O PRÍNCIPE E A DEMOCRACIA:O PODER CONSTITUINTE EM MAQUIAVEL

 

Luiz Carlos de Barros Penteado*



 

1. Uma obra, muitas leituras

 

Pro captu lectoris habent sua fata libelli – a sorte de um livro depende da capacidade dos seus leitores. A sentença de Terentianus Maurus, proferida no seu De litteris, syllabis et metris, conquanto seja válida para qualquer obra cujo conteúdo possua alguma relevância, soa sem dúvida singularmente apropriada para O Príncipe. No que diz respeito a esse livro em particular, a sentença de Maurus é citada por Ernest Cassirer como “o melhor testemunho” de sua veracidade (2003: 145). E de fato, muitas leituras foram até hoje feitas dessa obra, diversas entre si e até mesmo opostas, dela extraindo outras tantas e diversas conclusões ou conseqüências. As reações que até hoje desperta variam da repulsa e do ódio - ainda que quase sempre perpassadas por uma certa medida de fascinação - até uma profunda admiração. No seu próprio século, as primeiras reações foram de horror; já no século XVII, Bacon e Spinoza, por exemplo, louvavam Maquiavel, fugindo às condenações iniciais de sua obra, o primeiro porque este banira a velha metodologia escolástica em favor de métodos empíricos de estudo da política, e o segundo vendo em Maquiavel um defensor da liberdade ao mostrar os riscos que corre o povo ao despir-se do poder em favor de um único homem. No século seguinte, conquanto os pensadores iluministas não lhe lançassem um olhar reprovador, Frederico II o definia como um monstro e um inimigo declarado da humanidade, e Voltaire chamava a atenção para a sua periculosidade; e assim prosseguiu a gangorra das opiniões sobre a obra e o homem que a concebeu. Por outro lado, no plano da ação política concreta, Catarina de Médici, Richelieu e Napoleão Bonaparte [1] , dentre outros, fizeram desse livro seu guia e sua bússola, com os resultados que conhecemos.

 

Mas, no plano do horror e do ódio, talvez ninguém tenha expressado tão bem o sentimento geral de repulsa despertado pelo escritor florentino - que faria com o tempo converter seu próprio nome em qualificativo pejorativo - como os dramaturgos elisabetanos Marlowe e Shakespeare. O primeiro, referindo-se a Maquiavel no prólogo do seu Judeu de Malta, situa-o no contexto dos grandes dramas reais da política européia:

 

Embora pense o mundo que Maquiavel morreu,

A sua alma apenas voou para além dos Alpes;

E agora morreu o Guise, veio da França,

Ver esta terra, e divertir-se com os amigos.

O meu nome talvez seja odioso para alguns,

Mas os que me amam guardam-se das línguas deles;

E fazem-lhes saber que eu sou Maquiavel,

E não oprimo os homens, e por conseguinte (não oprimo) as palavras dos

[homens,

Estou admirado daqueles que mais me odeiam,

Embora alguns falem abertamente contra os meus livros,

Hão de lê-los, e por esse meio atingirão

A cadeira de Pedro; e quando me mandam embora

São envenenados pelos que pretendem imitar-me.

(Apud Cassirer, 2003: 149)

 

Shakespeare, falando pela boca de Ricardo, Duque de Gloucester, em Henrique VI, é ainda mais cáustico:

 

Porque posso sorrir e matar sorrindo,

E gritar contente aquilo que aflige o meu coração,

E umedecer a minha face com lágrimas artificiais,

E afeiçoar o meu rosto a todas as circunstâncias,

Afogarei mais marinheiros do que a sereia;

Matarei mais basbaques do que o basilisco

Falarei tão bem como Nestor,

Enganarei mais astutamente do que Ulisses;

E, como Sínon, tomarei outra Tróia.

Posso acrescentar cores ao camaleão,

Mudar de formas como Proteu quanto me convier,

E dar lições ao mortífero Maquiavel.

(idem: 147)

 

Mas, não obstante a fama em geral negativa que se ligou ao Príncipe e a Maquiavel, para autores mais recentes a adjetivação pejorativa da obra e do seu autor não tem sentido. George Sabine, por exemplo, afirma que “nenhum homem de sua época viu com tanta claridade a direção que estava tomando em toda Europa a evolução política” (1975: 252). Norberto Bobbio define O Príncipe como uma “busca da natureza da política”, na qual a questão central,

 

pelo menos em uma das interpretações do seu pensamento, a única de resto que dá lugar a um “ismo” (o chamado “maquiavelismo”), é mostrar em que consiste a propriedade específica da atividade política e, desse modo, distingui-la da moral e da religião. (Bobbio, 2000: 72).

 

Nesse terreno da interpretação, são e têm sido comuns os comentários ao pensamento de Maquiavel referidos quase que exclusivamente ao Príncipe, ressaltando a finalidade da política como sendo a de conservar e aumentar o poder político, tendo como parâmetro de avaliação tão somente o êxito ou o fracasso desse desiderato, e como foco de análise quase que apenas a ação dos detentores do poder com relação aos meios de fortalecimento do Estado. As políticas corretas seriam assim definidas no sentido do aumento do poder deste último e as incorretas no sentido das que o podem levar à decadência. Da mesma forma, é posta sempre em evidência a separação operada por Maquiavel entre conveniência política e moralidade – ou a distinção desta última entre a moralidade dos governantes, dirigida à manutenção e aumento do seu poder, e a dos governados, que consiste na contribuição destes para o grupo social – ainda que essa abordagem possa não ser de todo original, havendo quem, como Sabine, identifique essa noção em algumas passagens da Política de Aristóteles relativas a conservação dos Estados, sem considerações voltadas para a sua bondade ou maldade (1975: 255).

 

2. A leitura de Antonio Negri: uma hermenêutica do poder constituinte

 

