1 – Pragmatismo
e Verdade
“Os
americanos ainda não criaram uma civilização, no sentido profundo e completo
que atribuímos à palavra civilização. O que eles criaram é uma metrópole de
força” (Discurso
pronunciado em 17 de janeiro de 2002, 11º ano pós-guerra do Golfo Pérsico
iniciada por George Bush).
Saddam
Hussein
Algumas
circunstâncias levaram-me a redigir um texto sobre pragmatismo. A primeira,
vale lembrar, é que não escrevo para especialistas.
Com os anos passandos, cada vez mais, com a institucionalização da ciência, da filosofia, da sociologia etc., estes
falam do lugar que sua especialidade lhe valeu, com jogos táticos de linguagem
entre porta-vozes e autoridades simbólicas numa economia produtivista.
“Conhecimento” é, para o pragmático, como “verdade”, simplesmente um elogio
feito às crenças que pensam estar bem justificadas. Ou seja, para o
pragmatismo, uma corrente filosófica que surgiu na segunda metade do século 19,
o conhecimento tem um caráter essencialmente prático. O conhecer, nas suas
múltiplas formas, não tem a finalidade de chegar ao conhecimento das verdades
teóricas, mas é um processo de adaptação ao ambiente, visando assegurar a
sobrevivência do homem.
A segunda é que o pragmatismo através do
relativo sucesso de Richard Rorty nos meios acadêmicos e a variedade dos
assuntos que aborda, pode ser visto como mais um teórico da moda. Kant tem toda razão quando acha
melhor sermos “tolos da moda” do que ser “contra a moda” – mesmo que certamente
continue sendo uma tolice levar demasiado a sério as “coisas da moda”. Para
Lipovetsky (1989) nos últimos cem anos tudo se passa como se o enigma da moda
estivesse grosso modo resolvido. Esse consenso de fundo dá lugar, conforme seus
analistas, a nuanças interpretativas, a leves desvios, mas, com poucas
variantes, a lógica inconstante da moda, assim como suas diversas
manifestações, são invariavelmente explicadas a partir da noção de estratificação
social e das “estratégias mundanas de distinção honorífica”. O que importa é
que para o autor,
“A moda tornou-se um
problema esvaziado de paixões e de desafios teóricos, um pseudoproblema cujas
respostas e razões são conhecidas previamente; o reino caprichoso da fantasia
só conseguiu provocar a pobreza e a monotonia
do conceito” (Lipovetsky, 1989: 10).
Mais do que isso, recolocada na imensa
duração das “manifestações de vida”, para lembramos de Simmel (para quem o
conhecimento, é entendido como resultado sempre parcial de uma atividade
interpretativa do sujeito que conhece), é preciso redinamizar, inquietar
novamente a pesquisa da moda, objeto fútil, fugidio, o que poderia estimular
ainda mais a razão teórica. Daí que, a moda é uma realidade historicamente
condicionada e característica do Ocidente e da própria concepção de
modernidade. Nesse sentido,
“a moda é menos
signo das ambições de classes do que saída do mundo da tradição, é um desses
espelhos onde se torna visível aquilo que faz nosso destino histórico mais
singular: a negação do poder imemorial do passado tradicional, a febre moderna
das novidades, a celebração do presente social” (Id., ib.).
Além disso, é
“moda” esta intenção filosófica, porque abraça temas que vão desde questões
essenciais de filosofia analítica, amadurecidos com exemplaridade em seu A filosofia e o espelho da natureza (Philosophy and the Mirror of Nature,
1979) à defesa das democracias ocidentais, inclusive com o homem diante da
guerra e da morte. Tende a ser avaliado pelos próprios especialistas como um
diletante “que fala muito do que conhece pouco”. Como não registrar o
desconforto das posições assumidas por Rorty diante da chamada “guerra fria”
(economia de guerra) sem levar em conta a destruição e morte que ela acarretou
no Vietnã, na América Latina, e ainda, posteriormente com relação à Bósnia e ao
apoiar a invasão de Kosovo pelas tropas americanas e seus aliados na Europa?
Daí os mal-entendidos, mas que fazem parte dos riscos assumidos por Rorty na
defesa de sua concepção da tarefa de filósofo.
