FHC: IMAGEM, MÍDIA E PODER POLÍTICO[i]

 

Nilson A. Moraes*

 

Políticos, jornalistas, cientistas sociais, entre outros constataram que “FHC pretendeu se transformar num divisor de águas, constituir-se num ator político privilegiado de uma nova era”. Para o estudo que estamos desenvolvendo, pensar FHC dissociado da ação midiática é impossível. Fim de ano e de governo é época ideal para rememoração e balanços, principalmente utilizando-se dos registros veiculados pelos mídias.

A relação mídia-imagem-poder político na produção dos sentidos, discursos e imagens que caracterizaram a gestão FHC é recorrente na condução de um percurso. No Brasil, desde os anos 30, esta relação não é novidade na prática e nas representações políticas como meio de conquista e manutenção de poder. Na sociedade ocidental do século XX, a mídia ocupa um papel central no processo de mediação entre atores e interesses.

O esforço acadêmico em conhecer e analisar a mediação entre produção imagética e liderança política não é recente. Ele vem demonstrando, nas últimas décadas, que imagem, informação e linguagem midiática constituem vigorosos elementos de produção de sentido[ii]. Observa-se que esta preocupação atinge também profissionais de comunicação, marketing, cientistas sociais, artistas e intelectuais. Seu efeito é político, na consolidação de poder. Nos anos 70, o tema transformou-se num desafio que exigiu novos recursos intelectuais.  

Na mídia, há um “lugar” especial para a imprensa escrita[iii]. A imprensa é um ator fundamental na construção que orienta e viabiliza as relações sociais e produtivas do mundo contemporâneo (MORAES,2002). Ela não produz a realidade, mas está presente na produção dos sentidos, na “seleção”, “organização” e hierarquização” dos fatos e processos. A percepção que a –chamada- opinião pública possui de um processos ou de fatos vivenciados num governo e das ações de governo passam pela mídia. Esta em sua prática considera ou enfatiza acontecimentos, personalidades e prioridades, segundo suas lógicas produtivas e empresariais. A mídia atribui sentidos, influenciando no processo de análise, esquecimento ou valorização de situações que passam a constituir “resumos” ou “sínteses” simbólicas. Vozes, projetos e fatos são consideradas ou não, valorizados ou não.

A mídia foi idealizada e supervalorizada em sua capacidade de produzir política, isto é, produzir fatos, lideranças e processos sociais[iv]. Partimos da premissa que ela não pauta o processo político, nem produz lideranças, fatos, movimento sociais e políticos; mas ela pode influenciá-los e moldá-los como espetáculo, como cenário conjuntural ou padrão de noticiário e eventos em que o veículo pretende transformá-los na realidade(MORAES, 2001). Não existem elementos que comprovem a capacidade da mídia de produzir política. Ao contrário da crença que predominava nos anos sessenta, a política e a mídia não constroem a realidade, utilizam-se dela para produzir diferentes moldagens e sentidos.

Produzir sentidos é uma construção, uma intervenção que considera as condições  históricas, sociais, lingüísticas e comunicacionais. O sentido não se encontra no objeto, não conhece um a priori. Depende de condições para a sua produção. Ele se constitui na relação do indivíduo com o outro, independente de sua presença ou não nesta relação. Ele é produzido no discurso, é resultado de interlocução. Este discurso aparece como produtos culturais, como textos(verbais e não—verbais), como formas empíricas do uso da linguagem verbal, oral ou escrita, e como outros sistemas semióticos; imagens e padrões gráfico[v].

O empenho em desenvolver tecnologias e recursos midiáticos, objetivando fins específicos, afirma o princípio ou a estratégia da aparência ou da insinuação como prática relacional e discursiva, e a de uma estética como produto. Transforma imagens construídas ou ressignificadas em discurso social[vi]. É um esforço organizado em outros campos, que não o da política ou da ideologia, empenhado em influenciar, compartilhar e modificar, pela sedução, uma tendência no jogo das representações na luta de poderes. É um mecanismo midiático e de marketing de um produto, a partir de um esforço intelectual e tecnológico, em que a encenação confunde-se com o real[vii]. 

A preocupação com cerimoniais e rituais de cargo caracterizaram o estilo FHC de exercitar o poder. Desde sua primeira, posse a previsibilidade da prática política e dos comportamentos foram destacados pelos analistas. A construção do personagem político FHC representa a preocupação em produzir –no imaginário social- uma suposta harmonia que se concretiza na “unidade” entre a pessoa de FHC, suas práticas e seu discurso: um homem que faz a transição do acadêmico para o campo político-institucional. Em outras palavras, uma coerência entre a pessoa e seu projeto. Não foi ao acaso que ele, em estudo de Miguel (2000), foi denominado “campeão da conciliação”.

