ACERCA
DOS PARTIDOS E DOS SISTEMAS PARTIDÁRIOS
Dimas
Enéas Soares Ferreira*
A crise que se instaurou no Congresso Nacional brasileiro
nos últimos meses vem comprovar aquilo que muitos já vinham alertando, ou seja,
o sistema partidário e eleitoral brasileiro está refletindo suas enormes
distorções e imperfeições na forma de crises cíclicas que colocam, cada vez
mais, a imagem do Parlamento num patamar de grande descrédito perante a opinião
pública. Os partidos políticos, por sua vez, demonstram não representar os
verdadeiros interesses em jogo no interior da sociedade brasileira e precisam
ser reformados com urgência. Daí a pertinência de se retomar as análises feitas
por importantes cientistas políticos europeus e americanos a respeito das
principais abordagens sobre os partidos e os sistemas partidários.
Duverger (1967), quando expôs suas idéias, ainda na década
de 1950, abriu uma nova perspectiva na discussão a respeito dos sistemas
partidários e eleitorais, bem como do nascimento, consolidação e queda dos
partidos políticos. Contudo, hoje, após tantas mudanças no cenário
político-partidário e nos resultados do jogo eleitoral dos países ocidentais
desenvolvidos, suas idéias já se encontram relativamente superadas, ainda que
tenham tido grande importância para a ciência política, pois foi o fundador da
linha de pensamento político que centra a atenção nas regras de funcionamento
dos sistemas partidários e eleitorais como principal elemento definidor dos
resultados político-institucionais, principalmente quando
se trata da disputa eleitoral.
Sartori (1976), também segue na mesma linha, remontando
sua análise a respeito dos sistemas partidários à história das idéias e à
semântica.[i]
Ele descreve como a palavra “partido” se firmou historicamente e toda a dificuldade
em torno dessa afirmação que, na realidade, faz parte da evolução democrática
das sociedades liberais do Ocidente. Primeiramente, ele procura diferenciar
facção de partido, mostrando como os interesses específicos das facções se
contrapõem ao bem comum que, em tese, é o objetivo final dos partidos. Como
Voltaire escreveu “un
parti séditieux
dans un état”.[ii]
Grandes pensadores políticos, como Maquiavel, Locke e
Rousseau, sempre centraram sua discussão no conflito entre os interesses
específicos e o bem comum, despreocupando-se com as regras do jogo político.
Para Locke, os indivíduos eram aqueles “homens livres”, logo, uma minoria da
população. Eram pessoas com interesses comuns, daí as classes sociais, ou seja,
eram grupos de pessoas com interesses em comum e que divergiam entre si. Já
para Rousseau, a sociedade deveria ser homogênea, sem esses conflitos de
interesses, que deveriam ser resolvidos através de uma democracia direta,
impossível numa sociedade de massas.
A facção busca interesses
específicos, ainda que isso leve à cisão e a ruptura da ordem institucional, já
o partido busca sempre o bem comum buscando a unidade e preservação das
instituições políticas, seja ele qual for.[iii]
De Maquiavel até a independência dos EUA, os partidos sempre foram mal vistos.
A própria constituição americana de 1787 não previa a existência de partidos,
tratava apenas da instituição dos poderes do Estado – Executivo, Legislativo e
Judiciário. Um dos axiomas do pensamento liberal americano é que o bem comum é
o equilíbrio dos interesses específicos, e o que ele deve impedir é que um
interesse tiranize o outro. Assim, havia o receio de que o voto da maioria da
população mais pobre pudesse impedir a satisfação dos interesses dos mais ricos
e poderosos, por isso, não acreditavam em partidos.
A primeira
definição de partido entende que se trata de um grupo de homens vinculados a um
princípio comum e voltados para a satisfação do bem comum. Assim, teoricamente
o partido constitui-se de homens que se unem para a promoção, pelo seu esforço
conjunto, do interesse nacional com base em algum princípio com o qual
concordam. Esses homens devem governar para todos e não apenas para aqueles que
o elegeram.[iv]
Os partidos, ainda que
tenham surgido a contragosto do Estado e dos governos, surgiram principalmente
por necessidade, já que algumas funções que deveriam ser cumpridas e exercidas
dentro de uma ordem institucional estatal só poderiam ser cumpridas por eles,
transformando-os, portanto, em instituições políticas com a função de “expressão”,
ou seja, deveriam servir de canal dialógico do povo em direção ao governo.
