ao planeta, juntamente com uma nova apreciação de nosso próprio papel como pessoa” (op. cit., p. 169). Para Santos, “se a realização da história, a partir dos vetores ‘de cima’, é ainda dominante, a realização de uma outra história a partir dos vetores ‘de baixo’ é tornada possível” (p. 166) e, esta possibilidade, é a que antevemos para construir uma história renovada.

A pós-modernidade tem sido alvo de críticas de muitos intelectuais, principalmente  marxistas contemporâneos, que não se aceitam como incluídos na rotulagem de “pós-marxistas” por considerarem que o marxismo está vivo e não há por que serem alvos dos defensores de um novo período da modernidade. Em “O Capital”, Marx entende que uma organização social nunca desaparece antes de desenvolver todas as forças produtivas que ela é capaz de conter, que nunca relações de produção novas e superiores são substituídas antes que as condições materiais de existência destas relações se produzam no próprio seio da velha sociedade. Sendo assim, no Contestado pré-globalizado ou entrando na globalização, precisamos primeiro esgotar a modernidade para só então falarmos em pós-modernidade.

Na Região do Contestado, a globalização econômica tem produzido seus efeitos em pouquíssimos municípios, apenas nos mais desenvolvidos industrialmente, e em alguns empreendimentos educacionais, especificamente nos de educação superior, estes, integrados entre si e com outras instituições do gênero, de outras partes do país e do mundo, para maior promoção da educação e o desenvolvimento de pesquisas científicas.

Entretanto, precisamos considerar que nesta mesma região, no Centro-Oeste do Estado de Santa Catarina, palco da Guerra do Contestado (1913-1916), em outras comunidades, menores e mais pobres, onde ainda residem os últimos remanescentes e sobreviventes do conflito e onde proliferam – pelos interiores dos municípios e periferias das cidades – escolas primárias (séries iniciais) que não dispõem de materiais didático-pedagógicos, ou mesmo, de recursos mínimos em termos de tecnologias da educação, com professores não capacitados e não habilitados suficientemente, adotando conteúdos educacionais pouco adequados, ainda utilizando giz-de-gesso e quadro-negro desbotado, ansiando (ou sonhando?), um dia, receber algo diferente, como um quadro-branco, um retro-projetor, um videocassete e um televisor, cadeiras e carteiras novas, iluminação condizente nas salas, sem contar a eterna expectativa por salários dignos, chegamos a colocar em dúvida a inserção desta educação básica pública em um período da modernidade, com o que, sob hipótese alguma, pode-se aventar a possibilidade de inseri-la em um tempo de pós-modernidade.

 

Notas

 

[1] Coincide com a região do Centro-Oeste do Estado de Santa Catarina.

[2] Em “As origens da Pós-Modernidade”, 1999, p. 9-10.

[3] In: LOMBARDI, 2001, p. 3.

[4] Em “Nova Cidadania, um Conceito Pós-Moderno”, in: Jornal A Razão, 26/09/2002.

[5] Integrante da obra “Em Defesa da História”, de 1999.

[6] Em “O que é o pós-moderno”, de 1986.

[7] Sob o título “Globalização e Democracia Dialógica”.

[8] Significa aquele que é “niilista irônico”.

[9] “A Era do Globalismo” , in: OLIVEIRA, 1999, p. 22.

[10] Em “Por uma outra globalização”, de 2003.

[11] http://educaterra.terra.com.br/voltaire/atualidade/globalizacão.htm.

[12] “Articulação entre a Globalização e a Descentralização”, in: LOMBARDI, 2001, p. 61.

[13] Em “O campo do pós-moderno: o saber científico nas sociedades informatizadas”, de 1989.

 

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Resumo: Na Região do Contestado, em Santa Catarina, a modernidade é inconclusa e, assim, o ensino básico público ainda não saiu do período histórico da modernidade, não podendo estar no estágio da pós-modernidade. Coloca-se em dúvida a inserção da educação escolar básica pública em um período da modernidade, com o que, sob hipótese alguma, pode-se aventar a possibilidade de inseri-la na pós-modernidade, ainda que em tempos de globalização.

 

Palavras-chave: Modernidade, Pós-modernidade, Globalização, Educação, Contestado.

 

* O autor é professor de História de Santa Catarina e de História do Contestado na Universidade do Contestado, de Caçador (SC). Técnico em Magistério, Licenciado em História, Especialista em História do Brasil, Mestre em Educação, e Doutorando em Educação (História, Filosofia e Educação) na FE/Unicamp. Historiador e Diretor do Museu Histórico e Antropológico da Região do Contestado, de Caçador (SC).

 

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