Desnecessário
dizer que Rorty tornou-se um dos mais estimulantes pensadores da atualidade
porque conseguiu imprimir à sua escrita a questão etnobiográfica. Se é verdade que para os historiadores a história de vida tem seu fundamento no
quadro da história oral, também é
verdade que alguns autores apreendem outras denominações para a história de
vida como etnobiografia, porque do
ponto de vista da pesquisa, o conteúdo do material recolhido reflete o tempo e o ambiente político e social do
narrador. Isto é importante porque Rorty vincula seu neopragmatismo à sociedade
e cultura americana. Para Lipset (1966, 1970), a classe intelectual limitada a
escritores e artistas criadores, professores universitários, funcionários
públicos da alta categoria e a advocacia que tem sido a ocupação mais
importante para aqueles que possuem educação superior, colocam-se em
antagonismo político aos “titulares do poder”
e pode resultar também de algum senso de frustração por não haver lugar
para eles na velha sociedade. Ipso facto,
“Seus novos valores não
coincidem com aqueles que os colocariam em posições destacadas nas velhas
hierarquias locais. Estes valores estão contidos numa ideologia, e a ideologia
que os intelectuais perfilham é a do populismo” (...) “A conseqüente tensão entre os intelectuais e as forças dominantes da
nova nação pode representar um esforço à formulação de um adequado auto-retrato
nacional. Assim é que todas as nações novas enfrentam o problema de incorporar
os seus intelectuais aos seus sistemas de Governo”(Lipset, 1966:87;94).
No artigo
“Trótsky e as Orquídeas Selvagens”, ele diz como aproximou-se da filosofia,
antecipando a originalidade de sua posição etnobiográfica no cenário
intelectual de hoje. Ou seja, refletiu sobre como conciliar a responsabilidade
em relação aos demais seres humanos e os sentimentos pessoais que nutrimos
pelas pessoas ou coisas que amamos. Para ele, o que determina a escolha de um
ponto de vista sobre o sujeito e o mundo são os objetivos pragmáticos visados e não a posse de uma teoria fundada em
exigências lógicas ou achados empíricos incontestáveis. Concluiu que não há
qualquer necessidade racional para que esses dois pólos coincidam. Rorty
redescobriu, assim, o pragmatismo filosófico da cultura norte-americana como
epicentro das democracias ocidentais e que terá uma forte influência no
pensamento sociológico da Escola de Chicago, como veremos adiante.
Finalmente, o que
poderemos interpretar sobre este representante
das representações da modernidade no âmbito do pragmatismo da cultura
americana? Talvez, para lembrarmos do presente, o fato de que o pragmatismo
americano diante da invasão, destruição e extermínio, com a nova guerra contra
o Iraque, serviu como baluarte para uma
cultura que, relacionando pragmatismo e verdade, pragmatismo e política e
pragmatismo e religião consagraram a máxima de Weber sobre a utilização dos
fins: “Na nossa concepção, ‘fim’ é a representação de um resultado que se
converte em causa de uma ação” (Weber,1982:99). Não há resposta satisfatória
tanto para a filosofia pragmática quanto para a pragmática sociológica vis-à-vis a argumentação weberiana. Esse
é o suposto de nossa pesquisa.
Em assim sendo
Richard Rorty afirma que,
“Mas não há nada de
errado com a democracia liberal, nem como os filósofos que tentaram ampliar
seus escopos. Só há algo errado com a tentativa de ver seus esforços como
falhas em alcançar algo que eles não estavam buscando – uma demonstração da
superioridade ‘objetiva’ de nosso modo de vida frente a todas as outras
alternativas. Não há, em resumo nada de errado com as esperanças do Iluminismo,
as esperanças que criaram as democracias ocidentais. O valor dos ideais do
Iluminismo, para nós, pragmáticos, é justamente o valor de algumas instituições
e práticas que eles criaram” (Rorty, 1997:51).
Assim, termos
como ‘poder’, ‘interesse’, ‘dominação’, ‘realidade material’ etc., são
indispensáveis à análise do autor, pois verdadeiro é aquilo que nos habituaram
a aceitar como verdadeiro, pela força ou pela persuasão dos costumes. Enfim, a
análise lingüística daquilo que nos habilita a descrever o mundo de uma forma
ou de outra não exclui a análise de como fomos levados a crer na verdade de tal descrição. Para efeitos
da ação, só existem eventos sob descrição. E a descrição preferida do
intérprete será a mais adequada às suas convicções éticas e não a mais
iluminada pela Razão.
