RETÓRICA POLÍTICA DO JORNAL FOLHA UNIVERSAL*

 

Valdemar Figueredo Filho**

 

Analisamos a coluna própria do bispo Rodrigues dos meses de agosto a dezembro de 2001, no total de vinte números, com o objetivo de verificar o conteúdo político das mensagens do deputado para os fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) em todo território nacional. Detivemo-nos na observação da retórica política, na tentativa de perceber como se constrói a passagem do religioso para o político e, em outros momentos, do político para o religioso.

Na seção de política da Folha Universal o deputado figura como principal ator.  Não é o único, mas visivelmente o coordenador e maior liderança. Essa seção cobre a atuação dos representantes da IURD nas Câmaras municipal, estadual e federal. Há um certo rodízio entre essas autoridades no que se refere ao espaço no jornal.  Mas o mesmo não ocorre com o deputado bispo Rodrigues, que tem seu espaço permanente assegurado. Dos vinte números do jornal que monitoramos, ele apareceu em destaque nessa seção em dezessete números. Portanto, o tratamento dado ao deputado é diferenciado, a partir do reconhecimento da centralidade da atuação política do bispo Rodrigues.

A leitura freqüente da seção de política da Folha Universal revela a existência de um bloco coeso de representação política da Igreja.  Foram eleitos pela estrutura da Igreja e a ela prestam contas dos seus mandatos.  Através do jornal, deixam evidente que são fiéis às diretrizes do grupo religioso e são um bloco submisso à hierarquia da IURD.  Citamos como exemplo desta estrutura política-eclesiástica a edição de 04 de novembro de 2001. Não há dúvidas de que a Folha Universal é um órgão oficial da Igreja.  A nota que citaremos é editorial:

Mais um traidor. Rio de Janeiro - RJ. Paulo Mello, então pastor da IURD, foi eleito vereador da cidade do Rio de Janeiro através dos votos dos membros e obreiros da Igreja Universal da zona oeste.  A Igreja e o povo pensavam que teriam mais um homem de Deus, sincero, correto, íntegro, como convém a pessoa de Deus e que defenderia as causas do povo que nele votou, povo este já tão sofrido pelas agruras da região mais distante do centro da cidade.  Pura ilusão.  Assim que tomou posse, afastou-se da bancada evangélica, traiu também o partido ao qual era filiado, aliou-se a vereador incrédulo.  Votou contra o vereador bispo Jorge Braz, tirando este da liderança que exercia.  Tudo bem, até Jesus teve o seu Judas e não seremos nós, povo de Deus, que não teremos os nossos.  Vamos em frente que o nosso Jesus é maior, o nosso Deus é justo juiz.

Note-se nessa retórica político-religiosa que a Igreja é quem indica candidatos, os elege através dos votos de seus fiéis e não admite atuações independentes. Existem orientações políticas que devem pautar a atuação de todos, bem como comandos setoriais.  Pela nota citada acima, é de se supor que os que não se alinham à política hierárquica da IURD são retirados dos seus quadros — religioso e político.

Os políticos da IURD não se concentram em um só partido, ao contrário, compõem um quadro suprapartidário e se pretende representar a IURD nas câmaras possíveis e nas siglas partidárias das mais diversas. Contudo, pelo fato do bispo Rodrigues estar filiado e ser uma liderança do Partido Liberal (PL), há uma forte inclinação da Igreja para apoiar esta sigla partidária.

A parte da Folha Universal que se destina à seção Opinião é assumida por bispos que representam a Igreja em áreas específicas, cada um mantém um espaço permanente. No caso dos editoriais do bispo Rodrigues, ele estabelece a demarcação política da Igreja, conforme podemos constatar no quadro a seguir:
     Editoriais do bispo Rodrigues no jornal Folha Universal 3.

DATA

TÍTULO

RESUMO

05.08.22001

Policiais, um barril de pólvora

Crítica às precárias condições de trabalho dos policias.  Comenta as greves das corporações.

12.08.22001

Fim da imunidade, fim da impunidade

Desgastes do Congresso com os processos envolvendo os senadores Jader Barbalho e Antônio Carlos Magalhães. Pacote ético como agenda positiva.

19.08.22001

Brasil, o paraíso da concentração de renda

Analisa o Relatório do Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento (1999).  Defende combate à pobreza através da distribuição de renda.

26.08.22001

Brasil, o paraíso da concentração de renda (2)

Propostas que tramitam no Congresso para o combate a pobreza.

02.09.22001

A criação querendo ser igual ao Criador

Informa que apresentou Projeto de Lei na Câmara dos Deputados que proíbe experiências de clonagem de seres humanos.