Essa visão ou interpretação tornou-se a mais comum, e até certo ponto estereotipada, ao longo desse debate de séculos sobre a obra de Maquiavel. No entanto, como vimos em Bobbio, é apenas uma dentre outras possíveis, e não esgota, de modo algum, a riqueza política do pensamento maquiaveliano. É preciso ir mais além. Nesse sentido, se a hermenêutica - termo derivado do grego hermeneuein e de hermeios, palavra relativa ao deus grego Hermes, inventor mitológico da linguagem e da escrita e intérprete da vontade dos deuses - é a teoria ou a filosofia da interpretação, capaz de instrumentalizar esta última em sua tarefa de descobrir, aclarar e expressar o significado que está contido no objeto de estudo para além de sua aparência e de sua exterioridade, analisar e aclarar o sentido do trabalho de Maquiavel não é algo que se possa fazer limitando-se o intérprete a uma exegese literal dos seus textos, ou isolando um trabalho em particular do conjunto de suas obras e do triplo contexto do homem, do seu lugar e do seu tempo. E é precisamente esse o caminho seguido por Antonio Negri [2] no seu O poder constituinte: o de evitar a perquirição meramente literal ou mais ou menos isolada de um momento específico dentro de uma totalidade que é ao mesmo tempo um produto da história e de uma época e um rompimento com essa história e essa época. O resultado é um mergulho no pensamento maquiaveliano que evita o lugar-comum de dar precedência e destaque ao Príncipe e, em conseqüência, de valorá-lo isoladamente do conjunto da obra do secretário florentino. Esse caminho é um esforço hermenêutico que procura abarcar toda a imbricação dos escritos de Maquiavel entre si (incluindo os de natureza epistolar), com sua vivência e experiências pessoais, seu conhecimento, sua herança e originalidade intelectuais e o ambiente político em que viveu e trabalhou. Esse esforço, ainda que sem negar os elementos de historicidade do pensamento de Maquiavel, recusa enclausurar a obra interpretada na finitude histórica que resultaria, por exemplo, de sua leitura sob o foco da hermenêutica das tradições de Hans-Georg Gadamer. Do mesmo modo, também não se detém na perquirição dos interesses que presidiram a ação intelectual do secretário e pensador florentino, ao estilo da hermenêutica crítica de Jurgen Habermas, mas abre sua interpretação para toda a riqueza de possibilidades contida no objeto investigado, principalmente as de ruptura. Como define o próprio Negri, no capítulo inaugural de O poder constituinte:

 

Não nos interessa a arqueologia do poder constituinte; interessa-nos uma hermenêutica que, além das palavras e através delas, saiba interpretar a vida, as alternativas, a crise e a recomposição, a construção e a criação de uma faculdade do gênero humano: a de construir instituições políticas. (2002: 55-56)

 

No seu diálogo com o pensamento de Maquiavel, mais do que apenas expressar a tão decantada busca deste último do que é em lugar do dever-ser, encontrou Negri, vivo na vida própria da totalidade da obra, um poder-ser. Se a sentença de Maurus é correta, poucos leitores foram capazes de extrair conseqüências mais amplas do conjunto das obras de um autor, como faz Negri em relação a Maquiavel.

 

O caminho hermenêutico tomado por Negri para esse ir além é percorrido tendo por norte o seu conceito do poder constituinte, relacionado ao pensamento maquiaveliano. Esse poder é situado muito além de sua categorização jurídica como exercício finito, excepcional e formal de um poder que concentra e rearticula, por meio da técnica e da ciência jurídicas, finalidades rigidamente prefiguradas em teorias de soberania e representação. Estas últimas limitam intrinsecamente a própria possibilidade constituinte: “o poder constituinte é então retido em redes hierárquicas que articulam produção e representação, e assim reconstituído conceitualmente, não como causa, mas como resultado do sistema” (2002: 25). Na concepção de Negri, a possibilidade constituinte é mantida sempre aberta, como “pluralidade multidirecional de tempos e espaços” (2002: 25), configurada pela expansividade e pela produtividade das potências humanas de vida, materializáveis em ato na constituição coletiva do social em suas relações universais. O conceito negriano de poder constituinte, ao simultaneamente isentá-lo de qualquer prefiguração finalística, libertá-lo da “jaula de limitações espaço-temporais” em que foi encerrado pela sua rearticulação jurídica e devolvê-lo às suas fontes originárias [3] , re-aloca o conceito de soberania como suprema potestas e é o conceito “de um procedimento absoluto – onipotente e expansivo, ilimitado e inconcluso” (idem, ibidem). Fundamenta também uma correspondente e radical concepção de democracia, na qual seu fim último é a plena realização em ato da potência constituinte total das multidões. No sentido que lhe dá Negri, somente a democracia pode ser plenamente política – voltando ao significado originário do termo politikos, ligado à polis grega como aquilo que abarca e diz respeito a todos - porque somente a democracia pode ser realmente universal. Assim como, do mesmo modo e no mesmo sentido, somente “a democracia é, ao mesmo tempo, um procedimento absoluto da liberdade e um governo absoluto” (idem: 26-27).

 

3. O tempo, o espaço, o homem e a obra

 

Porém, como condição para torná-lo possível e compreensível, o ir além negriano em relação às interpretações canônicas de Maquiavel nos pede um prévio volver de olhos – é preciso ir além, mas é preciso antes ir também aquém: devemos situar homem e obra no ambiente em que ambos se desenvolveram. E, nesse sentido, como aponta Cassirer, “há um ponto, pelo menos, no qual se encontra acordo unânime. Todos os autores salientam que Maquiavel é “um filho da sua época”, que é um testemunho da Renascença” (2003: 160).

 

Não obstante o termo “Renascença”, enquanto rótulo aposto a todo um complexo período histórico, seja de definição problemática, podemos dizer com segurança que na época de Maquiavel alterações de fundo vinham ocorrendo e imbricavam-se reciprocamente, de diversos e variados modos, nos planos do pensamento e do poder político. No plano do pensamento, deslocava-se o centro que havia sido comum às várias correntes medievais, voltado para uma concepção de mundo alicerçada num primeiro princípio, o Uno absoluto, desdobrado na multiplicidade das coisas, celestes e terrenas, segundo um dupla hierarquia de existência e de valor, ambas numa harmônica correspondência que permitia, como destaca Cassirer, dela derivar uma estrutura social e política igualmente hierarquizada (2003: 163). Desse modo, se há os mundos mais elevados, que são os dos corpos celestiais, feitos do éter ou quinta essentia, imperecíveis e incorruptíveis, e a Terra, nosso próprio mundo, onde tudo está submetido à decadência e sujeito a perecer com o tempo, assim também há a hierarquia religiosa, descendo do Papa, no ponto mais elevado, até os mais baixos graus eclesiásticos, passando pelos cardeais, arcebispos, bispos, etc., e do mesmo modo:

 

No Estado, o poder mais alto encontra-se concentrado no imperador, que delega este poder para seus inferiores, os príncipes, os duques e todos os outros vassalos. Esse sistema feudal é uma imagem e uma réplica exata do sistema hierárquico geral; é uma expressão e um símbolo dessa ordem cósmica universal estabelecida por Deus e que é, portanto, eterna e imutável. (Cassirer, 2003: 163-164)

 

No entanto, essa cosmologia, que tem origem em Aristóteles e que servia de fundamento e legitimação para esse sistema geral de hierarquias, característico do período que ficou conhecido como medieval, foi sendo substituída pelo sistema de Copérnico, no qual não existem distinções hierárquicas entre mundos celestes e sublunares, estando todos os movimentos, sejam os dos corpos celestes ou os da Terra, submetidos a leis idênticas e universais, desaparecendo assim do universo os pontos privilegiados. Galileu caminhava em direção semelhante, fundando uma nova dinâmica que dava ao mesmo velho problema do movimento uma nova abordagem, cujos critérios eram a observação, a experimentação e a demonstração, e não a aplicação de qualquer propriedade apriorística. Mas mesmo antes dessa revolução cosmológica copernicana, a ruptura com a cultura medieval já se vinha prefigurando. Duns Scotus subvertera a concepção dualista do ser, que o interconectava entre este mundo e um outro reino transcendente, afirmando a essência singular de cada entidade (omne ens habet aliquod esse proprium). Por outro lado, ecclesia est multitudo fidelium, sustentava Guilherme de Occam, querendo com isso dizer que a igreja não é superior à comunidade dos cristãos e diferente desta, mas sim imanente a essa mesma comunidade. De modo semelhante estruturava Marsílio de Pádua sua concepção de república, na qual o seu poder, bem como o de suas leis, derivariam não de qualquer princípio transcendente à própria república, mas da assembléia de seus cidadãos.