Dessa forma, os partidos transformaram as demandas do povo em atitudes junto ao
governo. Trata-se de um canal de baixo para cima (povo ® governo), ainda que, em geral, os
partidos surjam, de cima para baixo. Então, a partir do século XIX, os partidos
começaram a surgir nas democracias ocidentais, principalmente exercendo essas
funções dialógicas.
Já Downs
(1999), acredita que não há bem comum e que o sistema político visa apenas o
poder e seus benefícios, logo, a função do partido não é expressar as demandas
da sociedade, mas apenas ser um instrumento para se conquistar o poder. Aldrich (1995), também procura explicar o surgimento dos
partidos, em especial nos EUA. Ele crê que os partidos nasceram com outras
funções como a ocupação dos cargos públicos, a mobilização do eleitor e a
atuação dentro do governo.
Os partidos podem ter duas
origens, quais sejam: aqueles que surgiram dentro dos parlamentos, por meio de
grupos que já existiam muito antes dos próprios partidos, chamados de partidos
de elite, e aqueles extra-Parlamento ou partidos de massa, ou seja, são aqueles
formados a partir da convergência de grupos sociais em defesa de interesses
coletivos. Já os partidos de elite, nada mais são do que grupos de
parlamentares que tinham comitês eleitorais que funcionavam apenas em épocas de
eleição. Ambos podem ser considerados como partidos políticos modernos podendo
ser descritos, sem grande exagero, como filhos da Primeira e da Segunda
Revolução Industrial, respectivamente (DUVERGER, 1967).
Já Sartori (1976), diz que
na Inglaterra dos séculos XVIII e XIX, o sistema partidário seguiu um modelo
ininterrupto e linear convivendo desde cedo com um governo responsável
representado pela monarquia constitucional e com os grupos parlamentares que,
aos poucos, constituíram-se enquanto partidos no Parlamento. Assim, o monarca
tinha que, permanentemente, prestar contas ao parlamento sobre seu governo.
Nessas condições surgiram os partidos, isto é, numa ilha isolada do restante do
continente europeu, sob a revolução industrial e com uma sociedade homogênea.
Em 1832, com a reforma eleitoral inglesa, começou a ocorrer alterações no
sistema político. Com a expansão do direito ao voto, os grupos parlamentares
passaram, então, a buscar votos e foram se tornando partidos eleitorais ou
grupos parlamentares com comitês eleitorais.
O certo é que a expansão dos
partidos foi contínua e os mesmos foram se fortalecendo com a continuidade das
eleições. O governo, a partir de então, tornou-se um governo sensível,
principalmente porque o voto passou a pressupor atitudes práticas no sentido de
atender às reivindicações sociais. Daí, a função de expressão dos partidos às
demandas reivindicatórias da população. Dessa forma, os partidos podem ser
entendidos como canais de expressão da sociedade junto ao governo.
Pode-se também dizer que os
partidos políticos pertencem, em primeiro lugar e, principalmente, aos meios de
representação, sendo um instrumento ou uma agência de representação do povo,
expressando suas demandas e/ou reivindicações. O
governo, por sua vez, torna-se partidário, pois é o partido que passa a
governar. Assim, esse processo de consolidação tornou os partidos em partidos
de massa, sendo que a queda das barreiras eleitorais[v]
levou ao surgimento de partidos de cunho trabalhista, comunista, socialista
etc.
A questão chave para se
definir um partido político está nas suas origens. Sendo assim, existem
partidos que surgiram no Parlamento, chamados de partidos de elite. São
descentralizados e seus parlamentares possuem grande autonomia diante do
partido, sendo cada um dono de um comitê eleitoral próprio. Há também aqueles
partidos extra-Parlamento, classificados como partidos de massa. Estes possuem
objetivos maiores do que simplesmente alcançar o poder, pois pretendem
transformar toda a estrutura social (DUVERGER, 1967) como, por exemplo, o
Partido Socialista Francês que objetivava não só levar a classe trabalhadora ao
poder, mas também criar uma sociedade socialista. Nesse sentido, o Parlamento
era apenas a via para a revolução. Trata-se de partidos que possuem uma
estrutura permanente, funcionando não só em períodos de eleição, o que lhes
força a ter, portanto, sua própria burocracia. Processo que vai de encontro ao
racionalismo weberiano e à sua teoria da gaiola de
ferro.