09.09.22001

Silvio Santos e o seqüestro

Comentários sobre seqüestro da filha de Silvio Santos.

16.09.22001

Não suporto mais

Em tom de desabafo fala de violência, desemprego, pobreza, apagão.  Severas críticas ao Governo Federal.

23.09.22001

Onze mil virgens

Comentários sobre o atentado aos EUA no dia 11 de setembro.

30.09.22001

Guerra Santa

Comenta o conflito entre o terrorismo islâmico e os EUA.

07.10.22001

A vingança da insensatez

Preocupação com a reação dos EUA.

14.10.22001

Bispo Edir Macedo não se filia a nenhum partido político

Responde aos boatos de que o Bispo Edir Macedo concorreria à presidência da República.  Diz tratar-se de uma liderança essencialmente espiritual.

21.10.22001

O exército de crianças suicidas

Ainda sobre o terrorismo islâmico.

28.10.22001

A oração que renova e salva

Trata de devoção pessoal.

04.11.22001

Mais um ano perdido

Críticas a globalização.  Considera os altos índices de desemprego.

11.11.22001

Noivinha Universal

Começa o período de procura dos Partidos pela IURD para composição de acordos eleitorais.  O bispo desdenha de todos dizendo que a IURD está em busca de justiça social e não de poder.

25.11.22001

Que fim você deseja?

Palavra de teor devocional.

02.12.22001

Corrupção

Compara a corrupção do Estado com a corrupção no futebol.

09.12.22001

A hora da onça beber água

Críticas ao governo pelas alterações da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas).

23.12.22001

Os pobres e a exploração sexual no Brasil

Critica a declaração do Governo Federal de que houve redução da pobreza no Brasil.

30.12.22001

Sobreviver ou viver?  A escolha é sua

Reflexão devocional.

 

A leitura dos editoriais do deputado sugere similaridades com o discurso dos partidos de esquerda.  Verificam-se muitas críticas ao governo de Fernando Henrique Cardoso, discutem-se temas variados da política nacional e internacional.  Os destaques do coordenador político da IURD, no órgão oficial da Igreja, buscam justificar a atuação dos seus parlamentares.

A pergunta que fizemos ao acompanharmos os editoriais do deputado Bispo Rodrigues, e o conseqüente desempenho parlamentar da bancada da IURD, é como classificar a posição deste grupo em termos políticos.  A jornalista Angélica Santa Cruz deu o título de A nova esquerda à entrevista que realizou com o deputado bispo Rodrigues.  Na tentativa de conjugar termos teóricos utilizados pela esquerda com termos religiosos utilizados pela IURD, ela pergunta se a IURD anda as voltas com uma revisão histórica.  Mostrando-se atenta aos editoriais escritos pelo bispo, a jornalista comenta que os veículos de comunicação controlados pela instituição parecem tomados por algum tipo de possessão progressista. E, ainda, diz que os editoriais da Folha Universal poderiam ter sido escritos por um integrante do PSTU. Não afirma em momento algum que a força política representada pela IURD tende à esquerda, mas identifica a retórica progressista do deputado e busca entender seu alcance.[1]

Porém nem o desempenho parlamentar, nem os veículos de comunicação da Igreja permitem definir o perfil político-ideológico do grupo.  A justificação da participação política da IURD, a ponto de desenvolver uma estrutura para este fim, é dada por dois fatores básicos: um de caráter protecionista e outro de caráter ético.  As questões pragmáticas do grupo religioso se sobrepõem à fidelidade de caráter ideológico.  O político serve aos interesses religiosos.

Propaga-se a idéia de sectarismo.  O avanço da Igreja esbarraria nos interesses de muitos, daí a necessidade de eleger representantes para proteger a IURD de eventuais opositores.  Um bom exemplo da exploração da imagem de Igreja perseguida é a foto da coluna permanente de outro bispo, Edir Macedo, lendo a Bíblia atrás das grades, por ocasião de sua prisão preventiva de 12 dias no ano de 1992.[2]

Como justificativa do desenvolvimento de uma mídia própria, os bispos da IURD comentam através de suas colunas as referências que a mídia secular faz à Igreja, na qual não percebem boa vontade das empresas de comunicação para a causa e os métodos da IURD. O mesmo discurso protecionista serve para a política.  Afirmam que se não estabelecerem uma estrutura política sólida, serão perseguidos e prejudicados pelo Estado brasileiro, que segundo eles, permanece sujeito a Igreja Católica. Essa postura de igreja perseguida é fundamental na definição da estratégia de defesa no campo político: dispersão partidária, candidatos oficiais que prestam contas de seus mandatos, preferência por mandatos no legislativo, votação em bloco, poder de barganha política na relação com o executivo e estratégias eleitorais definidas. A retórica política da IURD, num primeiro momento, justifica a sua participação apontando para os perigos que a rondam.  Em outras palavras, a política é posta sob os interesses da Igreja.  Para que a missão da Igreja seja cumprida a contento, necessário se faz uma espécie de cordão de contenção social.

