QUE PAPEL PARA AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS DE SEGURANÇA E DEFESA NA EUROPA?

 

Sandra Pereira*

 

1. Introdução

 

A Segurança Internacional foi desde sempre uma preocupação e prioridade dos Estados. Quando a disciplina nasceu era encarada como segurança militar contra possíveis agressões externas. A luta de poder entre os Estados propiciava notoriamente um clima de tensão entre eles, e tornava imprescindível uma política de segurança nacional forte. A diplomacia e o Direito Internacional procuravam equilibrar o poder entre os estados de modo a harmonizar a Comunidade Internacional, tentando pôr ordem na anarquia. Atualmente o conceito de Segurança Internacional é muito mais abrangente, não se cingindo exclusivamente a aspectos militares e de defesa estadual. Ole Weaver, refere precisamente essas mudanças: " (…) mudar de um conceito de segurança focado exclusivamente no estado (segurança nacional) para um conceito mais alargado ou alternativo que enfatiza a segurança do povo, tanto como indivíduos como coletividades globais ou internacionais” (1995:47). A segurança dos indivíduos não é apenas alcançada através da proteção militar contra possíveis ameaças externas, ela passa também pelo bem-estar econômico, pelas preocupações ambientais, pela identidade cultural e pela defesa dos seus direitos políticos.

 

No mundo de hoje, o estado, por mais forte e próspero que seja, não possui condições para, sozinho, assegurar a segurança dos seus cidadãos. Nenhum estado permanece completamente isolado. As instituições e organizações internacionais fazem parte da sociedade e contribuem para a solidificação das relações amigáveis entre estados, diminuindo desta forma a ocorrência de conflitos. A origem histórica das Organizações Internacionais data do século XIX, na seqüência do Congresso de Viena, que procurou reorganizar a Europa e lançar as bases de um sistema que fosse capaz de equilibrar as potências, após a queda de Napoleão I. No entanto, é no Pós 1ª Guerra Mundial, que se dá um maior progresso do fenômeno: das Organizações Internacionais especializadas que existiam até à data, criou-se a primeira Organização Internacional de caráter geral, a Sociedade das Nações (SDN), que tinha como principal objetivo a manutenção da paz.

 

As organizações internacionais, quer sejam de caráter geral ou específico, quer tenham objetivos econômicos, sociais, ambientais ou militares, contribuem de forma positiva para o fortalecimento da paz, uma vez que estabelecem relações amigáveis/ de interesse entre os estados, tornando desta forma o conflito armado entre membros menos provável. No entanto, de momento iremos debruçar-nos estritamente sobre as organizações internacionais com repercussão no campo militar, ou seja, que têm um envolvimento direto na manutenção da paz.

 

2. Papel das organizações internacionais até 1989

 

No Pós 2ª Guerra Mundial, com a extinção do fascismo e do nazismo, subsistiram duas grandes correntes ideológicas responsáveis pela divisão do mundo em dois pólos. De um lado os capitalistas, liberais e democratas, liderados pelos EUA; do outro os comunistas, tendo por país líder a URSS.

 

As Organizações Internacionais de Segurança e Defesa com capacidade operacional a nível militar eram, na época, a Organização do Tratado Atlântico Norte (OTAN) [1] e o Pacto de Varsóvia. Neste contexto, a segurança e defesa se alcançava através do equilíbrio de forças entre as organizações militares de cada um dos blocos ideológicos. A OTAN aparecia como a única organização capaz de defender o território da aliança. Os seus objetivos incluíam a promoção da estabilidade na Europa e a promoção das relações transatlânticas.

 

As restantes organizações internacionais com influência na Europa eram, em termos militares, extremamente frágeis, senão completamente ineficazes. Senão vejamos. A Organização das Nações Unidas (ONU) [2] enfrentou durante a Guerra-Fria, um período de insuficiência, não só militar como também política. Os EUA e a URSS, dois dos membros permanentes do Conselho de Segurança (e portanto com direito de veto sobre as matérias a votação), impediam constantemente que as propostas provenientes do bloco oposto vingassem. A ONU vivia num permanente impasse, sendo que as decisões importantes permaneciam congeladas. A União Européia [3] não se impôs como um ator global, sobretudo no que concerne à segurança e defesa. No entanto torna-se imprescindível destacar os circunstancialismos que precederam a integração européia: a Europa era um continente que acabara de sair de uma guerra extremamente destruidora, sendo a sua maior preocupação a reconstrução econômica – as questões de segurança e guerra foram colocadas em segundo plano. Os europeus pretendiam uma maior harmonia econômica, até esta se transformar numa integração completa; os laços econômicos impediriam os conflitos armados entre os estados-membros. Em termos de segurança e defesa a Europa aceitou de bom grado a submissão à proteção dos EUA, ficando sob o chapéu da segurança americana. A Organização de Segurança e Cooperação Européia (OSCE) [4] pretendia assegurar a Segurança e Defesa pan-européia. A organização teria como funções a prevenção de conflitos e gestão de crises, bem como o controlo de armamento, sendo que concederia grande relevo à dimensão humana. No entanto, em termos práticos a sua ação foi praticamente nula: para muitos a OSCE não passava de um fórum de discussão aberta e de negociação para os governos membros, não chegando a ter estruturas organizacionais bem definidas. Contudo urge salientar a sua importância, uma vez que incluía entre os membros, os governos de leste. Apesar da sua criação ter subjacente a idéia de que seria uma alternativa à OTAN, ela não possuía meios e capacidades militares próprios que garantissem a segurança dos seus estados-membros.

