PARA A VICE-PRESIDÊNCIA? CONVIDE UM MINEIRO...
No ano de 1981
pela primeira vez após dezessete anos de regime militar um civil esteve na
Presidência da República. Civil e mineiro, o que é quase uma redundância
(explicarei porque). De acordo com FONSECA (2000) Até os britânicos se
surpreenderam: ‘o Brasil já não é mais uma república das bananas’, disse o “The
Guardian”. Um fato que deveria ser trivial (um presidente, no caso João Batista
Figueiredo, impossibilitado por estar enfermo é substituído por seu vice
oficial Aureliano Chaves) ganha relevo extraordinário tendo em vista os
antecedentes da política nacional, sendo que este texto almeja interpretações
psicológicas destas ‘coincidências’ políticas.
Em 1960 quando
ficou claro que era impossível impedir a vitória eleitoral de Jânio Quadros, a
UDN acatou-o como candidato a ocupar a Presidência e designou Milton Campos
para compor a chapa como vice. Tudo terminou como é sabido, mas por que a
indicação desse mineiro? Quatro anos antes, em Belo Horizonte, Milton Campos
proferira sobre o ‘papel de Minas no Brasil’: segundo ele o sentimento de
liberdade é inato em Minas, ‘cujas virtudes de sobriedade, moderação e
equilíbrio continuam a ser úteis ao Brasil’.
Quando foi
instaurada a ditadura, o vice de Castello Branco foi José Maria Alkmin, civil e
mineiro. O vice de Costa e Silva foi Pedro Aleixo, civil e... mineiro. Quando o
Presidente adoeceu Pedro Aleixo foi colocado em cárcere domiciliar. Ele tinha
se oposto ao AI-5 e defendia uma reforma democratizante no sistema vigente. No
entender de FONSECA (2000) principalmente por isso não assumiu a Presidência.
Clóvis ROSSI
(1985) nos aponta que Após o governo da junta militar se passaram dez anos sem
que nenhum paisano ocupasse a Vice-Presidência. Com a revogação do AI-5 João
Batista Figueiredo dá prosseguimento à abertura. Seu vice era civil e...
mineiro. Portanto, de 1964 até aquele ano de 1981 foram cinco
generais-presidentes e três vice-presidentes civis... e mineiros.
Em 1984 um
mineiro ‘ganhou mas não levou’: obscuramente morto logo depois de vencer as
eleições presidenciais, o mineiríssimo Tancredo de Almeida Neves ‘passou’ o
poder ao maranhense José Sarney. E ainda mais recentemente tivemos um mineiro
como vice: o indefinível Itamar Franco, mas este sim, por um certo período
exerceu a Presidência da República após a queda de Fernando Collor.
Mas por que
mineiros? Na simbologia da cena política brasileira o termo ‘mineiro’ tem um
significado que transcende em muito a mera localização geográfica. Ao conceder
uma entrevista para “O Globo” naquele delicado momento do país (1981), o
empresário paulista Antônio Ermírio de Moraes recomendava que os brasileiros,
em especial os oposicionistas, procedessem como mineiros. Textualmente ele
disse: ‘um pouquinho de mineirice não faria mal a ninguém agora’ (apud KIKUCHI, 1999).
Todavia, o que
vem a ser mineirice? Mineiramente (e assim já explicando o que seria...)
mineirice não consta na maioria dos dicionários. Curiosamente o
“Aurélio” não esclarece o que é mineirice, mas registra pelego e
queremismo. Em contrapartida Jânio Quadros, no seu “Novo Dicionário Prático da
Língua Portuguesa” de 1977 (apud
CAVALIERI, 1998), coloca que ‘ser um bom mineiro’ é se mostrar prudente,
desconfiado, astuto, mas aparentemente ingênuo. Bem se sabe que um certo
folclore nacional em torno dos tipos regionais do Brasil endossa esse conceito.
Já no início do
século XIX José Bonifácio, o Patriarca da Independência, alertava em carta ao
príncipe regente D. Pedro sobre o caráter dos mineiros: ‘não se fie Vossa
Alteza Real em tudo o que lhe disserem os mineiros, pois passam no Brasil como
os mais finos e trapaceiros’. Trapaceiro, finório, enganador, dissimulado. Mais
de um século e meio depois tais definições levadas ao extremo têm um
significado moralmente preconceituoso.