No contexto europeu, onde a
sociedade era extremamente estratificada, hierarquizada e os trabalhadores
demoraram muito a serem integrados na sociedade e no sistema político, nasceram
vários partidos de massa. Diferentemente dos EUA, onde o processo de inserção
das massas trabalhadoras se deu mais rapidamente, daí não existirem por lá
partidos socialistas ou de massa.[vi]
A definição de um partido pode ser dada pela sua origem, como partido burguês
ou partido operário. Pode se dar também pelos seus fins e objetivos, como
partido socialista ou partido liberal. Mas, a melhor definição é aquela,
centrada na forma de se angariar os votos e ganhar eleições, o que distingue um
partido político de um sindicato ou de uma associação, ou seja, ele se
caracteriza principalmente pelo fato de existir, prioritariamente, para ganhar
eleições.[vii]
Então, o que é mais
importante? A origem do partido, como defende Sartori (1976), ou o ciclo
eleitoral, como defende Downs (1999)? Pode-se dizer
que, independente da origem do partido, dentro do ciclo eleitoral o que
interessa é o voto, tanto para partidos de elite como para os partidos de
massa. Para os pensadores políticos americanos, os partidos de massa tendem a
se aproximar dos partidos de elite dentro da competição eleitoral e não o
contrário. Em contrapartida, os partidos de elite perceberam que deveriam se
organizar como os partidos de massa para poder competir pelos votos dos
eleitores, com maior eficiência. Enfim, existem diversas
abordagens ou “approachs”
para explicar o desenvolvimento, a evolução e a consolidação dos partidos
políticos, sendo que as mais conhecidas são a institucional, a sociológica e a
da escolha racional.
A abordagem institucional defende que, após a queda
do Antigo Regime, após a Revolução Industrial e após a emancipação das colônias
européias na América, apareceram no cenário político europeu os partidos
políticos modernos. Mas, que partidos surgiram? Eram quantos partidos? E quais
eram as regras do jogo político-institucional? Para responder a esses
questionamentos é preciso entender que as regras institucionalizadas tiveram
enorme influência sobre a formação dos partidos, como o voto obrigatório ou
facultativo, ou se havia ou não fidelidade partidária. Logo, as regras
institucionais geram comportamentos partidários e eleitorais diferenciados. O
partido, como ator político, joga de acordo com as regras, o que significa que
as disputas em torno destas regras são, muitas vezes, mais importantes que as
próprias eleições. Se o partido ganha a batalha pelas regras, ele deverá,
então, ganhar a disputa eleitoral.
Há uma variável muito importante na
definição dos sistemas partidários, qual seja: o sistema eleitoral, que é uma variável independente
dentro do processo político, enquanto o sistema partidário,
ao contrário, é uma variável dependente. Por exemplo, os sistemas eleitorais
distritais e majoritários que se diferenciam dos sistemas proporcionais. Como
conseqüência dessa distinção entre os dois sistemas é possível identificar que,
se a função do sistema eleitoral é transformar os votos em cadeiras
parlamentares, no sistema distrital, que vigora no mundo anglo-saxão, divide-se
o país em pequenos distritos e se estabelece que os eleitores destes distritos
só podem votar em candidatos do seu próprio distrito.[viii]
Já no caso de eleições proporcionais para o Parlamento, define-se, previamente,
o número de parlamentares que serão eleitos por um distrito bem mais amplo
geograficamente, ficando o eleitor livre para dar seu voto a qualquer um
candidato (DUVERGER, 1967). O sistema distrital também favorece a formação de
maioria por um partido no Parlamento, ainda que, muitas vezes, ele pode não
produzir essa maioria, como já ocorreu na Inglaterra várias vezes, por exemplo.
A regra do voto distrital
para eleições majoritárias pode se diferenciar em subtipos, como o distrital
puro, quando se tem o mesmo número de eleitos pelos vários distritos, sendo que
o eleito é o mais votado, mesmo não alcançando a maioria dos votos. No modelo
de voto distrital de maioria simples, o mais votado, com a maioria simples dos
votos, é o eleito. E, por fim, no distrital de maioria absoluta ocorre um
segundo turno com os dois candidatos mais votados.