 

Tal foi, no plano cultural, a ruptura radical do moderno em relação ao medievo, e que criou as possibilidades nesse terreno para a assim chamada Renascença: a descoberta do plano de imanência, negando a autoridade divina e transcendente sobre os assuntos humanos, demarcando o restabelecimento, no plano do pensamento, do homem como centro de si e do mundo e explicação de ambos, a partir de si mesmo. Essa nova dignitate hominis encontra perfeita expressão no pensamento de Carolus Bovillus (Charles de Boveles), como sublinham Michael Hardt e Antonio Negri:

 

“Aquele que por sua natureza é meramente humano (homo) torna-se, pela rica contribuição da arte, duplamente humano, isto é, homohomo”. Por meio de suas poderosas artes e práticas, a humanidade se enriquece e se duplica, ou de fato se eleva a um poder mais alto: homohomo, humanidade ao quadrado. (2001: 90)

 

Alicerçou-se assim a nova idade histórica no princípio da subjetividade, tornando possíveis novas formas de reflexão sobre o humano, conduzindo à afirmação da autonomia do homem em agir no e pensar o mundo. Não por acaso, na mesma época (início do século XVI) em que escreve Maquiavel suas principais obras, prega Lutero suas 95 teses na porta da igreja do castelo de Wittenberg, dando início ao processo que resultaria na Reforma Protestante. Esta última viria a contribuir para esse novo entender-se do homem no mundo e frente a si próprio, ao fazer declinar o monopólio da mediação institucionalizada da Igreja Católica entre sujeito e verdade, e com isso fazendo declinar também os obstáculos religiosos ao processo de secularização da vida. Enfim, como sintetizam Hardt e Negri, ao longo desse caminho que a partir do século XIII leva a Europa da Idade Média à Era Moderna, “seres humanos se declararam donos da própria vida, produtores de cidades e de história e inventores de céus” (2001, p. 89). Esse crescimento do homem e do indivíduo projetou-se como fundamento das novas relações sociais sobre as quais foi erigida a sociedade europeia moderna, e figurou, da mesma forma, no centro das construções políticas correspondentes – “a constituição da modernidade não dizia respeito à teoria isolada, mas a atos teóricos indissoluvelmente ligados a mutações de prática e realidade” (Hardt e Negri, 2001: 91-92).

 

No plano dessas mutações, duas diferentes lógicas de poder emergiram do processo de superação das fragmentações medievais, podendo, como observa Giovanni Arrighi (1996), serem assimiladas às noções de “capitalismo” e de “territorialismo”. A primeira delas identifica o poder com o controle sobre os recursos disponíveis, tratando as aquisições territoriais ao mesmo tempo como meio e subproduto da acumulação de capital; já a segunda identifica o poder com a extensão física e quantitativa de seu domínio territorial e populacional, a riqueza sendo um meio e um subproduto de sua aquisição, ampliação e manutenção. As cidades-Estado da península itálica, em cujo ambiente político de fins do século XV e começos do XVI viveu e escreveu Maquiavel, haviam se filiado à primeira vertente, ou seja, à lógica de poder capitalista. Entre outras coisas, estabeleceram, em caráter pioneiro, uma rede estável de diplomacia em nações estrangeiras, a qual lhes permitia tanto um melhor conhecimento das intenções dos respectivos governantes, como colaborava no desenvolvimento de suas redes comerciais, e inauguraram uma forma nova de gestão capitalista da guerra, que levou, por meio da formação de uma indústria de produção de proteção, formada por mercenários, a um duplo efeito de minimização dos custos bélicos: obtinha-se ao mesmo tempo tanto a reentrada em circulação dos soldos pagos aos mercenários contratados, como a exportação da violência. As cidades-Estado italianas, como em nossos dias o Japão do pós-guerra, foram uma demonstração de que até mesmo pequenos territórios poderiam transformar-se em centros de poder, com base na acumulação de riqueza, e não de territórios e súditos.

 

No que se refere ao mapa do poder que então se desenhava na península itálica, verificava-se sua repartição entre o reino de Nápoles, ao sul, o ducado de Milão, a noroeste, a república aristocrática de Veneza, a nordeste, e, ao centro, a república de Florença e os Estados pontifícios. A república de Florença caiu em 1512, impotente face às forças políticas então em ação, e dessa queda resultou o período de ociosidade forçada no qual Maquiavel produziu suas principais obras, do qual falaremos adiante. Essa fragmentação, à parte o poder material daquelas cidades-Estado, mantinha atrasado o desenvolvimento político italiano, não havendo nenhum poder em condições de completar, naquele momento, a unificação do país. Regimes tirânicos e sua corte de degradações e opressões eram comuns, fragilizando a Itália diante das pretensões de franceses, espanhóis e alemães. A Igreja era em parte responsável pela manutenção da fragmentação, na pessoa do Papa, o qual não tinha o desejo de unificá-la e nem a força suficiente para fazê-lo, mas possuía a que bastava para impedir qualquer outra força de chegar a tanto. A sociedade italiana dessas cidades-Estado vivia em situação de decadência institucional: ainda que brilhante do ponto de vista intelectual e artístico, muito mais livre das limitações impostas pela autoridade que qualquer outra da Europa do seu tempo, nessa Itália de entre as últimas décadas do século XV e as primeiras do XVI, vicejavam a corrupção e a degradação. Das velhas instituições cívicas, nada restara; a crueldade e o assassinato haviam se convertido em ações normais de governo. Essa mesma deterioração atingia não apenas o funcionamento do Estado, mas a vida social propriamente dita. O egoísmo sem nenhum pudor se convertera em motivação comum, moderada apenas pelo único escrúpulo restante: a falta de êxito. O jogo diplomático era dos mais duros, e os governantes de então baseavam seu êxito na habilidade do jogo e no uso da força propriamente dita, sem maiores dissimulações. Esse é o panorama político dentro do qual se moveram tanto o secretário florentino como o escritor Nicolau Maquiavel.