 

Resumindo, a segurança e defesa européia consistiam no equilíbrio de forças entre a OTAN e o Pacto de Varsóvia, ou seja, baseava-se no equilíbrio entre os dois blocos responsáveis pela bipolarização do mundo até 1989.

 

3. Papel das organizações de segurança e defesa

 

Finda a Guerra-Fria houve uma alteração violenta da sociedade e da realidade internacional. O conceito de Segurança Européia sofreu profundas alterações: por um lado existiu uma nova compreensão no que concerne às ameaças à segurança Européia – as agressões em grande escala ao território europeu tornaram-se improváveis, sendo que as maiores preocupações em termos de ameaças à segurança resultaram das instabilidades que se fizeram sentir graças às elevadas transformações econômicas e políticas, de onde destacamos o terrorismo, os conflitos étnicos, os rogue states [5] e o desenvolvimento de armas de destruição maciça. Por outro lado, assistimos a alterações do modo como se responde aos novos desafios e ameaças, valorizando-se a cooperação internacional e as instituições multilaterais.

 

A alteração do cenário foi de tal forma significativa que implicou mutações estratégicas, tanto em termos militares como políticos. No que respeita às mudanças militares, assiste-se a uma diminuição da dependência em relação à arma nuclear, apoiando-se o controlo de armamento. Em termos políticos valoriza-se a interdependência e a cooperação entre estados no sentido de alcançarem objetivos e necessidades de segurança, que se traduz nas suas relações no seio das organizações internacionais (Mckenzie, 1998).

 

A alteração da sociedade internacional no pós-queda do muro de Berlim exigiu igualmente às organizações internacionais uma reorganização e redefinição dos seus princípios e do seu campo de ação, bem como uma maior cooperação entre elas (Pereira, 2005). É, portanto natural a cada vez maior incidência entre os intelectuais, políticos e pessoas atentas, acerca  da questão da articulação entre as diversas Organizações de Segurança e Defesa na Europa e da suma importância do diálogo e da interdependência entre elas. A melhor forma de se obter uma segurança Européia eficiente é pôr as organizações que atuam na Europa, a agirem conjuntamente na resolução de conflitos, crises e na prevenção de possíveis problemas. Outra questão fundamental, é o designado "polimorfismo", ou seja, são terminantes diversas organizações (OTAN, UE/UEO, OSCE) a desempenhar funções específicas – evitando-se desta forma sobreposição de funções, conflitos e desentendimentos.

 

Em seguida pretendemos focar o papel de cada uma das organizações citadas em termos de segurança e defesa, bem como referir as relações de cooperação existentes entre elas.

 

4. OTAN: defensora da segurança na Europa

 

Com o desaparecimento da ameaça de uma invasão militar "socialista" à Europa Ocidental, a OTAN teve de ser reestruturada num sentido menos preventivo de um conflito de grandes proporções, e mais com objetivos de cooperação em matéria de segurança. Segundo os neo-realistas, com o fim de uma ameaça, as alianças têm tendência a quebrar-se, o que não sucedeu com a OTAN (Kaplan, 1999). Para compreendermos essa realidade, não nos podemos olvidar que a OTAN é mais do que uma organização militar, ela é igualmente um instrumento político. O lado político da Aliança está visivelmente na linha da frente, permitindo que a Aliança atue como uma sede de consulta, com o intuito de coordenar e harmonizar opções políticas, promovendo o processo de relações entre os países ocidentais e de leste. Esta consulta incorpora assuntos políticos, mas também assuntos de planejamento da defesa, da emergência civil, cooperação em relação ao armamento, etc. O seu envolvimento não se circunscreve aos acontecimentos que ocorrem dentro da área da Aliança, mas abrangem acontecimentos fora dessa área geográfica, que têm implicações para a mesma. A propósito da sua redefinição, Vaclav Havel afirmou que a Aliança era acima de tudo um instrumento em prol da democracia, defensora de valores políticos e espirituais; e que mais do que um pacto de estados contra um inimigo mais ou menos óbvio, ela era principalmente a defensora da civilização euro-americana e assim um pilar da segurança global. (Havel in Kaplan, 1999).

 

No pós-1989, os conflitos regionais com sérias conseqüências humanitárias, são uma realidade quotidiana para os europeus, e substituem os cenários globais da Guerra-Fria. Desde 1990 as guerras vitimaram 4 milhões de pessoas, 90% das quais eram civis. Em todo o mundo, mais de 18 milhões tiveram de abandonar os seus lares por causa dos conflitos (www.europa.eu.int). O novo conceito estratégico da OTAN abrange estas novas realidades, sendo que a organização passou a dedicar-se, para além da tradicional defesa coletiva, a operações de manutenção da paz no continente europeu, gestão de crises e prevenção de conflitos, ou seja, o seu campo de ação foi alargado, chegando mesmo a cobrir operações humanitárias e antiterroristas, luta contra o tráfico de drogas, assim como ameaças indefinidas à paz e à democracia.

 

A OTAN tem desempenhado um papel crucial no contexto da segurança Européia, sendo a única instituição com uma posição eficiente em termos militares, ou seja, a OTAN é a única organização com meios e capacidades para intervir militarmente em qualquer parte do globo.