Assim como José
Bonifácio, Antônio Ermírio de Moraes também é paulista e disse naquela ocasião
que era necessário maneirar um pouco; ou queria dizer mineirar? Mais do
que homográfos, tendo em vista o estereótipo acima delineado acerca do mineiro,
os dois vocábulos podem ter também grande proximidade semântica. Nesse sentido,
mineirice pode ser entendido como a capacidade de contornar, apaziguar,
de encontrar uma maneira de
conciliar posições opostas, enfim, de caminhar com paciência pela vida pública
sem causar tumultos.
Portanto,
talvez a resposta para que um regime de caserna e severo tenha buscado em Minas
Gerais seu apoio seja devido à astúcia ou à ingenuidade dissimulada do povo
mineiro. Aprofundando mais na questão, somos levados a deduzir que a mineirice
não inspira confiança. O mineiro Afonso Pena Júnior falava que os mineiros eram
inicialmente espertos, tendo em vista a lida com a mineração, porém, vivendo
juntos ao longo dos séculos acabaram todos desconfiados uns dos outros.
Outra ‘lenda’
nacional diz ironicamente que os mineiros nunca dizem mais do que o necessário
e se possível dizem ‘um bocadinho’ menos. Aqui se localizaria outro traço da mineiridade,
outro conceito que também não está dicionarizado. Credita-se esta palavra a
Gilberto Freyre, que a teria criado numa conferência pronunciada em 1946 na
Faculdade de Direito de Minas Gerais, atual UFMG, para explanar toda uma
‘Antropologia’ da mineiridade (KIKUCHI, 1999).
Escrevendo no
“Jornal do Brasil” sobre Fernando Gabeira, outro mineiro, Marinho de Azevedo
diz que os mineiros ‘são pessoas especiais: provincianos e cosmopolitas,
guardam um pé na casa e ao mesmo tempo passeiam com o outro pelo mundo afora’ (apud CAVALIERI, 1998). Aires da Mata
Machado Filho, nos idos de 1937, explanando acerca do diamantinense Couto de
Magalhães disse que este tinha uma típica característica dos mineiros: tendo
governado Goiás, Mato Grosso, Pará e São Paulo teve o bom senso de declinar
quanto ao governo de Minas.
Logo, o sentido
de mineiridade/mineirice se identifica com bom senso, realismo,
centralidade, e uma boa dose de ‘singelo’ ardil, indispensável à maleabilidade
política que impede a deflagração dos atritos e encontra soluções convenientes
a ambos os lados – ainda que não sejam ideais para o povo concretamente. E como
escreveu Guimarães Rosa, ‘de Minas tudo é possível’, vemos novamente uma
inusitada e insólita aliança para as eleições presidenciais que se aproximam: o
PT do pernambucano Lula tem como vice um político do PL, José de Alencar... um
mineiro.
Bibliografia:
CAVALIERI, Alexandre S. A esquerda brasileira em tempos neoliberais.
Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 1998. Mimeo.
FONSECA, Roberto de M. Comportamento eleitoral: pesquisas de
intenção de voto e resultados eleitorais. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG,
2000. Mimeo.
KIKUCHI, Wataru. Federalismo e crise do Estado: um estudo da política brasileira.
Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 1999. Mimeo.
KUSCHNIR, Karina. O cotidiano da política. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.
ROSSI, Clóvis. “Quem ganha e quem perde
com a nova ordem?” In: Lua Nova. Vol.
1, n. 4. São Paulo. Jan/mar.
1985. p. 12 - 15.
SANTOS,
Wanderley G. dos. Cidadania e
justiça: a política social na ordem brasileira. 2o
ed. Rio de Janeiro: Campus, 1987.
Resumo:
Ensaio sobre a atual sucessão presidencial no Brasil, não
especificamente sobre o cargo de presidente, mas
sobre a vice-presidência (pouco menos falada).
Palavras-chave:
vice-presidência, eleições, mineiro.