 

É fora de questão que para Maquiavel interessaram, muito particularmente, as razões da ascensão e da decadência dos Estados e os meios pelos quais poderiam os estadistas fazer com que perdurassem. Mas o alcance do seu pensamento se projeta para além desse âmbito de perquirição, em razão do qual é comumente citado como tendo inaugurado a ciência política moderna. Em linhas gerais, suas duas principais obras, O Príncipe e os Comentários Sobre a Primeira Década de Tito Lívio – muitas vezes chamado pela primeira palavra do título original, Discorsi sulla prima deca de Tito Livio -, tratam, respectivamente, dos principados ou governos absolutos e da expansão da república romana, grandemente inspirado na obra de Políbios, embora correspondendo à redução que Maquiavel faz da classificação tripartite daquele autor, um grego radicado na Roma da fase republicana [4] , tendo-a observado in situ. Esta última não possuía uma constituição no sentido jurídico-formal moderno, mas um arranjo político-normativo de suas instituições, o qual era materialmente constitucional, como deflui da descrição de Maquiavel:

 

Para melhor me explicar, direi que em Roma havia instituições que regulavam o governo, ou seja, o Estado... As instituições abrangiam a autoridade do povo, do Senado, dos tribunos, dos cônsules, a maneira de eleger os magistrados, e o processo legislativo. (2000: 75)

 

No que tange à natureza desse arranjo constitucional republicano, Políbios, seu cultor, nô-lo apresenta em sua História (1996) como misto, uma síntese dinâmica de contra-poderes, cuja estabilidade global decorria de um conjunto articulado de instabilidades parciais. Sua excelência, segundo o historiador grego originalmente trazido para Roma como refém – mas que depois aderiu ao captor -, derivava da incorporação ativa de todos os elementos componentes do Estado em compartimentos distintos, porém não estanques do poder, confrontando-se e equilibrando-se reciprocamente.

 

Como dissemos em outro lugar (2005), Políbios partira das idéias de Tucídides, Platão e Aristóteles, quanto às vantagens de uma constituição mista que reunisse elementos das três formas primárias – monarquia, aristocracia e democracia - mediadas por um sistema que, na linguagem de hoje, poderia ser dito como de freios e contrapesos institucionalizados, mas acrescentando às idéias gregas originais uma nova teoria: a dos ciclos políticos recorrentes (politeion anakiklosis). Por esses ciclos, as três formas “boas” de governo tenderiam inexoravelmente a degenerar em suas variantes corrompidas, contendo já em si mesmas o germe dessa degeneração - o abuso do poder, seja pela concentração excessiva e unipolar de autoridade na monarquia e na aristocracia, seja pelos desejos desenfreados de poder que a banalização da liberdade e da igualdade tornaria desagregadores na democracia. Assim, uma lei inescapável de progresso e decadência uniria monarquia e tirania, depois aristocracia e oligarquia, e a seguir democracia e oclocracia em uma ordem natural (fuseon oikonomia) pela qual esses regimes se transformariam e se transmudariam uns nos outros, até retornarem ao seu estado inicial e reiniciarem o processo.

 

A concepção polibiana emerge como um princípio naturalístico, e de certa forma pessimista, no sentido de que o abuso do poder é inerente ao ser humano, ocorrendo sempre que a memória das condições originais de crise que levaram à constituição de cada forma de governo se perde no tempo e os detentores do poder nele se sentem seguros. No dizer de Políbios, “esse é o ciclo pelo qual passam as constituições, o curso natural de suas transformações, de sua desaparição e de seu retorno ao ponto de partida” (1996: 331). A república romana, entretanto, esteve para o historiador grego numa posição diversa, tendo nascido conforme a natureza, mas se desenvolvido em sentido contrário ao que teria essa natureza requerido, através de sua constituição mista.

 

Já para Maquiavel, o principado corresponde aos reinos, e a república pode ser tanto aristocrática como popular: “todos os Estados que existem e já existiram são e sempre foram repúblicas ou principados”, é a famosa passagem exordial do Príncipe (2002: 29), que se complementa com aquela dos Discorsi segundo a qual “há três espécies de governo: o monárquico, o aristocrático e o popular” (2000: 24). A questão, enquanto articulada em Maquiavel ainda ao modo aristotélico, ou seja, no âmbito classificatório, consiste em definir aritmeticamente se o Estado é governado por apenas um ou por muitos, e, nesse último caso, em sendo menos ou mais numerosos, teremos uma aristocracia ou uma democracia. A natureza da diferença – e essa é uma distinção fundamental - diz respeito, principalmente, à natureza da vontade que se manifesta no governo do Estado, distinguindo-se quanto a ser de uma única pessoa física, ou coletiva. O binômio vital representado pela virtù e pela fortuna, tão presente no Príncipe, não está ausente dos Discorsi, mas metamorfoseado na ação do príncipe, agora já para além de sua pessoa física individual, como sujeito coletivo formado por aqueles que, sobredeterminando a história, constituirão, para Maquiavel, aquilo que seria a república integrativa e dinâmica - destinada, se bem constituída, a superar a anaciclose polibiana.

 

Embora os enfoques dados por Maquiavel (a quem se deve a inauguração do emprego sistemático do termo Estado no pensamento político) aos governos no Príncipe e nos Discorsi sejam distintos, isso não significa, como pensaram muitos, que essas duas obras sejam contraditórias entre si. O caso era outro; como sublinha Negri (2002), o primeiro ponto a considerar é que o pensador florentino escreveu o Príncipe entre o início e o fim dos Discorsi. Aproximadamente entre o último bimestre de 1512 e o primeiro de 1513, à época em que os Médicis, com apoio espanhol, retornaram vitoriosos à Florença, e Maquiavel foi demitido, exilado, proibido de ingressar no Palácio Ducal, interrogado várias vezes, preso e torturado, e depois libertado, iniciou ele a redação do Livro da República, que viria a ser uma primeira parte dos Discorsi. Naquele primeiro momento, era uma defesa da forma republicana de governo frente a sua crise e a perspectiva de mutação. São analisados tanto o governo “livre”, como o próprio fundamento do poder, em caráter propositivo das condições recíprocas entre poder e “liberdade”, de início marcadamente ao estilo polibiano. Porém, nesse livro sobre as repúblicas Maquiavel não escreve exatamente sobre repúblicas, mas sobre principados, os quais não são referidos nem como aristocracias nem como monarquias, não sendo também essa uma categoria ou um modelo polibiano do melhor governo, resultante da composição dos governos de um, de poucos e de muitos, uma síntese entre monarquia, aristocracia e democracia. “Principado” é aqui uma tripla relação: “entre poder e mutação, potência e mutação, potência e poder” (Negri, 2002: 74). “Principado” não é uma forma específica de governo, mas o próprio “sujeito histórico da sobredeterminação e da mutação” (idem, ibidem), um princípio de poder. Como veremos adiante, discrepando também das abordagens comuns, o desenvolvimento desse princípio no pensamento maquiaveliano, contido no conjunto de suas obras, consigna espaços para coisas que podem ser relacionadas à democracia.