 

Para ilustrar o papel operacional da OTAN referiremos a sua participação no conflito dos Balcãs. O envolvimento da OTAN iniciou-se em 1992, onde tinha por missão vigiar e impor o embargo de armas imposto pelas Nações Unidas a toda ex-Jugoslávia e sanções específicas contra a Sérvia e Montenegro. A OTAN prestou igualmente apoio aéreo aos capacetes azuis e às designadas áreas seguras.

 

O ataque aéreo da OTAN contra os Bósnios Sérvios em 1995 contribuiu para a criação de um ambiente propício para a negociação da paz, levando ao Acordo de Paz de Dayton. Para implementar os aspectos desse acordo de paz, foi levada a cabo uma operação de Manutenção da Paz, a IFOR (força de implementação da paz, constituída por 60000 soldados). Os objetivos da IFOR foram atingidos em Setembro de 1996 no momento das eleições na Bósnia e Herzegovina. No entanto, como a situação permaneceu instável, sobretudo em relação à segurança dos civis, a OTAN envolveu-se numa nova missão de Construção da Paz, a SFOR (Força de estabilização da paz) a partir de 1996 até 2004.

 

5. UE: o desenvolvimento da Política Européia de Segurança e Defesa (PESD) 

 

A União Européia, que reúne 25 Estados com mais de 450 milhões de habitantes, com uma produção que representa ¼ do PNB mundial é forçosamente um ator global (www.europa.eu.int). No Pós Guerra-Fria a UE procura agir também como ator global a nível da segurança internacional, assumindo desta forma a sua quota-parte de responsabilidade. Jean Pierre Chevènement, antigo Ministro Francês da Defesa, afirmou em 1989: "Os recentes acontecimentos internacionais estão a encorajar-nos a tomar conta da nossa própria segurança, ao mesmo tempo que nos estão a oferecer novos meios para o fazer”. (Nye, 1993: 119). O desenvolvimento de uma Identidade Européia de Segurança e Defesa (IESD) permitiria uma maior responsabilidade Européia no que concerne à sua segurança e defesa, diminuindo desta forma a dependência em relação à OTAN e aos EUA.

 

O Tratado de Maastricht, que entrou em vigor em 1993, introduz no seu capítulo V a política externa de segurança comum (PESC). A PESC inclui todas as questões relativas à segurança da União Européia e pretende salvaguardar os valores comuns e interesses fundamentais, bem como reforçar a segurança dentro da União Européia. Os seus objetivos são a manutenção da paz e da segurança internacional, a promoção da cooperação internacional e o desenvolvimento e consolidação da democracia, respeito pelos direitos humanos, pela liberdade e pela lei.

 

Muitos autores defendem que desde 1998 foram alcançados maiores progressos no campo da segurança e defesa Européia do que nos 50 anos precedentes. Em Dezembro de 1998, em St Malo, reuniram-se o Primeiro-Ministro Britânico Tony Blair e o Presidente Francês Jacques Chirac que foram unânimes ao declararem a importância do desenvolvimento de uma capacidade política e militar autônoma. Esta foi uma Cimeira significativa uma vez que permitiu o desbloqueio de um veto com mais de 50 anos por parte do Reino Unido, em relação à discussão da Segurança e Defesa Européia. No Conselho Europeu de Colônia, em Julho de 1999, define-se a gestão de crises (Missões Petersberg) como o alvo principal da Política Européia de Segurança e Defesa (PESD). As chamadas Missões Petersberg foram originalmente definidas pela União Européia Ocidental (UEO) e são descritas como acções conjuntas em matéria de desarmamento, missões humanitárias e de evacuação, missões de aconselhamento e assistência em matéria militar, missões de prevenção de conflitos, missões de forças de combate para a gestão de crises, incluindo as missões de restabelecimento da paz e as operações de estabilização no termo do conflito (Martinsen, 2003).

 

Em Helsínquia (Dezembro 1999) é definido o objetivo da União Européia de, agindo em conjunto, serem capazes, através da fixação de objetivos em matéria de capacidades militares e civis de gestão de crises, de colocar até 2003, 60 000 pessoas no terreno, num prazo de 60 dias, e de as manter durante um ano (Piana, 2002) Estas forças designadas de Forças de Reação Rápida seriam capazes de conduzir as missões Petersberg. Em Nice foram estabelecidas novas estruturas permanentes, quer militares, quer políticas; estas novas instituições seriam responsáveis pelo controlo político e pela direção estratégica em caso de crise. Entre as novas instituições destacamos o Comitê Político e de Segurança (Cops) – com sede em Bruxelas, e integrado por representantes nacionais – o Comitê Militar da UE (CM) – composto por chefes do Estado-Maior da Defesa. Em Junho de 2000, na Cimeira de Feira, a União Européia decidiu desenvolver os aspectos civis da gestão de crises. As quatro áreas prioritárias sobre as quais esse desenvolvimento teria lugar eram: policiamento, reforço do estado de direito, reforço da administração civil e projeção civil. No Conselho Europeu de Laeken (2001), foi declarada a operacionalidade da Força de Reação Rápida.