FHC, na lógica do mito político, articula no sentido de alcançar a adesão da sociedade, utilizando-se da estratégia da desmobilização e da transferência de responsabilidade das ações para o Executivo. Isto significa que FHC é partícipe de uma “cultura política”, de um contexto e de um cenário de distribuição de poder, do qual ele se orienta e dá um sentido. Ao mesmo tempo, a constituição do mito político FHC depende da relação entre cultura, liderança política e disputa de poder. Neste caso, esta relação é explícita; uma “era FHC” se constitui, está sujeita à encenação ou à produção deste processo relacional que envolve imagem, discurso e espetáculo (ALBUQUERQUE, 1999).

Pensar o período como a “era FHC”, “cardosismo” ou “fernandismo” o torna um período monumental. Não é tarefa fácil. Pensá-lo como uniformidade, coerência ou continuidade de ações, é impossível ou um equívoco que compromete uma análise; analisá-lo como via de direção única e ininterrupta é uma simplificação. Definir ou analisar o governo FHC é defrontar-se com a complexidade e tensão permanentes, de simultâneas e diferentes origens e naturezas; é o empenho em considerar os fatos por trás do imaginário de credibilidade que tentaram marcar um político e uma política. Oito anos de Governo FHC exigirão estudos sistemáticos e leituras inovadoras.

FHC elege-se numa conjuntura internacional em que os fluxos de capitais e a facilidade de reunir aportes financeiros não eram restritos. O – chamado - receituário do FMI e das agências de desenvolvimento encontravam eco nas sociedades americanas fatigadas pelo processo inflacionário, pela crise de desenvolvimento, pela crescente corrupção e pela crise política e de poder. Nos anos 90, havia sinais que apontavam o esgotamento do modelo econômico centrado no capital especulativo e no capital financeiro. A produção e o processo produtivo estavam secundarizados. Uma “onda” liberal que estava sendo imposta ao continente americano aprofundou a crise regional.

FHC exerceu um vigoroso estilo e um traço de continuidade de gestão. A violência institucional foi, ao lado da estratégia de desqualificação de opositores e de projetos alternativos ao seu, a principal forma de atuação política. Uma época, que os críticos, caracterizam como de pilhagem do setor e dos interesses públicos. Uma era saudada pelos intelectuais, em geral uspianos e reunidos no PSDB, pelos interesses econômicos nacionais e internacionais, por lideranças políticas e pelas mídias. Cada projeto em votação era precedido de ameaças: não existiria outra alternativa ao proposto e a sua negação seria a retomada do processo inflacionário, da crise do emprego e da estabilidade da moeda. Deste processo que Wanderlei Guilherme dos Santos (1999) diz “do privilégio tirânico de arbitrar a intensidade do suplício a que a nação está submetida”. Este discurso fatalista e irreversível, de chantagem e terrorismo político, era repetido por ministros, parlamentares, “analistas” dos meios de informação e pelo próprio Presidente. Não é ao acaso que Santos conclui que “o governo obteve espetacular sucesso em sua trajetória de encurralar o país”. Portanto, para levar o seu projeto adiante, a solução lógica era  “alongar a crise induzida”.

FHC governa utilizando-se de medidas provisórias. Mostra uma face totalitária quando não aceita negociar medidas e agendas propostas pelas oposições por estas não se submeterem ou se deixar cooptar. Reprime, por vezes, nos moldes do regime militar e desqualifica partidos de oposição e ações dos movimentos sociais, chamando-os de baderneiros ou bandidos, usa as forças armadas na greve dos petroleiros. Pressiona o Judiciário, para que este responda às suas determinações. Rejeita qualquer proposta de CPI para apurar denúncias de corrupção que envolvam o sistema financeiro ou a compra de votos em decisões importantes, como a da votação que aprovou a emenda da reeleição. Utiliza-se do expediente do chamado “rolo compressor” em votações do Congresso como ocorreu na Reforma da Previdência quando o regimento interno da Comissão de Justiça foi desrespeitado pela maioria governista.