 

Como dissemos, Maquiavel era um italiano do seu tempo, o tempo da Florença dos Médicis, a mais proeminente das cidades-estado italianas no século XV. Nela afirmou-se, no final daquele período, uma singularíssima constituição, definindo uma república protegida pelo Papa, mas que preservava várias competências para os Médicis; e era ao mesmo tempo, segundo Negri (2002), uma república que considerava a universalidade dos cidadãos, concitando-os a uma ampla participação no governo. Essa nova constituição significava uma mutação sobre a qual era possível agir, transformando a República no corpo da vida civil, a vida de um corpo comum. O pessimismo maquiaveliano surge da sua visão de aspectos fundamentais da conduta humana, como o seu intrínseco egoísmo, que se manifesta no desejo de segurança das massas e no desejo de poder dos governantes, na profunda agressividade e ambição dos homens, não havendo nenhum limite natural ao poder ou as possessões que possam satisfazer seus desejos, embora os haja na realidade natural da escassez que leva os homens à luta permanente entre si. Esse, em Maquiavel, é o solo da ação dos governantes. Em sendo assim, estes últimos, para terem êxito nesse quadro de egoísmo e ambição, devem proporcionar segurança para os anseios que seriam os mais universais, dentre os quais se destaca a propriedade. Nessa ordem de idéias, pode o Estado até mesmo matar, se a isto o levarem as necessidades do poder, mas não deve nunca saquear [5] . Não obstante, por relevante que possa ser, esse é apenas um aspecto do pensamento maquiaveliano.

 

4. Virtù e poder constituinte

 

Para Negri (2002), a principal operação teórica levada a efeito por Maquiavel consistiu em fazer da mutação uma estrutura global atravessada pela ação humana, construindo uma função científica que, ao inserir a mutação na história como primeira estrutura da verdade e da lógica do tempo histórico, retira-a ao destino, tornando-a objeto da virtù e não apenas das forças aleatórias da fortuna, e assim transformando-a em um fator real e consciente do advento do novo. O que vai se desenvolvendo é uma concepção do pensamento que supera a reflexão, posto que não apenas reflete o real, mas que, penetrando no seu movimento e alterando-o conscientemente por meio da ação, o constitui: “a política é a gramática do tempo”, observa Negri, constituindo a potência “através de um jogo temporal que percorre e reorganiza a realidade em função de finalidades normativas” (idem: 64). O herói da virtù e da fortuna é o organizador do Estado, aquele que, apossando-se do movimento do real, trabalhando-o, resolvendo-o, impõe sua vontade de potência de forma a reunir e redefinir as temporalidades dispersas num tempo de inovação que recolhe e remodela toda a tradição política, sobredeterminando o tempo histórico. Uma idéia nova de construção do poder vai assim se configurando, nada tendo a ver com as concepções de soberania do direito comum medieval ou das teses contratualistas. Por outro lado, a ciência política, que, como querem alguns, Maquiavel já inaugurara, converte-se em tecnologia política, e esta, por sua vez, resolve-se em uma técnica do tempo: o poder se define como sobredeterminação, esta última como potência de inovação e ambas como figuras do tempo, um tempo histórico interiorizado no tempo de um “projeto subjetivo concentrado” (2002: 68).

 

A situação da Itália, conforme aparece em escritos de Maquiavel, é peculiar, e mais moderna, por exemplo, que a da França. Nesta, a soberania absoluta do monarca estava assentada sobre um antigo sentimento de autoridade, desconhecido dos italianos. A profundidade da crise italiana exigia uma ação constituinte de extrema radicalidade, com toda a potência de um ato criador. Na França, ao contrário, a antigüidade de sua constituição material, aliada à humildade e à obediência dos súditos, tornava máximos os efeitos da institucionalização do poder, e mais fechado o tempo histórico. Essa diferença de condições levou a uma longa permanência do modelo dinástico absolutista na França, e a uma grande radicalidade da mutação do poder na Itália, ainda que neste último caso sua natureza fosse sempre republicana.

 

Em sua correspondência, amargando o exílio em meio à miséria de San Casciano, Maquiavel se debruça sobre a enorme desproporção de forças no campo internacional, sobre o jogo entre os dispositivos político-militares dos grandes Estados europeus, em face da impotência da Itália à época. Se o princípio constituinte não pode ser discutido no terreno quantitativo da força, somente o poderia ser no sentido qualitativo, como uma nova potência, uma nova qualidade política. Meditando, em meio à sua própria desdita, sobre os destinos individuais, o tempo e a ordem das coisas, o nexo entre elas assume um tom de desespero: a virtù, se chega a nascer, é filha de uma natureza avarenta. A fortuna é um limite objetivo ao desespero subjetivo e singular, e nessa imbricação terá que se exprimir a potência do princípio constitutivo, sem nenhuma outra fundação, senão a virtù aplicada sobre uma trama construída pelo tecido materialista e ateu da casualidade, formando um nexo que define a própria possibilidade da hipótese constitutiva.

 

Então, Maquiavel, que em meio à sua tragédia pessoal havia começado a redação dos Discursos, a interrompeu para escrever O Príncipe. Não o fez como um trabalho autônomo e independente do primeiro, mas para aprofundar o conceito de poder constituinte, conectado aos pressupostos da problemática exposta nos Discursos: sob este ponto de vista, O Príncipe é uma fórmula republicana – “o príncipe novo cria repúblicas”, como diz Negri (2002: 91). O resultado foi não apenas uma ruptura profunda na tradição do pensamento teórico-político ocidental, mas uma descontinuidade do alinhamento inicial dos Discursos com Políbios. Isso ocorre dentro de uma relação insolúvel entre virtù e fortuna, que não é um princípio dialético, não se resolvendo nem se superando, e por isso mesmo se mantendo na terrível precariedade de uma potência sempre aberta sobre uma multiplicidade de possibilidades, e que dessa forma jamais se recompõe inteiramente.

 

5. Poder constituinte e democracia

 

Em seguida a conclusão do Príncipe, Maquiavel retomou o Livro das Repúblicas, já agora convertido nos Discursos Sobre a Primeira Década de Tito Lívio, concluído entre 1515 e 1517. O conceito desenvolvido no Príncipe foi então aplicado à teoria geral polibiana das formas de governo, que vinham sendo desenvolvidas nos dezoito capítulos já escritos dos Discursos. A partir dos capítulos XVII-XVIII dos Discursos, a teoria das repúblicas já passa a ser enriquecida pelo princípio constituinte – “a república torna-se o corpo do Príncipe, a matéria vivente do poder constituinte” (idem: 93). Afastando-se tanto da tradição interpretativa italiana, para a qual o Príncipe é a obra principal, exaltando o conceito da autonomia da política - o que seria o ponto dominante da obra maquiaveliana -, como da tradição anglo-saxônica, que afirma a discrepância entre as duas obras para atribuir o primado aos Dicursos em função do seu tom republicano e pelo prestígio à idéia de governo misto que aí está presente, o Príncipe sendo uma obra de circunstância ou até mesmo equívoca, Negri sustenta a estreita interdependência entre uma e outra. Para ele, ao invés de determinar uma renúncia ao princípio republicano, a natureza dessa interdependência na verdade o exalta: “o caráter absoluto da política, inventado em O Príncipe, ganha vida na república: somente a república, somente a democracia é governo absoluto”, diz Negri (2002: 94), inspirando-se em Spinosa (Tratactus Politicus). Ainda que o Príncipe seja obra de circunstância, fruto da experiência muito particular vivida por Maquiavel na Itália de sua época, não invalida o conceito e não o isola dentro do seu pensamento, mas acrescenta a intensidade excepcional dessa experiência à construção da teoria das repúblicas nos Discursos: “Maquiavel põe o príncipe a serviço do governo democrático” (idem, ibidem).