 

A União Européia colocou em prática a sua vertente militar em 2003 através do envio de pequenos contingentes de Manutenção da Paz para a Macedônia (em Março, com a participação de 400 militares) e para o Congo (em Junho, tendo contado com a participação de 1200 militares). O desenvolvimento do músculo militar foi reforçado pela operação na Bósnia e Herzegovina em Dezembro de 2004, quando 7000 soldados iniciaram a missão de Manutenção da Paz, em substituição das forças da OTAN. No entanto, e apesar dos planos para a formação de “grupos de combate” já em 2007 e do provável alargamento da sua missão dos Balcãs à província do Kosovo, a UE deverá a curto prazo continuar a limitar-se em assegurar operações de Manutenção da Paz e de tipo humanitário (Jornal Público, 3 de Dezembro 2004a).

 

 

 

6. Relação estreita entre UE e OTAN

 

A OTAN é a base da defesa coletiva Européia, advogando contudo o desenvolvimento da Identidade Européia de Segurança e Defesa (IESD), de modo a que os europeus possam desempenhar um papel de maior relevo no seio da OTAN, criando um autêntico pilar Europeu.

 

A relação entre as duas organizações é necessária e uma vez que existe coincidência de valores e objetivos, torna-se uma relação desejável para ambas. A relação transatlântica em termos de segurança e defesa conheceu significativos progressos nos últimos anos, por exemplo, em Berlim, em 1996, assistiu-se a um momento histórico com importantes desenvolvimentos na prática: a adoção das forças-tarefas conjuntas combinadas (Combined Joint Task Forces, CJTFs); ou seja, unidades separáveis mas não separadas que podem ser deslocadas em função de objetivos especificamente europeus no quadro da aliança liderada por Washington. Estas são forças multinacionais inseridas na OTAN, e que permitem à UE liderar operações, utilizando os meios e as capacidades da OTAN. As forças-tarefas conjuntas permitiram a correção de duas fraquezas da UE: o acesso a capacidades militares e o comando e controlo de estruturas. Estes meios e capacidades apenas seriam usados em operações onde a OTAN não estivesse envolvida, e o seu uso seria avaliado caso a caso pelo Conselho da OTAN (Ojanen, 2002).

 

Em 2003 registraram-se uma série de progressos na relação transatlântica, de onde destacamos a assinatura em Março de 2003 de um Acordo UE-OTAN sobre a Segurança da Informação, que permitiu o intercâmbio e a circulação de informações e material classificados segundo regras recíprocas de proteção da segurança. Nesse mesmo mês foi acordado pelas duas organizações o pacote “Berlim-Plus” [6] , cujas preposições procuravam evitar a duplicação desnecessária de recursos e compreendiam quatro elementos. Estes elementos são: garantir o acesso da UE ao planejamento operacional da OTAN; pôr à disposição da UE as capacidades e meios comuns da OTAN; conceder opções de comando europeu da OTAN para as operações dirigidas pela UE, incluindo o desenvolvimento do papel europeu do Adjunto do Comandante Supremo Aliado da OTAN, Europa, (SACEUR) e adaptar o sistema de planejamento da defesa da OTAN para incorporar a disponibilidade de forças para operações da UE. Um exercício conjunto UE-OTAN de gestão de crises – para testar o alcance das disposições permanentes sobre consultas e cooperação em tempo de crise – teve lugar em Novembro de 2003.

 

As disposições do “Berlim-Plus” foram postas em prática na Operação Concordia, a primeira operação militar da União Européia na ex-República Jugoslava da Macedónia. Existe também uma coordenação operacional UE-OTAN tanto na Bósnia-Herzegovina – onde forças dirigidas pela OTAN estão destacadas na SFOR e a União Européia tem uma missão de polícia – como no Kosovo – onde forças dirigidas pela OTAN estão destacadas na KFOR (forças da OTAN no Kosovo) e a União Européia é responsável pela reconstrução econômica. A experiência proveniente da Operação Concordia e do primeiro exercício conjunto UE-OTAN de gestão de crises permitirão um aumento da eficácia operacional das disposições “Berlim-Plus” e um reforço da relação transatlântica.

 

Segundo as palavras de Javier Solana: "(...) a relação estratégica entre a Europa e os EUA deve ser preservada : juntos deveremos contribuir para a estabilidade do mundo e para a defesa dos nossos valores comuns" (Solana, 2001: 219).

 

7. OSCE e a vertente humana

 

A OSCE reflete o desafio da cooperação multilateral. No entanto, ela continua "(…) uma amálgama incoerente de um processo e estrutura organizacional com reduzidos meios de ação à sua disposição." (Mckenzie, 1998: 119). A OSCE é, sobretudo um espaço de consultas regulares sobre a política de segurança. Segundo Igor Ivanov, a OSCE é uma instituição de cooperação e assistência e não um instrumento de pressão e punição, reprovando as tentativas de usar a OSCE como instrumento de pressão sobre os países membros (Ivanov in Façon, 1997).

 

A existência do veto na OSCE para cada um dos estados-membros faz com que, em caso de uma crise que exija que todos garantam conjuntamente a segurança e que imponham soluções, tenha de se enfrentar os diferentes valores e interesses, sobretudo se um dos membros estiver diretamente envolvido na crise. Outra lacuna da OSCE situa-se na ausência de meios e capacidades militares independentes para agir em caso de necessidade, sendo por isso impossível agir por conta própria. Para assegurar uma maior eficácia da OSCE no que respeita à segurança e a cooperação Européia, seria necessário que os seus membros aumentassem o seu apoio em relação à organização – apoio político, mas também financeiro.