No sistema proporcional, se
divide o país em distritos e os eleitores votam em quem quiserem dentro dos
seus respectivos distritos, sendo que as cadeiras do parlamento são divididas
proporcionalmente ao número de eleitores de cada distrito e ao número de votos
de cada partido. Dependendo do sistema eleitoral, vota-se em partidos (lista
fechada) ou em candidatos (lista aberta).
Duverger (1967), em sua
primeira lei sobre os sistemas partidários, a “Lei de Bronze da Política”,
parte da premissa de que a tendência natural da sociedade é o dualismo, o que
conduz ao bipartidarismo. Para ele, o sistema de maioria simples leva a um
sistema de dois partidos. Isso porque vai se ter sempre uma situação e uma
oposição, sendo que a tentativa de se criar um terceiro partido é muito difícil,
como, por exemplo, os trabalhistas e os conservadores na Inglaterra, e os
democratas e republicanos nos EUA. Esse sistema tem dois efeitos sobre os
partidos menores, quais sejam: primeiramente, mesmo que os partidos pequenos
tenham votos em todos os distritos, dificilmente ganham a eleição em algum
distrito, logo, o sistema funciona como uma barreira a estes partidos. Em
segundo lugar, tem o efeito psicológico sobre o eleitor que tende a votar
sempre em partidos que tenham a expectativa de vencer as eleições, é o “voto
útil”, daí então o bipartidarismo.
Na sua Segunda Lei sobre os
sistemas partidários, Duverger (1967) defende que onde se adota a representação
proporcional tende-se ao multipartidarismo. Isso porque as cadeiras no
parlamento são distribuídas entre todos os partidos proporcionalmente ao número
de votos de cada um. Os eleitores dos partidos pequenos, então, têm a
perspectiva do crescimento da representatividade do partido[ix].
Entretanto, essas teses de Duverger, foram questionadas, já que existem outros
aspectos do arranjo institucional que influenciam no sistema partidário. De
qualquer maneira, fica claro que o sistema de voto distrital favorece a
formação de um sistema bipartidário e, por outro lado, o sistema proporcional
favorece a formação de um sistema multipartidário.
Lipset & Rokkan
(1967), buscam entender o sistema partidário europeu e sua força. Para eles, os
partidos são fortes porque estão extremamente enraizados na sociedade. Trata-se
de um sistema partidário ancorado nas clivagens sociais, por isso, são
duradouros e sólidos. Logo, acreditam que a origem dos partidos está nas diversas
clivagens presentes na sociedade européia, como o conflito capital-trabalho ou
a questão nacionalista e religiosa, por exemplo. Em alguns países da Europa o
sistema partidário é praticamente o mesmo de 1890 a 1980, sobrevivendo
inclusive aos períodos da Primeira e Segunda Guerra Mundiais. Já a partir dos
anos de 1990 esse sistema partidário europeu entrou em crise e tem se alterado,
cada vez mais, perdendo seus componentes ideológicos, principalmente porque têm
adotado políticas totalmente diversas daquelas que defendiam nas suas origens.
Um exemplo desse fenômeno é o Labor Party que, inicialmente era ardoroso defensor do Welfare State
social-democrata e, hoje, adota políticas, cada vez mais liberais.
Essas alterações têm mostrado que o que
antes era caro aos partidos europeus, ou seja, suas concepções ideológicas e
seus projetos, atualmente tornou-se passível de ser negociado. Antes da crise
do modelo social-democrata, as clivagens que envolviam interesses eram mais
facilmente barganhadas. Um bom exemplo dessa negociação de interesses é o que
envolve os salários. Já as clivagens em torno da ideologia e dos valores eram
mais rígidas e difíceis de se negociar, como, por exemplo, as concepções
políticas, a religião, a língua etc.
Outro tipo de interesse que
define as clivagens da sociedade européia é o nacionalismo, que surgiu na
Europa a partir do momento em que as elites nacionais não conseguiram mais
impor seus interesses e valores. Ele submeteu os interesses ainda herdados da
estrutura feudal e da Igreja. Num primeiro momento, entre os séculos XVI e
XVII, houve a formação dos Estados nacionais. Já, num segundo momento, que se
deu entre os séculos XVIII e XIX, ocorreram as revoluções liberais. Dessa
revolução nacional, onde se deu o processo de afirmação dos Estados,
originaram-se duas clivagens sociais: centro/periferia,
como as elites canadenses versus as
elites quebequianas ou, como as elites nacionais
espanholas versus os bascos e, ainda,
Estado/Igreja, através da disputa pelo monopólio da
educação.