 

Ao longo dos capítulos iniciais dos Discursos, Maquiavel descreve o ciclo das repúblicas, partindo da classificação aristotélica das três formas boas de governo e de suas contrapartes corrompidas, e observa o princípio dinâmico da passagem de umas a outras, segundo o processo da anaciclose polibiana, e o triunfo final da democracia. A qual todavia também não pode se manter, degenerando finalmente em anarquia e assim reabrindo o ciclo. Mostra também, da mesma forma, como triunfou a constituição mista romana ao integrar as três formas boas de governo, unificando-as, estabilizando-as e preservando-as da malignidade dos seus opostos, através de uma história constitucional que, embora nascendo de apenas dois atores, a monarquia consular e a aristocracia senatorial, incorporou porém o instituto tribunício, obrigando a composição dos dois primeiros com o princípio democrático [6] . Se aqui é possível observar que Maquiavel, de início, absorve e aplica o mesmo olhar grego que Políbios lançou à Roma republicana, vendo na res publica elementos de uma democracia com a qual nem mesmo os próprios romanos se preocuparam, já aqui ocorre um afastamento com relação a Políbios, posto que a inserção do princípio o qual, seguindo este último, Maquiavel qualifica como democrático, foi efetivamente uma revolução, uma vez que aquela constituição, embora permanecendo mista, criou “uma república perfeita – perfeição esta que advém da desunião entre a plebe e o senado (2000: 26-27).

 

Porém, como essa “república perfeita” é construída dentro do esquema de governo misto, sem o superar, pode-se dizer que o pessimismo e o naturalismo polibianos continuam a se fazem sentir, não havendo ainda margem para a sustentação da democracia como princípio constitutivo de per si. O tumulto da plebe e a iniciativa popular de fato são elementos de defesa da liberdade, e nelas se reflete o progresso das instituições, mas ainda inscritas dentro do governo misto, sob a salvaguarda do equilíbrio entre poderes. Ainda são os Discursos de antes da construção do conceito de poder constituinte: “a expansividade do modelo, ou seja, a análise de uma república aberta e capaz de arremessar os próprios desequilíbrios para o exterior, nada disto elide a concepção polibiana do governo misto”, arremata Negri (2000: 97).

 

Mas Maquiavel não se deixou deter na teoria polibiana da recorrência dos ciclos políticos e no seu profundo pessimismo. A resposta, ele a inventa no Príncipe: o poder constituinte, com a qual vai não somente além do sistema de Políbios, mas avança contra ele, caminhando da estrutura ao sujeito e do governo misto à uma nova criatividade, cujas conseqüências ao longo dos Discursos evoluem numa linha já mais propriamente assimilável à noção de democracia. Assim são redefinidos os Discursos, dando um conteúdo absoluto à instituição formal do poder, procurando, a partir daí, demonstrar que a forma constituinte tem como único conteúdo o povo, do que decorre que o príncipe tem como sua única constituição a democracia. A república pede uma re-fundação que retire da história qualquer dimensão cíclica polibiana, tornando desnecessário o uso de quaisquer técnicas de re-equilíbrio de poderes, e que, ao contrário, estabeleça uma relação entre princípio e reforma que abarque a totalidade, encarnando “um motor de reabertura contínua da história” (idem: 101). Nesse ponto, a constituição mista

 

perde o brilho, dissipa-se diante da potência produtiva dos princípios e dos sujeitos. O governo já é exclusivamente aquilo que dele havia feito o príncipe novo: furor e ordem, ímpeto da virtù, capacidade criadora. O governo é um corpo combatente. (Idem, ibidem).

 

Com o abandono da teoria dos ciclos, já não há porque prevalecer a constituição mista, e a história pode deixar de ser um terreno de padecimentos, expiação e malsinada repetição para abrir-se à construção e à criação. O comando e o poder não podem estiolar-se em um princípio formal, em um equilíbrio estático e embotador da situação histórica: eles precisam encarnar-se no princípio do príncipe, reabrindo a gênese constitucional, e ao invés de deter e bloquear a desunião no equilíbrio entre poderes, lançá-la em todas as suas possibilidades inovadoras através de uma potência dinâmica.

 

Na república romana Maquiavel já vislumbra essa potência em ação. Os aristocratas sustentavam que a longa disputa em torno da lei agrária em Roma teria causado o fim da liberdade romana. Maquiavel discorda, entendendo que sem essa luta entre populares e optimates a liberdade não teria sido mantida:

 

Se bem seja verdade que a lei agrária quis escravizar Roma durante três séculos, a cidade se teria perdido antes se o povo, por meio dessa lei e de outras reivindicações, não houvesse conseguido refrear a ambição dos nobres.(2000: 123)

 

O pensamento de Maquiavel sobre a república é um pensamento contra a tirania, e para resistir a ela, a democracia deve ser não apenas forte, mas armar-se; porém, a principal arma da república é o seu povo, cuja vida e atividade, bem como sua contínua renovação, devem ser sempre preservadas, dentro de uma constituição aberta que promova a convergência de todos os segmentos da sociedade rumo aos fins do Estado. Porém, há uma condição fundamental para isso, que é a de que a máquina republicana seja alicerçada na igualdade [7] :

 

Um Estado cujo povo não tenha sido corrompido é fácil de governar; onde existe igualdade não se pode instituir a monarquia, e onde ela falta não se pode fundar uma república... Portanto que o fundador de uma república a institua onde haja, ou possa haver, ampla igualdade; que se prefira criar uma monarquia onde exista a desigualdade. Do contrário, nascerá um Estado desproporcionado no seu conjunto, sem condições para uma longa vida. (2000: 171 e 174)

 

Por outro lado, a igualdade surge como uma condição fundamental da liberdade, e Maquiavel, que é explícito ao considerar a multidão mais sábia e constante que um príncipe, sendo mais merecedora de confiança do que este último, constrói uma imagem radical de um povo capaz de produzir igualdade, e, pela sua ação como sujeito coletivo, construir novas verdades, organizado em suas assembléias, capaz de se armar, de lutar e de vencer. A juventude e a virtù são capazes “de levar a plebe à aventura da liberdade, de ser a força da multidão na construção da glória”, no dizer de Negri (2002: 105), e o Livro I dos Discursos é concluído “com uma afirmação forte, explícita, insistente e reiterada da legitimidade do governo da multidão – da democracia, portanto, como a melhor forma de governo” (idem, ibidem), e o Príncipe resulta inserido e absorvido no discurso da democracia [8] .