 

Em termos operacionais, a OSCE tem um papel significativo na diplomacia preventiva, ou seja, na prevenção de conflitos e crises, desempenhando igualmente um papel central no controlo de armamento, criando normas que garantem o sucesso dos esforços para a diminuição dos mesmos. Com maior incidência estão as missões da OSCE no que concerne à reabilitação das regiões no pós-conflito. Daqui convém realçar uma das funções primordiais da OSCE, ou seja, a defesa dos direitos humanos e das minorias, bem como o desenvolvimento econômico das regiões afetadas por crises. As operações de Manutenção da Paz, que também são cobertas pela OSCE, são levadas a cabo com os meios e capacidades cedidos pela OTAN ou pela UEO.

 

A presença da OSCE na Bósnia-Herzegovina, sobretudo no seu apoio às eleições de 14 de Setembro de 1996, foi de extrema importância. A contribuição no processo de paz na Chechénia e a sua participação no controlo de conflitos e tensões entre maiorias e minorias nacionais, como é o caso da Letônia, da Ucrânia e da Moldávia, são exemplos práticos das suas missões no terreno.

 

Segundo Flavio Cotti, presidente da OSCE em 1996: "O destino da OSCE depende da vontade unânime dos estados-membros. A OSCE é uma organização flexível que se adapta às diferentes situações. Só o futuro dirá, se a colaboração da OSCE em matéria de segurança será simplesmente complementar ou se a OSCE terá um papel mais importante a desempenhar" (http://www.osce.org/natodéclarationparl'osceaunacc/brussels/11dec.1996.htm ). Apesar de ser uma organização bastante ativa no combate de conflitos latentes, até recentemente faltava-lhe experiência na contenção de conflitos. A OSCE detém pois um papel complementar na questão de Segurança e Defesa Européia, destinando-se em especial à defesa dos direitos humanos e das minorias.

 

8. Relação com outras organizações internacionais.

 

Um dos parceiros mais chegados da OSCE é a ONU. A cooperação iniciou-se em 1992, quando a ONU declarou que a OSCE (na altura CSCE) era uma organização regional nos termos do Capítulo VIII da Carta das Nações Unidas. Um esquema de cooperação e coordenação entre o Secretário da ONU e a CSCE foi acordado logo em 1993, sendo atribuído à CSCE, nesse mesmo ano, um estatuto de observador da ONU. A partir desta data, os encontros entre responsáveis da ONU e da OSCE tornaram-se regulares. Os órgãos das Nações Unidas são constantemente convidados a participar no Encontro Anual da OSCE em Viena.

 

A cooperação a nível político é complementada com atividades no terreno. No Kosovo, a ONU e a OSCE estão a desenvolver uma relação estreita e inovadora. Tendo por base a Resolução 1244, de Julho 1999 das Nações Unidas, estabeleceu-se uma missão da OSCE no Kosovo, como uma componente distinta dentro da Missão Interina de Administração das Nações Unidas (UNMIK). A função da OSCE estava relacionada com a construção da democracia e defesa dos direitos humanos. A Missão da ONU na Bósnia e Herzegovina, apoiou as atividades eleitorais organizadas pela Missão da OSCE na região, sobretudo no que diz respeito à promoção dos direitos humanos no país. A OSCE e a ONU também cooperaram no Tajiquistão, fornecendo assistência em assuntos como proteção de refugiados, assistência eleitoral e protecção humana. Estes são alguns exemplos da cooperação existente entre as duas organizações com repercussões na área da segurança e defesa.

 

A OSCE e a OTAN possuem igualmente ligações que as levam a agir em conjunto. Desde 1996 que a OSCE e a OTAN estão empenhadas em desenvolver um processo de interação política e de cooperação, para isso tornaram regulares os contactos e encontros entre o Presidente da OSCE e o Conselho Norte Atlântico. No que concerne à cooperação no terreno, as duas organizações trabalharam na vigia da implementação de sanções e na verificação do controlo de armamento nos Balcãs. A IFOR e a posterior SFOR prestaram um apoio fundamental à OSCE na operação na Bósnia e Herzegovina, quer em termos de segurança do pessoal da OSCE, quer a nível de apoio na sua função de preparar, supervisionar e instruir as eleições que tiveram lugar em Setembro de 1996. Durante o período em que a Missão de Verificação da OSCE esteve no Kosovo (Outubro 1998-Março 1999), os funcionários da OSCE trabalharam no terreno em sinergia com as forças aéreas de verificação da OTAN. Atualmente a missão da OSCE no Kosovo mantém relações estreitas com a KFOR da OTAN, que tem como função assegurar um ambiente pacífico para a realização das atividades da comunidade internacional no Kosovo.

 

9. ONU: prevenção de conflitos e construção da paz

 

O principal objetivo da ONU é a manutenção da paz. A organização global (…) clarifica princípios contra o uso da força; deslegitima o colonialismo ocidental; pronuncia-se em situações específicas; apóia o desarmamento e o controlo de armamento; e encoraja os estados a se desarmarem” (Archer, 1992: 97). Como afirma Kofi Annan, a ONU detém um papel indispensável, uma vez que “ (…) Atualmente, nenhum estado, apesar de poderoso, é capaz de se proteger a si próprio. Da mesma maneira, nenhum país, grande ou pequeno, pode alcançar a prosperidade num vacuum” (Financial Times, 21 de Março, 2005). As atuais funções da ONU, em termos de segurança e defesa, são sobretudo no desarmamento e no seu controlo; as questões humanitárias; a promoção e proteção dos direitos humanos; a diplomacia preventiva; as missões de manutenção da paz e a sua função de clarificar princípios contra o uso da força.