O abandono pelo Estado de sua capacidade reguladora agrava o quadro conjuntural. A adoção de políticas sociais inclusivas se torna mais difícil, e referências institucionais que antes eram fórum de debate político começam a ser substituídas pelo Programa Comunidade Solidária. O Estado e as agências internacionais interferem nas prescrições constitucionais que viabilizariam a integração de políticas no sistema de Seguridade Social; desconsidera direitos conquistados esvaziando as mediações democráticas já construídas. O PCS faz uma articulação de organismos do Executivo Federal com parcerias “selecionadas a dedo”.  Atua como um elemento propiciador da desmontagem das mediações políticas e institucionais ainda existentes entre cidadão e Estado em benefício dos interesses econômicos.

No plano econômico o governo perseguiu uma baixa nos índices inflacionários, privatizou os mais importantes setores produtivos, reestruturou as dívidas públicas, promoveu mudanças na Previdência, reduziu o pessoal do Estado, impediu aumentos salariais, impôs uma Lei de Responsabilidade Fiscal, mas, com todas estas ações, não obteve sucesso na criação de empregos e no crescimento econômico.

O plano político, caracteriza-se pela crescente diminuição e diluição dos poderes judiciais e do Legislativo: governa principalmente através do uso sistemático de “medidas provisórias” e de uma aliança político-partidária que garante maioria no legislativo[viii].

O contexto e o marketing político que produziu FHC como liderança nacional, e uma voz “reconhecida internacionalmente”, o fez em oposição ao modelo de liderança política que o antecedeu: FHC era marcado pela serenidade, equilíbrio, gestos calmos, conhecimento dos problemas internacionais e nacionais, projeto de poder, firmeza de caráter, experiência, distanciamento do objeto e reconhecimento internacional (Gomes, 1994). A idéia de reconhecimento e vivência internacionais objetivava diferenciá-lo de Collor. O estilo de marketing de FHC funcionava como uma lógica de jogos de  espelhos e negações.   

FHC como mito político, no mercado simbólico de poder, é expressão de uma conjuntura marcada pela ausência de lideranças e carência de alternativas. Sabe-se que um mito não se constrói do nada, que ele só vinga quando atende uma expectativa de segmentos sociais. O mito produzido pelo marketing encontra resposta em expectativas de grupos sociais. O FHC produzido para atender ao mercado simbólico e de poder, caracteriza-se como o portador da novidade e da competência intelectual, administrativa e técnica. Ele se transforma no protetor dos bolsos da cada cidadão ameaçado pela desordem da economia e das finanças. O mercado ou as forças sociais que reclamam estas demandas mostra-se vigorosas e encontram nele a resposta exitosa para o seu projeto.

FHC não era um político cujo discurso ou estilo de liderança empolgava a militância; nem ele expressava esta vontade. Reunia e estava mais voltado para um setor da sociedade discreto e desmobilizado. A imagem e o discurso bem articulado representam o meio de afirmar uma impressão de seriedade e engajamento. FHC nunca foi tratado como um líder carismático, nunca produziu uma crença capaz de agregar, nem mesmo impressionar as massas (MENDONÇA, 2002). Sua liderança dependia da capacidade de adesão das mídias e do tradicional uso das máquinas eleitorais. Ao mesmo tempo, representava um herói intelectualizado para “o mundo ver” e, muito especialmente, para “orgulhar o Brasil”. Este era a um só tempo o seu modelo, limite e processo de sua ação ou atuação: um personagem que dependia das câmaras, das pesquisas e estudos de marketing. Alguém que poderia dar confiabilidade e segurança a um projeto[ix].

FHC era a promessa de um projeto. Neste caberia, mais uma vez, à burguesia nacional um papel subalterno e dependente do desenvolvimento capitalista hegemônico. O modelo centrado na estratégia da “desregulamentação” financeira e econômica, na idéia de “estabilização” sustentada por um suposto “equilíbrio fiscal”, com altas taxas de juros e a dependência da dívida e dos recursos externos terá efeitos variados e profundos por longo tempo para o país. Mais grave, todas estas mudanças foram realizadas ao mesmo tempo em que se feria gravemente as políticas sociais.

Articulador de uma coalizão à direita, socioliberal, aliada aos mercados, à burguesia paulista, aos atores que controlam o eleitorado no interior do país (“coronéis”) e à corrupção urbana (concentrada principalmente no sudeste). Esta coalizão liderada por FHC e pelo “núcleo duro” do tucanato(de “ramificações globais”), desinteressado no debate democrático e na participação da população, estaria orientado para desarticular o projeto econômico e social montado nos anos 30. Este projeto reordena a composição dos grupos no poder.