Outro aspecto verificável na retórica da IURD para justificar sua participação política é encontrado no campo ético. Na verdade, este ponto não é exclusivo da IURD, pois outros evangélicos se servem deste aspecto para pleitear mandatos políticos. E qualquer estudo sobre retórica política brasileira levará a conclusão de que este tipo de discurso é amplamente utilizado mesmo por aqueles que não reivindicam representação religiosa. A defesa pela ética na política e na sociedade como um todo é amplamente explorada, e esse tipo de discurso está também na agenda dos políticos que têm um certo alinhamento com a Igreja Católica.[3]  Portanto, a justificação da participação da IURD na política partidária passa pela defesa dos valores que a Igreja julga precisar preservar, por isso convoca os fiéis para um tipo de cruzada visando ao estabelecimento de uma moralidade típica das Igrejas neopentecostais.[4]

A singularidade da IURD em relação as outras igrejas evangélicas não é propriamente eclesiástica, litúrgica ou teológica.  Mantém sim inovações nestas áreas, mas nada que  a torne radicalmente diferente.  A IURD tem como singularidade o desenvolvimento da sua estrutura empresarial. Acredita que o grupo de empresas que mantém é necessário para oferecer a estrutura necessária para que a Igreja se expanda e cumpra o seu ideal religioso. Mantém uma estrutura muito parecida com a Igreja Católica: hierárquica, um bispo sobre todos os demais, setor financeiro profissionalizado, distinção da área teológica da área estrutural, plano de carreira para a liderança. A IURD tem sob sua administração um quadro de pastores e bispos e também um quadro de funcionários de diversos escalões.  Portanto, a tentativa de compreender a IURD deve considerar a sua administração hierárquica.

Observamos nos editoriais do deputado Rodrigues a sua clara posição a respeito da subordinação ao líder maior da IURD, bispo Edir Macedo. Os pronunciamentos políticos da igreja são feitos pelo deputado Rodrigues, mas isso não quer dizer que as demarcações políticas e as decisões importantes sejam tomadas por ele.  Uma leitura apressada do jornal pode levar a pensar que o bispo Edir Macedo se restringe às questões doutrinárias e eclesiásticas enquanto os outros bispos assumem áreas específicas da Igreja e das empresas do grupo IURD.

Segundo o próprio deputado bispo Rodrigues, o bispo Edir Macedo é o líder máximo da igreja e acompanha e coordena tudo de perto.  A estrutura da IURD é hierárquica e o bispo Edir Macedo está no topo da hierarquia espiritual e da estrutura empresarial que a ela pertence.

Todos os amados irmãos não têm idéia da responsabilidade e do total empenho com que o Bispo Edir Macedo coordena todas as atividades referentes à Igreja Universal do Reino de Deus, todas as rádios ligadas à Igreja, a TV Record e todas as televisões afiliadas.

A igreja Universal está presente em cerca de 77 (setenta e sete) países e atualmente possui milhares e milhares de membros que seguem a doutrina bíblica desenvolvida sob total coordenação do Bispo Edir Macedo.

O Bispo Edir Macedo orienta, pessoalmente, todos os bispos e pastores que atuam na orientação espiritual de todos os membros da Igreja Universal. Com todas estas responsabilidades, a missão que Deus determinou ao Bispo Edir Macedo foi espiritual e não política.[5]

Importa perceber que o bispo Rodrigues restringe sua atividade política à filiação partidária e ao mandato, já o bispo Macedo coordena tudo de perto, inclusive os rumos políticos da igreja, mas isso não é uma missão política e sim espiritual. Esta questão aparentemente obscura pode ser esclarecida pela leitura de Max Weber quando considera, em um contexto social bem diferente do que estamos analisando, empresários que mantinham uma ativa e decisiva participação política sem ocuparem cargos públicos e às vezes sem serem reconhecidos como importantes atores políticos.  Weber observou que estes empresários mantinham sob o seu comando e coordenação pessoas detentoras de mandatos. Então, estes políticos profissionais não tinham um mandato por uma questão de estratégia, contudo, possuíam um tipo de poder que lhes dava condições de reunir ao seu redor detentores de mandatos políticos que lhes eram fiéis. Evidencia-se nessa prática a fragilidade partidária em detrimento da liderança personalista que faz da política um investimento calculado.[6]

 Concluímos que o bispo Carlos Rodrigues é sim coordenador político da IURD, mas o seu trabalho não é independente. Existe um colegiado de bispos coordenados pelo bispo Edir Macedo. Neste foro as estratégias políticas são traçadas, a retórica é definida. A liderança absoluta e incontestável, inclusive política, pertence ao bispo Edir Macedo.  Daí a nossa conclusão de que a figura traçada por Max Weber do político que se mantém na penumbra, por questões estratégicas, aplica-se ao bispo Edir Macedo.