 

No entanto, no que respeita às ações da ONU num contexto de Segurança e Defesa, podemos afirmar que "(...) o seu envolvimento é pequeno demais, tardio e pode estar afastado de disputas mais significativas” (Archer, 1992: 177). A ONU enfrenta atualmente uma crise de identidade, que se pode resumir na questão de Mark Turner (Financial Times, November 29, 2004) “The United Nations in a divided world: Can it reform to stay relevant?” O relatório intitulado “Um mundo mais seguro: uma responsabilidade partilhada”, define uma série de propostas para reformar as Nações Unidas na sua função de supervisora da justiça e ordem mundial. Estas propostas incluem a expansão das linhas de orientação do Conselho de Segurança no que respeita ao uso da força (novo código de guerra); maior controlo na transferência de tecnologia nuclear e uma convenção e definição global para o terrorismo.

 

A legitimidade da ONU foi posta em causa durante a guerra do Iraque, quando os EUA e Inglaterra iniciaram o conflito sem o necessário mandato da ONU, sem que a organização pudesse fazer algo para impedir. As Nações Unidas não possuem os meios necessários para forçar os Estados a agir de acordo com as leis internacionais e de acordo com o que vem expresso na Carta das Nações Unidas, quando os conselhos, a persuasão e a pressão não funcionam. Sem meios e capacidades próprios, a ONU tem de se dedicar cada vez mais à prevenção de conflitos e construção da paz, estando cada vez mais distante das grandes operações militares, uma vez que não possui capacidades para tais intervenções.

 

Em seguida iremos mencionar alguns exemplos da ação da ONU. Em termos de manutenção da paz, com o auxílio da OTAN, podemos destacar a sua ação na ex-Jogoslávia (UNPROFOR), Bósnia (SFOR II), na Croácia (SFOR), no Kosovo (KFOR), e também em Moçambique, entre outros. Esta atividade da ONU nunca foi isenta de críticas, de destacar a falta de meios e força para agir. Quanto ao controlo de armamento, podemos mencionar o caso das inspeções de Blix e Baradei no Iraque. Por fim citaremos o caso do Burundi, do Camboja, de Ruanda, entre outros, como regiões onde a ONU procurou proteger os direitos humanos.

 

Em 2002, a ONU manteve 15 operações de Manutenção da Paz e 13 missões políticas de Construção da Paz. No que diz respeito às operações de Manutenção da Paz, elas ocorreram na Europa (5); em África (4); no Médio Oriente (4); e na Ásia e Pacífico (2). No que respeita às missões de Construção da Paz, elas tiveram lugar na África; na Ásia e Pacífico; e na América Central. Estas operações cobrem uma série de necessidades que incluem o desarmamento, a proteção dos direitos humanos, os conflitos étnicos, a corrupção estadual, a realização de eleições democráticas, entre outros.

 

10. Relação com outras organizações

 

 

A cooperação entre as Nações Unidas e as instituições regionais requer uma compreensão das possibilidades e limitações de cada uma, assim como o desenvolvimento de princípios, regras e procedimentos para governar a parceria, o que não tem sido fácil. Como ponto de partida nesta análise, urge salientar que a OTAN e a UE se comprometem a agir de acordo com a Carta das Nações Unidas, apoiando-a quando necessário, defendendo os princípios da democracia, igualdade e lutando pelos direitos humanos. As duas organizações têm igualmente de possuir o mandato das Nações Unidas para poderem intervir militarmente.

 

A ONU está consciente da sua falta de recursos e meios militares para intervir; por isso reconhece a sua incapacidade de agir sozinha, e a necessidade de apelar assistência ás organizações regionais. A OTAN é indubitavelmente a instituição dominante na coordenação de intervenções militares sempre que necessário. É a organização regional mais capaz de "(...) apoiar a ONU na busca de uma resposta possível à anarquia madura em que se transformou o globalismo da segurança" (Moreira, 1999: 420). A OTAN cede os seus meios e capacidades militares, em operações de Manutenção da Paz lideradas pela ONU. Na prática podemos destacar o apoio dado pela OTAN no processo de paz na ex-Jugoslávia, entre 1992 e 1995 a Aliança tomou diversas decisões importantes que levaram a operações das forças navais da OTAN, em conjunto com a UEO, para regular e posteriormente impor o embargo e as sanções da ONU no Adriático. A IFOR contribuiu para a criação de um ambiente mais seguro que pudesse conduzir a uma reconstrução política e social da antiga Jugoslávia. Na Bósnia e Herzegovina a Aliança também apoiou a Força de Proteção das Nações Unidas (UNPROFOR) através de um importante apoio aéreo. A ação conjunta entre OTAN e ONU, juntamente com o esforço diplomático, foi responsável pelo cessar-fogo e a negociação de uma solução para o conflito em Agosto de 1995.

 

11. Que missões para as organizações internacionais de segurança e defesa?

 

As organizações internacionais são únicas, possuem características, objetivos e capacidades que lhes são específicas, sendo por isso natural que possuam funções e missões diferentes. Tendo em conta as suas vantagens comparativas, iremos antecipar a importância de cada organização internacional, em termos de intervenções com repercussão no campo da segurança e defesa.