Rorty insiste na
utopia pragmatista da verdade, em seu livro “Pragmatismo: a Filosofia da
Criação e da Mudança”, dando continuidade a voga da filosofia norte-americana
por ele reconhecida. Ele é um dos responsáveis por isso, tanto no papel de
participante ativo quanto no de propagador dessa linhagem que ele próprio
afirma, remonta a Emerson, James e Dewey, entre outros.
Contudo, no livro
Objetivismo, relativismo e verdade.
Escritos Filosóficos, (Philosophical
Papers – Objectivity, Relativism & Truth, 1995), ele adverte: “o
pragmatismo parece-me, como eu disse, uma filosofia antes da solidariedade que
do desespero”, (...) pois têm “o desejo de alcançar a maior concordância
intersubjetiva possível, o desejo de estender a referência do pronome ‘nós’ tão
longe quanto possível” (...) Além do que para eles, “o pragmático, dominado
pelo desejo por solidariedade, só pode ser criticado por levar sua própria
comunidade muito a sério” (...) “o
pragmático não tem uma teoria da verdade, muito menos uma teoria relativista”
(Rorty, 1995:45 e ss).
2 - Pragmatismo e Política
“Eu
assumo a responsabilidade por tomar a decisão, a difícil decisão de formar uma
coalizão para remover Saddam Hussein, porque a inteligência – não apenas a
nossa inteligência mas a inteligência deste grande país [continuou Bush, se
referindo à Blair e seu país] (...) expôs
um argumento claro e irresistível de que Saddam Hussein era uma ameaça à
segurança e à paz”. (George W. Bush, New York Times,
18.07.2003).
Com a guerra contra o
Iraque, no Golfo Pérsico, quase “esquecemos” que a vitória eleitoral de George
W. Bush como presidente dos EUA deu-se por decisão da Corte Suprema, que optou por
cumprir prazos em detrimento da recontagem dos votos num condado da Flórida,
estado cujo governador era o irmão de Bush. Voto decisivo no colégio eleitoral
já que no número absoluto de votos Bush não sairia vitorioso. Os próprios
reclamos da imprensa norte-americana foram atropelados pelo atentado terrorista
de 11 de setembro às torres do World
Trade Center e, a partir de então, Bush filho comprometeu-se com a missão de vingar o pai que não
conseguira na outra Guerra do Golfo (1991) retirar Saddan Hussein do poder, no
Iraque.
Cercado de assessores fundamentalistas, comprometido tanto com
a indústria do petróleo quanto com a de armamentos, George W. Bush, que
escapara do serviço militar, agora vai à guerra (2003) disposto a impor a sua
vontade, sobretudo após o ataque ao povo afegão, a substituição de governo no
Afeganistão e a insatisfatória resposta a Osama Bin Laden, um ex-aliado, a quem
responsabilizara pelo ato de 11 de setembro de 2001.
Para nós, política é
regulação da existência coletiva, poder decisório, luta entre interesses
contraditórios, disputa por posições de mundo, confrontos mil entre forças
sociais, violência em última análise. Só que a produção política (os processos
políticos) se diferenciam radicalmente da produção econômica porque usa
eventualmente suportes materiais, tais como armas, livros, processos, papéis
onde se inscrevem as ordens, os atos de gestão, as sentenças ou as leis, mas
não é uma produção material. Porque consiste em decisões imperativas.
Assim, é também diferente da
produção simbólica porque se exercita sobre o interesse dos agentes sociais,
quando não sobre o seu próprio corpo; corresponde a atos de vontade que regulam
atividades coletivas; disciplina práticas sociais. Não produz mensagens,
discursos; produz obediências,
obrigações, submissões, direitos, deveres, controles. Poder é uma relação
social: de mando e obediência. As decisões tomadas politicamente se impõem a
todos num dado território ou numa dada unidade social. Convertem-se em
atividades coercitivas (esfera da segurança), administrativas (esfera da
administração), jurídico-judiciárias (esfera da justiça) e legislativas (esfera
da deliberação). Simplificadamente, processo político diz respeito a pergunta:
“Quem pode o quê sobre quem?” Eis a grande questão do processo político, do
confronto entre forças sociais, da sujeição de vontades a outras vontades
(Srour,1987, passim).