Citamos, por fim, ainda uma vez o deputado bispo Rodrigues, em editorial no qual avalia a procura do apoio da IURD pelos partidos, vez 0que as eleições de 2002 se aproximavam:

Nós, membros da Igreja Universal do Reino de Deus, do obreiro mais humilde ao bispo da hierarquia mais elevada, seguimos a orientação de nosso irmão e pastor, o bispo Edir Macedo, que sempre prega a igualdade de todos perante a Deus.[7]

 

Referências bibliográficas

 

AZEVEDO, Thales de.  A religião civil brasileira; um instrumento político.  Petrópolis. Vozes.  1981

BIRMAN, Patrícia. “O bispo, o povo e a TV: alguns efeitos, talvez inesperados, da presença política recente dos pentecostais”. Paper apresentado no Seminário Religião e Política. Iuperj. Cadernos de Conjuntura número 54.  1996: 5-13

CONRADO, Flávio Cesar dos Santos. Cidadãos do Reino de Deus: representações, práticas e estratégias eleitorais.  Um estudo da Folha Universal nas eleições de 1998. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia-PPGSA. IFCS/UFRJ. Rio de Janeiro. 2000

FONSECA, Alexandre Brasil.  Evangélicos e mídia no Brasil.  Dissertação de mestrado. Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia-PPGSA. IFCS/UFRJ.  Rio de Janeiro.  1997

MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil.  São Paulo. Loyola.  1999

NOVAES, Regina R. O Brasil será um país evangélico?  In: PINHEIRO & PIRES (org.) op.cit: 105-112

_____ “Crenças religiosas e convicções políticas: fronteiras e passagens”.  Paper apresentado em palestra na  Câmara dos Deputados do Rio de Janeiro (Palácio Tiradentes).  2001

RODRIGUES, Carlos.  A Igreja e a política.  Rio de Janeiro/ Universal.  1998

WEBER, Max.   A psicologia social das religiões mundiais.  In: GERTH & MILLS. op.cit.: 309-346

_____ Rejeições religiosas do mundo e suas direções.  In: GERTH & MILLS. op.cit.: 371-410

_____  A política como vocação In: GERTH & MILLS. op.cit.: 97-153

_____ A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo. Pioneira.  2001

 



[1] CRUZ, Angélica Santa.  Revista eletrônica NO. (www.no.com.br) 10.10.2000

 

[2] Freston, Paul.  Breve história do pentecostalismo brasileiro: 154-156.

[3] Ver, Azevedo, Thales.  A religião civil brasileira: 43-52.  Não se pode desprezar o fato que mesmo com o crescimento dos evangélicos na sociedade, e na política em particular, o Brasil é um país predominantemente católico. Se existe uma moralidade dos evangélicos na arena política, ela só prevalece na proporção em que for concordante com a moralidade católica.

[4] Sobre os neopentecostais, sua história e sua teologia, sua cosmologia e sua ética, o trabalho do sociólogo Ricardo Mariano é uma entre as referências importantes. MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil.

[5] Rodrigues, bispo Carlos. Folha Universal 14.10.01: 4

[6] WEBER, Max.  A Política como Vocação: 130-131

[7] RODRIGUES, bispo Carlos. Folha Universal  11.11.01: 4a

 

Resumo: Trata-se de um órgão oficial da Igreja Universal do Reino de Deus, com distribuição gratuita nos templos, circulação semanal e tiragem de 1.468.250. Tem sido importante veículo de unidade da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD).  Informa as ações da Igreja no Brasil e em diversos outros países.  Contempla o universo interno da Igreja, é distribuído dominicalmente nos templos e serve como propaganda proselitista exclusiva à própria IURD.

 

Palavras-chave: 1. Evangélicos. 2. Comunicação e política. 3. Retórica política.

 

* Este artigo é parte da dissertação de mestrado – Entre o Palanque e o púlpito: mídia, religião e política - defendida na Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Programa de Pós-graduação em Ciência Política, 2002

 

** O autor é doutorando em Ciência Política no IUPERJ (vfigueredofilho@iuperj.br).

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