A revolução industrial deu
origem a duas outras clivagens, quais sejam: (i) campo/cidade,
como a disputa sobre as taxas de produtos agrícolas e subsídios entre donos de
terras, camponeses, burguesia e operariado. Trata-se, portanto, de uma clivagem
do tipo territorial e; (ii) capital/ trabalho, onde
se opõem empresários e trabalhadores. Trata-se, neste caso, de uma clivagem do
tipo funcional.
A clivagem capital/trabalho se manifestou em todos os estados
europeus, visto que todos eles possuem partidos socialistas e/ou
trabalhistas. Os EUA, por sua vez, não tiveram essa clivagem na constituição de
seu sistema partidário e essa ausência da clivagem capital/trabalho
se explica porque a sociedade americana era aberta, com grandes possibilidades
de mobilidade social ascendente por meio de grandes oportunidades de emprego,
negócios e terras. O cenário europeu é bem diferente, pois sua sociedade era
mais fechada, pela própria herança feudal marcada pela presença da nobreza e
pela importância dada aos títulos nobiliárquicos. Lipset
& Rokkan (1967), buscam as origens sociológicas
para explicar os sistemas partidários europeus no século XVIII. Já as clivagens
centro/periferia, Estado/Igreja
e campo/cidade não se manifestaram em todos os
estados europeus.[x]
Para que os partidos se
originassem foi necessário que a sociedade superasse quatro grandes barreiras,
quais sejam: (i) a legitimação do protesto que envolve o limite de aceitação da
elite aos protestos e à oposição política;[xi]
(ii) a incorporação do protesto, isto é, quem pode
protestar e até que ponto a elite incorpora o protesto? Como, por exemplo, o
direito de voto que, primeiramente, era só para os homens, tornando-se,
posteriormente, universal; (iii) a representação
política dos que protestam, ou seja, entre aqueles que protestam, quem pode ter
representatividade política partidária e parlamentar? Nesse sentido, o voto
majoritário, o voto proporcional e as cláusulas de barreira são instrumentos
que regulam o direito à representatividade política; e (iv)
o sistema de governo, que define quais os limites dos poderes da maioria.
Assim, os partidos políticos surgiram das clivagens sociais, mas precisaram
superar essas barreiras institucionais que lhes foram impostas. Por isso, os
sistemas partidários europeus não são iguais, tanto por refletir clivagens
sociais diferenciadas, como também pelo nível de dificuldade de superar as
barreiras. Como na França, onde o voto era, no começo do século XX, distrital
com dois turnos, dificultando a vitória do Partido Socialista ou, na
Inglaterra, onde o sistema era distrital de maioria simples e também
dificultava a ascensão do Labor Party que tinha que disputar eleições com liberais e
conservadores. A possibilidade que o Labor
Party encontrou para crescer foi, então,
aproveitando-se do conflito entre liberais e conservadores. Já na Bélgica, os
partidos de elite estão ligados a clivagens religiosas e o conflito entre eles
era tão feroz que possibilitou a ascensão do Partido Socialista. Assim, o
sistema eleitoral não é uma barreira impossível de ser superada, mas sim os
obstáculos de cunho social e institucional.
Se Duverger
(1967) entende que o sistema eleitoral também contribui para o surgimento dos
partidos, Lipset & Rokkan
(1967) afirmam que os partidos se originam antes do estabelecimento do sistema
eleitoral. Então, que razões realmente explicam o surgimento dos partidos? Primeiramente, podemos dizer que o surgimento
dos partidos políticos depende da capacidade ou não dos atores políticos
(elite, trabalhadores, camponeses etc) de assimilarem o processo político, bem
como das grandes clivagens sociais que se manifestaram de maneiras diferentes
em cada um dos estados europeus, como centro/periferia,
Estado/Igreja e campo/cidade,
transformarem-se em instituições político-partidárias.