 

Ao longo dos Discorsi, a partir do capítulo XXII, vão sendo unificadas as linhas das duas maiores obras maquiavelianas, passando o sujeito coletivo a ser o traço mais marcante da objetividade e o elemento dinâmico que a movimenta, a virtù daquilo que se torna efetivo. Esse sujeito coletivo precisa agir sobre um terreno histórico virgem, mas cujo devir esteve e está perpassado pelo desejo de liberdade presente na constituição dos sujeitos. É preciso então não apenas conservar a memória da humanidade, mas reinventá-la como virtù no “corpo composto pelas gerações humanas” (idem: 108), e recriá-la como poder constituinte. A força terrível da fortuna, com toda a inércia e os equívocos que impõe aos que tentam vencê-la, configura uma guerra que é vivida todos os dias por todas as gerações, cabendo à potência da virtù desestruturar e remover os obstáculos que se apresentam diante dela, opor a sua própria força à força das tradições e do poder construídos contra a vida. Encarnada então no sujeito coletivo, a virtù transita da objetividade às paixões, rearticulando a efetividade com os motores que geram o processo constituinte. O que se funda, então, não é o Estado absolutista moderno [9] , mas a república democrática – “a forma constitucional da multidão” (idem: p. 115).

 

Maquiavel defendia modéstia nas necessidades e um caráter espartano para os costumes, um afastamento do luxo; a visão desse homem da Renascença italiana, do Ressorgimento, tão ligado por vida e obra às questões do poder, pregando essa simplicidade não deve, porém, surpreender tanto, uma vez que a pobreza seja introduzida no quadro da luta da virtù contra a fortuna como mediadora entre potência e paixões de liberdade. Surge assim a pobreza como uma desutopia em meio ao vazio de posses, demarcando um limite absoluto de liberdade e ao mesmo tempo a possibilidade de um novo “príncipe”, o qual, emerso das suas urgências, abra uma oportunidade nova de transformação da realidade. As paixões que daí resultam configuram “dispositivos da liberdade” (idem: 119) que nada têm de estóicos ou cristãos, e, como as paixões “não são suscetíveis de dominação nem de controle” (idem, ibidem), contém em si um impulso, uma potência direcionada para a construção, a partir das multidões, de um novo real. A questão passa então a ser a transformação dessa potência em ato, a paixão não podendo implicar ação cega, mas, ao contrário, devendo integrar-se no dispositivo da virtù:

 

Virtù não pode ser paixão construtiva se não for cupiditas et amor, instinto natural e altíssima condição ética – e também racionalidade... : não apenas racionalidade instrumental, mas racionalidade de um processo de composição e recomposição; racionalidade que é capaz de mover-se no continuum temporal, que sabe se inserir na fluidez do tempo e agir dentro dela. (idem, p. 119-120)

 

Se, na agitação e no confronto das demandas, das ambições e das paixões, não é possível a instauração de uma república perpétua, “a perpetuidade de sua renovação e de sua reforma é possível. O princípio da fundação torna-se o princípio da re-fundação e da dinâmica” (idem: 120), uma vez que se manifeste como um poder constituinte aberto, recorrente, diuturno e armado. Somente esse poder é capaz de realizar a síntese entre o múltiplo e o uno; somente esse poder é capaz de constituir a república. As mesmas dissensões cujo processo nega a perpetuidade da república, dão sentido ao processo histórico e à ação humana que se organiza a partir delas. A própria desunião cria as condições que permitem descobrir e organizar o poder constituinte:

 

Somente quando a desunião torna-se chave das relações institucionais, o governo absoluto pode ser constituído como governo democrático que não encobre as diferenças, mas exige que os cidadãos reconstruam continuamente a unidade a partir de suas diferenças. O princípio do caráter absoluto do poder constituinte é o princípio da multidão em ação. Uma relação entre “furor e ordem”, entre cupiditas e racionalidade, entre inovação e consenso, que representa a matéria de que é feita a ação do Príncipe. (Idem: 121)

 

 

6. Conclusões

 

Mas, afinal, o que é o príncipe? Se considerarmos a questão pelo ângulo da liberdade, a manutenção de sua abertura e de todo o seu potencial construtivo exige que ela se oponha à tirania, à corrupção, à fortuna e até mesmo à religião, naquilo que ela tem de indução à paralisia e à passividade; mas isto somente é possível se a liberdade for ela própria o príncipe, a potência constituinte que se manifesta em ato. Nesse sentido, “O príncipe é a democracia”, resume Negri (idem: 122), para quem “o problema de Maquiavel não será jamais o de terminar a revolução: para ele, a constituição é sempre abertura do processo revolucionário da multidão” (idem: 123). E, como a virtù realizada através da mutação do real transforma-se em fortuna, e esta, por sua vez, em oposição à própria virtù – essa é a anaciclose maquiaveliana [10] – o ser da sociedade surge, ou antes, fragmenta-se, na sucessão dos momentos que se integram no seu devir, definindo uma totalidade sempre inacabada.

 

Mas, não obstante seu alcance e profundidade, a visão negriana do pensamento de Maquiavel traz em si um certo exagero quanto à serem as paixões da multidão insuscetíveis de domínio e controle. Muitas outras inteligências penetrantes e vigilantes, além da de Maquiavel, se aperceberam da potência que elas contém. Por isso mesmo, o que a história política, em grande medida, foi e continua sendo, tanto no campo teórico como no prático, é a história das tentativas de dominação e controle das paixões da multidão, e, no pólo oposto, das tentativas de libertá-las. Numa vertente dessa dicotomia, a síntese entre a unidade e a multiplicidade, como uma vez tentaram os gregos fazer na Ágora [11] e Negri visualiza no pensamento maquiaveliano, pode ser induzida por meios ideológicos, fazendo com que algum tipo de unidade se sobreponha e em maior ou menor medida encubra as segmentações sociais reais produzidas pelos múltiplos conflitos existentes na sociedade, suprimindo sua efetividade sem eliminar sua materialidade. Isso pode ser observado, por exemplo, na construção da idéia de “povo”, uma determinada ordem em que é posta a multidão por um conjunto de princípios formativos, como, por exemplo, a continuidade de relações biológicas de sangue e a comunalidade lingüística, operando como componentes de uma identidade cultural integrativa, fundada sobre uma dimensão temporal de continuidade e uma dimensão espacial de abrangência territorial. Esse conjunto de princípios identitários estabelecem um regime de pertença e sobrepõem à multidão uma representação comum à multiplicidade de singularidades não representáveis que a compõem, pela qual se define o “povo” [12] como uma potência política definida e mensurável. Nesse particular, são bem conhecidos os usos que podem ser feitos, e que de fato o foram, da idéia de povo – uma idéia não necessariamente democrática - associada aos princípios da nacionalidade e do nacionalismo – também não necessariamente democráticos -, ao longo da sangrenta e conturbada história política da humanidade, de que é exemplo tão dramático quanto próximo no tempo o emprego que lhes deu o nazi-fascismo. Se o povo, em Maquiavel, “é a força que autoriza a lei”, como sublinha Negri (2002: p. cit.), a questão consiste em saber o que move o povo. Por outro lado, sempre e ao mesmo tempo aquém e além do conceito de povo, está a multidão: ela é, como diz Negri, a “realidade que permanece”, uma multiplicidade de singularidades irredutível a qualquer representação (2003: 163, grifo original), as quais “mantêm certamente sua força própria, mas a mantêm dentro de uma dinâmica relacional, que permite construir, ao mesmo tempo, a si mesmas e ao todo” (idem: 142). Como imanência sempre em movimento e portadora de todas as energias produtivas, a multidão é uma totalidade que constrói uma potência política indefinida e incomensurável, e, como tal, grávida de todos os mundos possíveis. Nesse sentido, se o povo é o elemento vivo do Estado-nação, a multidão é o elemento vivo do poder constituinte e a carne da democracia.