Governar o Brasil não foi uma tarefa fácil para FHC. O arsenal político, simbólico, ideológico, econômico e o recurso da “máquina de governo” utilizado no empenho em aprovar seus projetos é a demonstração mais evidente desta complexidade. A previsibilidade era um elemento constante no estilo da ação política de FHC. Ele produzia ações que tingiam de nomes diferentes o casuísmo, alianças e negociações que estabelecia para aprovar ou viabilizar interesses conjunturais. A Imprensa, os jornais em particular, denunciavam em cada votação o uso de verbas, liberação de recursos e entrega de cargos como “moeda de troca”[x]. Esta estratégica foi eficiente em seus objetivos.

A sociedade brasileira foi desintegrada em seus valores, padrões relacionais e teve diversos direitos destituídos; conheceu a maquiagem ou o simulacro de um pais “civilizado e moderno” e passou a se relacionar com esta representação como uma realidade conquistada pelo progresso e pelo mercado: um país que transborda em apelo publicitários, em que a dissociação entre a palavra e o gesto, individualismo e ironia tornou-se rotina. Vender. negociar, investir e sobreviver são valores e referências constantes nos projetos e discursos sociais que passam ou se multiplicam nas mídias, e, por fim, ganham sentido na observação das ruas que expressam todas as formas de deterioração. Pobreza, exclusão social, desemprego, subemprego, violência, crise moral, são alguns traços do cotidiano[xi].

A sociedade civil[xii] desorganizada e desmobilizada mostrou-se inicialmente incapaz de produzir e de unir-se em torno de algo que não fosse a simples resistência ao projeto hegemônico e que se expressou como discurso único. Políticos e meios midiáticos consideraram-na como derrotada e a ser desconsiderada no jogo político. O Executivo impõe, sem maiores resistências ou adesão social, o desmonte dos padrões relacionais, produtivos e ideológicos que cimentaram regras, estruturas e instituições sociais constituídos no pós-trinta: o “desmonte” se faz tanto na economia quanto nos direitos sociais; restringe a capacidade do Estado em atender os serviços públicos com cortes e contingenciamento de verbas e dotações de recursos, condenando-os e ferindo de morte o mercado de trabalho formal, os “direitos sociais” e as políticas assistenciais.

As ações do governo FHC em alguns setores, foram implementadas de acordo com a crise e com a lógica política descrita, ou seja com a ideologia neoliberal. Uma afirmação da “modernização conservadora” que faz Arantes (2001) apontar para a existência de uma “calamidade triunfal” que se organiza pela “superioridade bem-informada do tucanato”[xiii]. Esta “conversão do tucanato à Restauração neoliberal” e a acomodação e resignação diante das afirmações são produzidas segundo interesses e perspectivas instrumentais. Neste sentido, a intelectualidade paulistana que ocupou lugares estratégicos no Estado, para depois negá-lo e destruí-lo, esforçou-se em produzir mais este “ajuste”.

As relações entre imprensa, saúde e poder estão sujeitas às condições e articulações conjunturais. A imprensa impossibilitada de atribuir unicidade ao mundo, aos processos, aos fatos e personagens se faz e se enriquece em diversos discursos, em diversas linguagens; os processos, os fatos e personagens que ela aborda tem através do veículo jornal o mais importante produtor e difusor de enunciados e sentidos. A capacidade de circulação e o processo de produção de enunciados e análises interfere nos fatos sociais e simbólicos[xiv].

Quanto à Previdência Social e Saúde, houve o empenho na destruição da universalidade, com grave dano ao princípio da eqüidade, conceitos centrais para a Reforma Sanitária e a implantação do SUS. Em 1993 a saúde deixa de contar com recursos de contribuição de empregadores e empregados, principal fonte de financiamento, além de sofrer a diminuição do custeio para atividades de erradicação epidêmica. A “Saúde” no período FHC é caracterizada por diversos “acidentes político-administrativos”: a crise da hemodiálise e das mortes em Caruaru; as mortes de idosos na Clínica Santa Genoveva; o caso “B.O.”(remédio bom para otário). Deu-se também o desenvolvimento de uma política industrial dos Genéricos; o campanhismo como estratégia de enfrentamento de doenças uma vez que não se produziu Saúde, mas sim repetiu-se a estratégia curativista, segundo a lógica tecnológica-empresarial e da racionalidade biomédica.

Parte da mídia tornou pública algumas “trocas”, favorecimentos ou “negociatas” ocorridas ao longo do governo FHC. Entretanto, este esclarecimento não foi suficiente para reverter algumas práticas e políticas, nem mesmo a confiabilidade no governo foi –no curto prazo- modificada. Em nome da modernização da sociedade e da objetividade jornalística a dúvida sobre os fatos e personagens que questionavam as ações governamentais era uma constante, mas o governo era tratado com insuspeito[xv].