 

Para uma maior eficiência das organizações internacionais de segurança e defesa na manutenção da paz mundial, seria necessário uma definição estreita das suas missões e intervenções, para, deste modo, não haver sobreposição de funções. O quadro abaixo demonstra, na nossa opinião, a melhor distribuição das missões. Defendemos que provavelmente esta será a repartição futura das intervenções de segurança entre as diversas organizações internacionais.

 

Tipo de Intervenções clássicas

 

OTAN

 

UE

 

ONU

 

OSCE

Prevenção de Conflitos

 

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Manutenção da paz

 

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Imposição da Paz

 

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Construção  da Paz

 

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A prevenção de conflitos, ou seja, a prevenção do aumento de violência em áreas voláteis, tais como áreas que lidam com o crime organizado, tráfico de drogas, pressões migratórias, problemas ambientais, conflitos étnicos de baixa intensidade, instabilidade macro-econômica, assim como a questão do desarmamento [7] , envolve organizações tais como a UE, a OTAN, a OSCE e a ONU. No entanto, a UE é a instituição com melhor capacidade para lidar com estas situações, uma vez que combina a cooperação econômica (os acordos bilaterais e regionais da União Européia com essas áreas de risco), com assistência técnica e financeira (por exemplo, o PHARE e o TACIS) [8] , diálogo político (por exemplo com a Rússia) e as condições de alargamento que permitem a certos estados a adesão à União Européia, mediante certas condições (sociedade democrática, capitalista, respeito pelos direitos humanos, entre outras). A UE é o ator com melhores condições para se encarregar destas missões e será no futuro o principal ator na prevenção de conflitos. A ONU, OSCE e OTAN também contribuem para a prevenção de conflitos: a ONU utiliza a diplomacia preventiva em zonas de risco através dos enviados especiais em representação do Secretário-Geral que procuram encontrar soluções pacíficas para crises com base no diálogo; os instrumentos da OSCE para prevenir crises são o Centro de Prevenção de Conflitos, o Alto-Comissário das Minorias Nacionais e o Órgão para Instituições Democráticas e Direitos Humanos; em relação à OTAN, ela contribui com o conceito de Parceria para a Paz e Parceria Conjunta Euro-Atlântica. No entanto o seu envolvimento na prevenção de conflitos irá diminuir de importância.

 

A Manutenção da Paz respeita a situações de gestão de crises e conflitos como o caso dos Balcãs entre 1992 e 2001 e o conflito prolongado entre Israel e Palestina. Apesar das tentativas de resolver estes conflitos através de sanções econômicas e meios diplomáticos, a solução exige intervenções militares. A Imposição da Paz distingue-se da Manutenção da Paz uma vez que a primeira não exige o consentimento das partes no conflito, como no caso da intervenção norte-americana no Iraque e no Afeganistão. A OTAN, a única organização com meios e capacidades para intervir militarmente em qualquer parte do globo, é e continuará a ser a organização mais importante em ambos os tipos de missões, que incluem conflitos étnicos e guerras internas, luta contra o terrorismo, entre outros. Para outras organizações intervirem nestas missões será necessário o apoio da OTAN em termos de cedência de meios e capacidades militares que permitirão as intervenções lideradas por outras organizações, nomeadamente a UE, a OSCE e a ONU.

 

A UE terá um papel progressivamente relevante na manutenção da paz, liderando intervenções com os meios e capacidades da OTAN ou fazendo uso dos seus próprios meios. Na nossa opinião a médio e longo prazo a UE desenvolverá eficazmente as suas capacidades em termos militares e será capaz de intervir sozinha em missões de manutenção da paz e em missões de imposição da paz. A sua intervenção será inicialmente no palco europeu e regiões mais próximas, mas a longo prazo repartirá as responsabilidades da Segurança Internacional com a OTAN. A OTAN detém o papel primordial no palco nas operações de Manutenção e

Imposição da Paz e continuará a manter essa posição capital. Contudo a UE irá continuamente afirmar-se como ator no campo da segurança e defesa internacional.

 

A restauração e estabilização da paz consistem em operações com o intuito de construir a paz em regiões depois de terminado o conflito; neste sentido podemos destacar a importância do apoio dado aos refugiados, à proteção dos direitos humanos, à execução de eleições democráticas e reconstrução econômica. As organizações responsáveis por estas missões serão essencialmente a OSCE e ONU, fazendo uso dos meios e capacidades militares e técnicas, tanto da OTAN como da União Européia. Em 2004 o Relatório “Uma maior Liberdade” alude à criação de uma nova Comissão de Construção da Paz, que comprova o intuito da Organização desenvolver o seu papel neste campo de intervenção, demonstrando que a ONU tem consciência que o seu papel é cada vez mais a Restauração da Paz e não tanto a Manutenção e Imposição da mesma. Para ser mais eficiente em operações de manutenção e imposição da paz, a ONU teria de possuir meios e capacidades para agir a nível militar; no entanto tal não nos parece muito viável. A construção de um exército próprio e eficiente das Nações Unidas traria sérias dificuldades sobre como construir e como manter tal exército. Estariam os membros dispostos a ceder meios e capacidades militares e suportar mais despesas para manter tal exército global? A resposta é negativa. Muitos dos estados-membros da ONU pertencem igualmente a outras organizações regionais, para as quais já cedem forças militares, tanto no nível do equipamento como de soldados, e não faria sentido tal duplicação de recursos. Por outro lado, para a ONU ver aprovadas as resoluções do Conselho de Segurança, necessita de uma maioria de 2/3, sendo que os membros permanentes não podem votar contra. Desta forma, a tomada de decisão seria complicada e lenta, sendo muito difícil chegar a um consenso (principalmente se em tal intervenção estivesse envolvido algum membro permanente), o que conseqüentemente conduziria a um impasse permanente.