A clivagem capital/trabalho se fez presente em todos os estados
europeus. Portanto, não se pode distinguir os sistemas partidários europeus por
essa clivagem, pois ela é unificadora. Pode-se sim, distinguí-los a partir das
três outras clivagens. A clivagem capital/trabalho
pode, apenas, distinguir os padrões e as características dos partidos
socialistas e trabalhistas europeus, ou seja, se são mais moderados ou mais
radicais e, se são mais coesos ou não. É uma clivagem que se manifesta desde a
Revolução Industrial em princípios do século XIX.[xii]
Os governos perceberam que o custo de reprimir os movimentos trabalhistas
poderia ser a revolução, como aconteceu com a França (1870), com a Alemanha
(1912) e com a Rússia (1917), já o custo de tolerá-los era menor, ou seja,
gerava, no máximo, o nascimento de partidos trabalhistas inseridos no sistema
político-partidário. Nos EUA, ao contrário, as clivagens não se manifestaram ou
se expressaram no seu sistema partidário.[xiii]
Outra conclusão de Lipset & Rokkan (1967), é que
o sistema partidário europeu esteve, durante muito tempo, congelado. Isso se
deu por causa da força das clivagens, gerando um sistema partidário estável com
partidos que conseguiram superar as revoluções, as guerras e as crises. Eles
sobreviveram às inúmeras barreiras institucionais e conjunturais porque tinham
lastro social. Mas a partir da década de 1970, iniciou-se um processo de degelo
do sistema partidário europeu com uma enorme migração de eleitores de um
espectro ideológico para outro.
Por fim, a terceira e última abordagem a
respeito dos partidos políticos é a da escolha racional.
Segundo Downs (1999), a análise dos sistemas
partidários deve partir de um modelo que não seja uma simples descrição do
mundo real. Isso, porque ele parte da premissa de que todo homem é
primordialmente egoísta, assim sendo, acredita que na política se deve usar a
lógica econômica do comportamento racional, através, primeiramente, da análise
dos fins, isto é, o objetivo maior é ganhar eleições, em seguida, da análise dos
meios para se alcançar os fins, qual seja, os partidos políticos e, finalmente,
a análise da racionalização dos meios para se alcançar os fins.
Para se entender a realidade
deve-se simplificá-la, logo, a teoria da escolha racional tem grande utilidade,
pois busca explicar a realidade pressupondo que os interesses pessoais se
sobrepõem aos interesses coletivos. Esse comportamento racional exige
informações para que se possa escolher o melhor dos meios para se alcançar os
fins. A racionalidade, portanto, depende dos objetivos finais.
A partir dessa abordagem da
escolha racional pode-se definir um partido político como uma coalizão de
homens que busca controlar o governo através das eleições, e esse controle da
máquina pública governamental é importante porque permite ao partido ter acesso
à renda, prestígio e poder. Os partidos, assim, formulam políticas para chegar
ao poder, fazendo da política um meio e do poder, o fim. Logo, o partido não
busca o poder para formular e implementar uma política, pois, nesse caso, o
poder seria o meio, e a política, os fins. Assim sendo, pode-se deduzir que os
cargos públicos são, numa sociedade capitalista, subproduto dos interesses
privados. Enfim, os partidos buscam os votos e, para isso, precisam formular
políticas. Políticas essas, que não são para atender demandas sociais, mas para
se conseguir votos e, se para conseguir votos, as políticas devem procurar
atender algumas demandas específicas da sociedade, então os partidos podem
adotá-las, mas apenas como meio de se ganhar eleições (DOWNS, 1999).
Nessa abordagem da escolha
racional não há uma preocupação com o fato de os partidos serem um reflexo das
clivagens sociais, porque se acredita que os mesmos estão mais interessados em,
através dos votos, ganhar eleições e chegar ao poder para obter renda,
prestígio e poder. Logo, define-se o partido a partir do seu objetivo, isto
porque, se entende que o eleitor não votaria sob o ponto de vista de que seu
voto tem um valor infinitesimal, mas que o voto depende, fundamentalmente, do
custo e do benefício que irá produzir para o eleitor.
Aldrich (1995), articula de maneira mais clara
os três fatores que explicam os sistemas partidários, quais sejam: atores
sociais, instituições e o contexto político-econômico. Ele busca definir os
partidos políticos a partir dos meios, defendendo que os mesmos criaram-se
dentro da democracia e que ela só existe com os partidos. Outros estudiosos do
tema entendem que a democracia é impraticável sem os partidos e defendem que
todas as democracias existentes em repúblicas liberais contemporâneas e em
nações democráticas possuem partidos políticos. Para todos eles, para ser uma
democracia verdadeira é preciso que qualquer líder de nação concilie os
interesses públicos com as suas aspirações políticas e isso, só é possível
através dos partidos políticos, ao menos em geral.