 A Saúde não foi compreendida em sua dinâmica socio-política, mas reduzida a uma questão ou dimensão biomedicalizadora. O grupo no poder sustentava que uma estrutura burocrático-administrativa, marcada pela racionalidade e pelo campanhismo sanitarista, produziriam resultados positivos.  Entretanto, mudanças lideradas por reformistas do setor saúde conseguiram descentralizar ações e poderes do SUS, transferindo para municípios decisões e ações básicas(médicas e terapêuticas), ampliando o paradigma, incorporando novos atores e saberes no tema. Um paradoxo foi constatado em deferentes pesquisas: um mínimo de investimento, mudanças nas aplicações ou controle dos recursos fizeram, na última década, os indicadores de saúde melhorar.

Identificamos nas notícias de saúde do Governo FHC prioridades imagéticas, palavras e discursos recorrentes em editorias, manchetes e notícias que aprovam estas ações e políticas. Os jornais desconsideram os diferentes contextos e interesses enfatizando o modelo e relações curativa e tecnológica admitidos pela racionalidade científica ocidental como verdadeiros. Tal situação, contrasta com o conteúdo das cartas dos leitores, cartoons, e matérias dos próprios jornais em relação às políticas, à crise e demandas do setor e reclames da população e profissionais do campo. Os jornais, em geral, não informam; apresentam acontecimentos pouco comprometidos com a compreensão dos enunciados. É de nosso interesse saber como e por que os jornais apresentam com maior ou menor ênfase determinados fatos: os modos de dizer e as vozes privilegiadas ou silenciadas nos processos e pautas que formam o cenário sociossanitário. A saúde ganha discurso e significado conjuntural, ao mesmo tempo que se constitui em espetáculo e encenação de racionalidades e modelos gerenciais em disputa.

À guisa de conclusão, ou ponto de partida para uma conclusão, lembraremos que a preocupação com imagem e discurso foi traço constante da estratégia política e de sedução imagética de FHC.

Um lembrete, apenas uma constatação realizada recentemente por um dos mais destacados intelectuais brasileiros:

“O poder não é para intelectual,

 Mas para grandes líderes”.

Antônio Candido-2002



Notas:

 

[i] Este texto é parte do projeto “Saúde, Discursos e Memória”, desenvolvido no Departamento de Saúde da Comunidade e no Mestrado em Memória Social e Documento da Universidade do Rio de Janeiro.

[ii] Ao contrário da semiologia tradicional que valorizava a relação signo-objeto, há uma questão adicional, ela toma como referência uma relação de três: objeto-signo-interpretante. O projeto de produção de sentido está atravessado pela experiência e leitura deste sujeito. É a partir do conhecimento vivido ou gerado por uma experiência de interação que o sujeito compreende.         

[iii] O jornal não obedece ou consegue impor nenhuma linguagem ou sistema fixo, inflexível, imutável e estável de regras e signos –embora esta preocupação seja uma constante- em seu empenho em tornar possível e regular o fluxo e a transferência de informações, produzindo e viabilizando a mediação e articulação com o receptor que também está marcado pela contextualização individual e coletiva, Sua maior rigidez e permanência está na editoração.  

[iv] Chamamos atenção para os estudos influenciados pela “escola de Frankfurt”, e, em especial, daqueles realizados ou influenciados por Adorno.

[v] Pêcheux, um dos formuladores da Análise do Discurso destaca que o sentido de uma palavra sofre mudanças considerando, não só aspectos conjunturais, mas de acordo com a formação discursiva em que se inscreve.

[vi] Pinto define discurso como “práticas sociais” e que os textos se constroem como partes integrantes do contexto sócio-histórico e não um elemento meramente instrumental, externo às pressões sociais. Segundo Orlandi, o discurso “não é fechado em si mesmo e nem é domínio exclusivo do locutor: aquilo que se diz, ao lugar social do qual se diz, para quem se diz, em relação a outros discursos”. Em todas as definições a preocupação em caracterizá-lo como um texto semiótico amplo e diretivo que se pretende uma unidade.

[vii] Consideramos  que a linguagem pode ser de dois tipos: a verbal, aquela cujos sinais são as palavras e a não-verbal, aquela em que há o emprego de outros sinais,  como imagens, sons, gestos. Qualquer outro recurso que seja além da palavra escrita ou falada. A linguagem é criação e não simplesmente o emprego de significados. Dessa forma é criação de signos. Criação de conteúdos e refere-se a relações sociais concretas.