 

Na nossa opinião, esta será a distribuição das missões entre as organizações internacionais de segurança e defesa, que permitirá uma melhor eficiência na manutenção da paz. Desta forma, cada uma terá o seu campo de ação definido e poderão responder melhor às crises. Independência, mas também interdependência – as organizações terão de agir com base no diálogo e cooperação constante – são as palavras-chave para uma ação eficiente das Organizações Internacionais de Segurança e Defesa.

 

11. Conclusão

 

A questão da Segurança e Defesa na Europa e o papel desempenhado pelas diversas organizações internacionais de segurança e defesa tem suscitado sérias reflexões. Num mundo globalizado, nenhum estado pode viver isolado e assegurar a sua defesa por si só. A pertença a organizações internacionais (não apenas de segurança e defesa, mas igualmente econômicas, sociais, ambientais) reforça as relações de amizade entre estados, diminuindo desta forma a possibilidade de ocorrência de conflitos. Por outro lado, quando os conflitos são inevitáveis, o fato de pertencer a uma organização de segurança e defesa é sinônimo de apoio por parte dos restantes membros, evitando enfrentar tal crise desprovido de ajuda. A importância das organizações internacionais é indiscutível, o que levanta sérias questões é que tipo de funções deve desempenhar e que tipo de relação e cooperação deve existir entre elas. A interdependência e cooperação são de suma importância para tais organizações poderem atingir os seus objetivos de uma forma mais eficiente. Contudo, para além da cooperação tem de haver igualmente dependência e campos de ação distintos, caso contrário existe sobreposição de funções, não se fazendo um aproveitamento eficaz das possibilidades de cada uma. As organizações internacionais são singulares, possuem características, objetivos, e meios que lhes são específicos, sendo por tanto natural que possuam funções e missões diferentes consoante as suas vantagens e desvantagens.

 

A OTAN é a principal responsável pela segurança e defesa Européia – os europeus não têm meios nem capacidades militares para se responsabilizarem pela sua própria segurança, existindo condicionalismos difíceis de transpor, que impedem o desenvolvimento de uma PESD eficaz e autônoma. Contudo, a OTAN não pode agir sozinha no palco europeu. As diversas organizações têm um papel específico a desempenhar e na nossa opinião uma divisão de funções deverá ser melhor estruturada.



NOTAS

 

[1] A OTAN é uma aliança militar, cujo ato constitutivo foi assinado em 4 de Abril de 1949 em Washington. O seu intuito era a prevenção e contenção de possíveis agressões, assim como a promoção de uma cooperação e diálogo contínuo em campos não militares entre os seus estados membros.

 

[2] A ONU surgiu no pós 2ª Guerra Mundial, em conseqüência do falhanço da SDN na sua principal função de manter a paz. A ONU conta atualmente com 192 membros.

 

[3] Antes da UE se tornar uma união econômica e monetária, teve de passar por diversas fases, que vão desde a criação da Comunidade Européia do Carvão e do Aço (CECA) até à atual pretensão de uma política externa de segurança comum.

 

[4] Ulterior Conferência de Segurança e Cooperação Européia (CSCE), que se reuniu pela primeira vez em Genebra e Helsínquia, entre Julho de 1973 e Agosto de 1975. A partir de 1994 passa a designar-se OSCE.

 

[5] Em português, os designados Estados falhados.

 

[6] O termo “Berlim-Plus” é uma referência ao fato de ter tido lugar em Berlim a reunião de 1996 em que os ministros dos estrangeiros da OTAN concordaram em criar uma Identidade Européia de Segurança e Defesa e pôr à disposição para este fim os meios da Aliança.

 

[7] Tais instabilidades podem ser responsáveis por futuras crises e conflitos.

 

[8] Tanto o PHARE (que lida com os países de centro e leste) como o TACIS (que lida com os estados da Europa Oriental e Ásia Central) partilham objetivos tais como fornecer assistência financeira e técnica em apoio à transição para economias de mercado, e fornecer igualmente apoio institucional para o crescimento da sociedade democrática.

 

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RESUMO: O presente artigo analisa o desenvolvimento do papel das diversas organizações internacionais de segurança e defesa a actuar na Europa, no período Pós Guerra-Fria. Serão analisados os principais contributos das Organizações Internacionais (OTAN, UE, OSCE e ONU) para a promoção da paz; as principais práticas com repercussões militares e a cooperação e diálogo existente entre elas no sentido de fortalecer os seus meios e tornarem mais eficaz a sua ação. Finalmente será feita uma proposta de distribuição mais eficiente das missões entre as diversas organizações internacionais, que servirá como uma previsão sobre a futura distribuição das funções entre elas.

 

Palavras-Chave: Segurança e Defesa Européia, organizações internacionais, OTAN, UE, OSCE, ONU


* Licenciada em Relações Internacionais pela Universidade do Minho, Braga, Portugal. E-mail: spereirari@portugalmail.pt

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