Os líderes eleitos, por
receberem o poder político do povo, devem primeiro prestar contas ao povo,
sendo, portanto, responsivos e accountables. Cada político eleito deve ser responsável por
suas ações pessoais perante aqueles que o elegeram e/ou
reelegeram, mas as ações políticas do seu governo acabam sendo determinadas
pelas ações coletivas de muitos indivíduos que ocupam os cargos públicos. Dessa
forma, nenhum político deve tomar decisões só pelas casas parlamentares, [xiv]
mas pelas decisões coletivas de suas bases (DOWNS, 1999). Logo, o único caminho
existente para assumir responsabilidades públicas é através dos partidos
políticos, e essa responsabilidade exige que sejam partidos políticos coesos.
Da mesma forma que, a única forma de se competir nas eleições é através da
responsabilidade.
Nos EUA, muitos acadêmicos,
analistas, políticos e membros do governo, põem a culpa das doenças políticas
contemporâneas nos governos aparentemente incapazes de resolver problemas
críticos e à falta de fé, apatia e/ou alienação dos
próprios políticos, que talvez seja a maior falha dos dois maiores partidos
americanos. Percebe-se que os membros do Congresso estão muito mais preocupados
com sua própria reeleição ainda que, às vezes, também pensem no bem público. O
presidente, por sua vez, se preocupa com sua própria popularidade, gastando
pouco tempo para liderar a nação e quando ele o faz, o Congresso acha
impossível convencer a maioria da necessidade de se votar os projetos do
Executivo (ALDRICH, 1995).
Os partidos majoritários –
Republicano e Democrata –, então, passaram a aprovar suas próprias iniciativas
ou formaram compromissos de trabalho com o Congresso. Partidos divididos e sob
o controle do governo são regra, nos EUA, desde 1952 ou, pelo menos, desde
1968, com controle unificado das eleições, onde os candidatos são
centralizados, transformando e manipulando politicamente, personalidades e
imagens, especialmente por meio do uso intenso do marketing. Por outro lado, as plataformas partidárias são pouco
discutidas nas convenções, para que sejam aprovadas rapidamente e os líderes
partidários esperam, sem controvérsias, a atenção da mídia, desejando que a
convenção possa se direcionar apenas aos negócios mais importantes. A última
censura a esses partidos resultou no enfraquecimento do maior partido
americano, qual seja, o Republicano que, somente no final dos anos 1990
retornou ao poder com a eleição do presidente Bush, vindo logo após a perder novamente
para os democratas que elegeram Bill Clinton. Estes, só deixaram a Casa Branca
e perderam a maioria no Capitólio[xv]
porque os republicanos lançaram mão de uma manobra eleitoral marcada por
fraudes na contabilização dos votos, manipulação da mídia televisiva,
divulgando nas vésperas do pleito resultados falsos de pesquisas eleitorais, em
especial, através da FOX-NEWS[xvi]
e o uso do Poder Judiciário como forma de cercear o direito ao voto,
principalmente da enorme população de negros e latinos da Flórida. O resultado
disso tudo foi o descrédito à democracia norte-americana perante a opinião
pública mundial, colocando seu sistema político sob suspeição de ser realmente
capaz de absorver e refletir as grandes demandas da sociedade.
[i] Partire ou “partido”, termo que prestou-se a um uso mais
impreciso e obscuro. “Partido” transmite, basicamente, a idéia de parte, e
parte não é, em si, uma palavra depreciativa (SARTORI, 1976).
[ii] “Um partido sedioso
num Estado”.
[iii] Claro que aqui estamos falando de
partidos políticos que aceitam as regras do jogo político-institucional e
disputando esse jogo segundo essas regras. Existem, contudo, partidos que
defendem a revolução como forma de alcançar o poder e, por isso, não participam
do jogo político que acreditam possuir regras que favorecem àqueles grupos
ligados às elites políticas e econômicas, por isso, defendem a ruptura da ordem
político-institucional vigente.