[viii] A revista Época, numa reportagem “simpática”, “O Comandante Suave”, Setembro de 2002, afirma que FHC “fez um governo que pode ser definido pelos fins que justificam os meios, embora ainda  não se saiba ao certo o resultado histórico dos fins”, pág 40. Por simpatia entende-se uma postura que caracterizou a mídia ao longo dos oito anos de mandato de FHC: a tolerância silenciosa – quase justificadora - para com FHC e o rigor diante dos adversários.

[ix] O mercado simbólico se configura como modo pelo qual se formam e conformam os grupos sociais, um conjunto de efeitos.

[x] Fizemos um levantamento na Folha de S. Paulo e consideramos exemplar a manchete e a notícia do dia 03.09.2000, “Em Fortaleza, brinca-se de 2002 com verbas do FGTS”.

[xi] Por exemplo, no discurso de posse, quando da reeleição, os jornais, em 02/09/1999 destacaram um trecho em que FHC aponta a necessidade da “reforma” social: “o país espera impaciente por nação mais justa”.

[xii] Tomamos emprestado o conceito gramsciniano.

[xiii] Racionalidade é uma preocupação não só do modelo dominante de produção de conhecimento, mas da prática e ações sociais estudadas pelos sociólogos(principalmente os de inspiração Weberiana). Estupidez racional é um paradoxo, neste sentido.

[xiv] É importante destacar a idéia que o jornal não reproduz a realidade, ele a representa, é um elemento que intervém em sua construção e intervenção. A realidade é um tenso e contraditória processo que se define à medida que é representada pelos grupos e indivíduos envolvidos por um processo de resignificação dos sentidos e de sociabilidade, a partir de signos e prioridades já enunciadas e compartilhadas entre editores, profissionais de imprensa, interesses corporativos, leitores, etc.

[xv] Um artigo, assinado por Fernando de Barros e Silva, Folha de S. Paulo, 18 de Julho de 1999, TvFolha, pág. 2, ”No ar, a república Tabajara”, demonstra as contradições da época, o papel da mídia e do humor televisivo que desconstroi o Brasil veiculado pela mídia que não analisa como o “humor e correção política não formam por (...) nada parecido com o que ocorre em relação a FHC, por quem a turma do “Casseta” já perdeu as últimas migalhas de consideração há algum tempo”.

 

 

Bibliobrafia:

 

ALBUQUERQUE. A. Política versus Televisão, Rio de Janeiro, CEBELA, Comunicação e Política, 1995.

ARANTES. P., “Extinção: Uma derrocada”. São Paulo, 2001.

BOURDIEU. P., O Poder Simbólico, Lisboa, Difel, 1984.

GOMES. W. Propaganda política, ética e democracia, in Matos. H mídia, Eleições e Democracia, São Paulo, Scritta, 1994.

MENDONÇA. K., A Salvação pelo Espetáculo: mito do herói e política no Brasil, Rio de Janeiro, Topbooks, 2002.

MIGUEL. Luis F. Mito e Discurso Político, Campinas, Ed. Unicamp, 2000.

MORAES Nilson A. Notícias sobre o “B.O.” e saúde no governo FHC: políticas e estratégias de Comunicação, Rio de janeiro, CEBELA, 2002.

SANTOS, Wanderlei G. Nostalgia do Silêncio, in Caderno Mais, Folha de S. Paulo,24 de janeiro de 1999, p. 5.

 

Resumo:

Nos oito anos de governo FHC, houve a tentativa de construir uma relação entre imagem e discurso. O período foi caracterizado pela desconsideração dos demais projetos e pelo esforço em impor os que eram produzidos em agências internacionais como estratégia salvacional, inclusive no setor Saúde. O Estado “tucano” empenhou-se em desorganizar e desmobilizar as resistências, para inviabilizar as alternativas que emergiam e as propostas de controlar estas políticas e ações pelas instituições. Estudamos FHC e o tucanato, como parte do discurso da eficiência. Consideramos, em particular, o modo de sua construção e veiculação midiática.

 

Palavras-chave: 1. Poder Político    2.Discurso midiático    3. Imagem política    4. FHC

 

 

* Professor do Departamento de Saúde da Comunidade (DSC) e do Mestrado em Memória Social e Documento (MMSD) da Universidade do Rio de Janeiro (UNIRIO).

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