 

Enfim, o pensamento maquiaveliano se abre de forma plena para toda a conflituosidade existente no tecido social, sem concessões ao seu mascaramento ou dissimulação; esse é exatamente o pressuposto da virtù. O poder político é totalmente fundado nessa dinâmica, sem nenhum transcendentalismo, e com isso Maquiavel se põe além das teses contratualistas de sua época ou de pouco depois, como também das teorias medievais, devolvendo a sociedade não ao príncipe, mas a si mesma, ou melhor, fazendo dela própria o príncipe. E a sociedade, por sua vez, é devolvida à multidão, onde sempre residiram as energias produtivas do corpo social. Em suma, em uma lição que restou ignorada por muitos dos comentadores de Maquiavel ao longo dos séculos, na interseção entre o Príncipe e os Discorsi o pensamento maquiaveliano se move rumo à colocação do problema central do poder político onde ele estava e está, desde sempre até nossos dias, e que outro não é senão o seu movimento e a sua localização entre duas alternativas fundamentais e opostas: o controle pelo povo, ou o controle do povo. Ou, indo além, com Negri: o controle da ou pela multidão. Como nos mostra o Brasil de agora, onde uma crise profunda de Poderes e entre Poderes da República não apenas pões em cheque a legitimidade institucional respectiva, como também evidencia a enorme distância entre sua constituição-papel e sua constituição-verdade – ou entre sua constituição em sentido jurídico e sua constituição em sentido material -, e a distância ainda maior a que se encontram o Estado e o poder político no Brasil das fontes constituintes populares.



NOTAS

 

[1] Existe uma versão muito interessante e elucidativa de O Príncipe, anotada por Napoleão, com traduções para o português.

 

[2] Filósofo e cientista social italiano, antigo catedrático de Filosofia do Direito da Universidade de Pádua, da qual foi desligado por razões políticas, e cuja participação militante nos debates e embates políticos italianos da década de 1970 lhe rendeu uma condenação e um exílio na França, onde lecionou na Universidade de Paris VIII e no Collége Internacional de Philosofie. Retornando à Itália, cumpriu ainda pena na penitenciária romana de Rebibia, sem que isso o fizesse interromper sua vigorosa produção intelectual. Em O poder constituinte – ensaio sobre as alternativas da modernidade, está grande parte da base conceitual utilizada na sua obra de maior repercussão, Império, escrita em conjunto com Michael Hardt. Esta última obra é uma análise simultaneamente audaciosa, estranha e profunda dos processos da dominação capitalista global.

 

[3] “Como pode”, pergunta-se Negri, “uma “classe política” pré-constituída ser a garantidora de uma nova constituição?” (2002: 24).

 

[4] Fase que sucedeu a realeza e antecedeu a era dos Césares.

 

[5] Tais idéias estão também no cerne do pensamento político de Thomas Hobbes, integradas na idéia geral do Leviatã.

 

[6] No campo da teoria; na prática, os mecanismos reais de atuação política da plebe eram sujeitos a diversos controles.

 

[7] Parece-nos, no entanto, que essa “igualdade” a que se refere Maquiavel é de natureza estritamente político-formal, ou seja, igualdade abstrata de todos perante as leis e igualdade concreta no sentido da participação política. Assemelhar-se-ia, talvez, à igualdade como a compreendiam os democratas atenienses da época clássica, porém dilatada por elementos que estes últimos não incluiriam na categoria de cidadãos.

 

[8] Há também nos Discursos uma crítica à religião cristã, no que ela produz de passividade e conformismo em face das questões seculares. Ao glorificar o desprezo pelos assuntos humanos e os homens humildes e contemplativos acima dos ativos, embora em si mesma possa até mesmo não ser uma tirania - uma forma de dominação integral, invasiva e feroz - a religião cristã não se opõe a esta última, e permite que a liberdade seja sufocada. Em contraste, é feita a apologia de uma religião civil que exalte o coletivo, difunda o senso de liberdade e conclame à ação, ao invés de enfraquecer o mundo e deixá-lo a mercê dos perversos.

 

[9] Isso seria uma degeneração do pensamento de Maquiavel, que Negri atribui aos antimaquiavelianos.

 

[10] Em comparação com os ciclos constitucionais polibianos, cuja lógica os leva a fecharem-se sobre si mesmos, a anaciclose contínua entre virtú e fortuna através da mutação configura um princípio que dá ao processo constitucional um potencial constante de abertura para o novo.

 

[11] Praça pública das antigas cidades gregas, na qual, entre outras coisas, se localizava a pnix, local onde na Atenas democrática se dava o exercício das deliberações coletivas da Assembléia dos cidadãos.

 

[12] É claro que a inserção coletiva numa determinada ordem segundo certos princípios formativos não as aplica apenas ao povo, tomado aqui apenas como exemplo-limite, mas a qualquer corpo coletivo organizado de uma maneira que possa ser assim qualificada, podendo por igual conduzir a encobrimentos ideológicos de conflituosidades reais, na medida em que a ordem resultante seja vivida por representação.

 

 

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RESUMO: Este artigo tem por finalidade expor o trabalho hermenêutico realizado por Antonio Negri sobre o pensamento de Maquiavel, tendo como centro a interseção de suas duas principais obras, O Príncipe e os Comentários à Primeira Década de Tito Lívio, analisadas a partir do conceito negriano de poder constituinte, em suas implicações quanto à democracia e em contraste com as interpretações tradicionais que tendem a destacar e a priorizar O Príncipe em relação ao restante da obra maquiaveliana.

 

PALAVRAS-CHAVE: democracia, poder constituinte, virtù.

 

*O autor é oficial do Exército Brasileiro, Bacharel em Ciências Jurídicas e Mestre em Ciência Política pela UFRJ. Publicou em Achegas nº 13, de novembro de 2003, o artigo A luta contra a Ágora: a subversão pós-moderna dos valores integrativos da Polis. E-mail: luiz.carlos.penteado@terra.com.br

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