[iv] Nesse sentido, o ex-Presidente Collor
governou só para uma facção ou grupo de interesses (privados), o mesmo se deu
com o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso que, entretanto, soube articular
uma coalizão de partidos que lhe serviu, por dois mandatos, como base de
sustentação parlamentar, o que Collor não soube fazer. Já o Presidente Lula,
apesar de buscar governar para todos, tem enfrentado sérias crises relacionadas
à dificuldade de setores de seu próprio partido (PT) que não aceitam que seu
governo adote uma política diferente daquela pregada pelo partido ao longo de
mais de 20 anos e, também, de não conseguir implementar uma verdadeira coalizão
partidária que lhe dê a sustentação necessária dentro do Parlamento.
[v] Barreiras do tipo econômicas (voto
censitário), hereditárias (parte das cadeiras no Parlamento destinadas à
nobreza sem necessidade de eleição, passando-se a vaga hereditariamente para o
seu herdeiro ou sucessor, como perdurou na Inglaterra até meados dos anos 1990)
e de gênero (exclusão das mulheres).
[vi] O Partido Comunista dos EUA é um dos
maiores do mundo, contudo, não tem força eleitoral suficiente para conquistar
cadeiras no Parlamento, ficando restrito à participação em alguns setores
sociais ligados ao proletariado.
[vii] Pode-se dizer que os mais de trinta
partidos políticos brasileiros existem, prioritariamente, para isso, inclusive
os de massa como o PT e o PC do B.
[viii] No caso do Brasil, os estados são os
distritos eleitorais.
[ix] O Partido dos Trabalhadores (PT), no
Brasil, evoluiu de 16 para 35 cadeiras, entre sua primeira e sua segunda
participação nas eleições proporcionais para o Congresso Nacional, depois para
50 cadeiras em sua terceira participação, 60 na quarta e, finalmente, hoje,
possui 90 cadeiras.
[x] Os partidos de elite também passam pela
estrutura social, mas nascem da própria elite. Por isso, o que mais interessa
nessa análise a respeito da origem dos partidos, são aqueles considerados de
massa.
xi O
grau de legitimação do protesto era bem maior, por exemplo, diante do rei
inglês do que diante do Czar russo.
[xii] Como o Movimento Cartista
em 1830, na Inglaterra.
[xiii] No caso brasileiro, talvez somente o
Partido Comunista Brasileiro e o Partido dos Trabalhadores sejam fruto de uma
clivagem social, isto é, capital/trabalho.
[xiv] O Parlamento pode ser bicameral, como
no Brasil e nos EUA, ou pode ser unicameral como na Espanha.
[xv] Denominação dada ao Parlamento ou
Congresso Norte-americano.
[xvi] Canal de TV norte-americano que tem
como Diretor responsável pelo jornalismo político um primo do presidente George
W. Bush (MOORE, 2002).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Paulo, Editora Martin Claret. 2003.
RESUMO: A origem, consolidação e queda dos
partidos políticos é analisada a partir de três grandes abordagens: a
institucional, a sociológica e a da escolha racional. Através destas três
linhas analíticas a respeito dos partidos, como instituições políticas
fundamentais à democracia moderna, é possível identificar os elementos que
constituem a formação dos grandes partidos de massa, bem como os fatores que
explicam suas crises identitárias e, conseqüente seu
enfraquecimento dentro da arena política e eleitoral.
ABSTRACT: The origin, consolidation and fall of the political parties is
analyzed starting from three great abordages: the
institutional, the sociological and the one of the rational choice. Through
these three analytic lines regarding the parties, as fundamental political
institutions to the modern democracy, is possible to identify the elements that
constitute the formation of the great mass parties, as well as the factors that
explain its identity crises and, consequent weakening inside of the political
and electoral arena.
PALAVRAS-CHAVE:
Partidos políticos, eleições, sistemas partidários, política, instituições
políticas.
* O autor é Mestre em Ciências Sociais
(Gestão das Cidades) pela PUCMinas. Professor
pesquisador da Pró-reitoria de Pesquisa, Extensão, Cultura e Pós-graduação da
UNIPAC. Possui trabalhos publicados na Revista de Ciência Política “ACHEGAS”
(RJ), no Jornal “TABLADO” da Unipac, no Jornal
“EXTRA-CLASSE” do Sinpro-MG e no site
<http://www.barbacenaonline.com.br/dimas>.
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