Mutatis mutandis,
não bastassem os contornos de uma tragédia shakespeareana, a alusão a mitologia
grega é procedente. Ela diz que Hefestos, conforme determinação de Zeus, criou
sua primeira mulher dando a ela tudo o que de melhor poderia dar. Nomeou-a
Pandora. Entretanto, Zeus deu a Pandora uma caixinha que continha todas as
possíveis maldades do mundo com a expressa ordem de zelar por ela e nunca
abri-la. Em caso contrário, isso acarretaria toda a sorte de calamidades.
Incapaz de conter a sua curiosidade, Pandora abriu a caixa libertando um
inaudito sofrimento que faz a humanidade sofrer até hoje. Pois esse é o caso:
George W. Bush destampou a sua caixa de Pandora (Cerqueira Filho e Neder,
2003).
Talvez
seja possível admitir com o homem diante da guerra e da morte, no Golfo Pérsico
em 1991 (com o pai) e 2003 (com o filho), a repetição de nomes: Bush em
inglês alude a bucha, como metáfora de guerra. E regiões, marcadas como
emblemas no capitalismo globalizado, a recorrência ao nome do pai. E
mãe-pátria, há dois séculos ao menos, como representação da colonização e a idéia
de subserviência de povos.
Pai ainda, onde incide a
violência doméstica em uma complexa operação física fantasiada com as drogas
eletrônicas (armas inteligentes) e o terrorismo de Estado. E psíquica, (a
internalização da lei) de ''fora (EUA) para dentro (Iraque)'', com a
configuração de pátrias degradadas. O Estado de exceção tornou-se uma prática
freqüente entre as nações contemporâneas, atingindo desde o 3º Reich até o USA Patriot Act.
O fracasso da busca por
provas contundentes de armas de destruição em massa, cuja existência assegurou
o argumento em defesa da guerra contra o Iraque, foi apoiada em documentos falsificados e fontes inconsistentes e sombrias, como ficou confirmado com os
escândalos tanto no Parlamento inglês, onde foi solicitada a deposição do premier Tony Blair [que respondeu “em
silêncio”], ou ainda, sobre a “culpa” de
“acusação falsa” contra o Iraque, da Casa Branca e CIA, conforme o
artigo publicado em El País
intitulado “Casa Branca e CIA culpam-se mutuamente sobre acusação falsa contra
Iraque” (12.07.2003). Além disso, para usar a noção de “metrópole de força”,
utilizada no discurso de Saddam Hussein após o massacre de 1991 no Golfo
Pérsico causado pelo pai George Bush, de acordo com o Financial Times,
“A
derrubada do regime iraquiano retirou dali um tirano sanguinário e cruel que
invadiu dois países vizinhos, empregou armas de destruição em massa contra o
Irã e seu próprio povo e causou milhões de mortes. A queda de Saddam Hussein
representa o único benefício inquestionável desta guerra – embora como afirmara
ainda no mês de maio o vice-secretário de Defesa americano, Paul Wolfowitz, não
era uma razão para ‘colocar em risco a vida dos garotos americanos, ao menos na
escala em que colocamos’” (Financial
Times, 16.07.2003).
O
Editorial do Financial Times insiste
na idéia de que
“argumentou,
de modo consistente, que a melhor alternativa para desarmar Hussein seria dar
continuidade às inspeções determinadas pela resolução 1441 do Conselho de
Segurança da ONU. Ao interromper prematuramente estas inspeções, Bush e Blair
debilitaram o órgão internacional mais capacitado para conter a proliferação de
armas de destruição em massa” (Id., Ib.).
Ora, se sociologicamente admitimos
anteriormente que “‘fim’ é a representação de um resultado que se converte em
causa de uma ação”, tal argumento já teria sido justificado enquanto motivo
para a guerra. Um argumento sutil defendia que, “existisse ou não tal
equipamento, Hussein pretendia
adquirir armas de destruição em massa. Noutras palavras, já estava sendo
justificada em termos preventivos – e
não em termos de proteção”. O jornal El
País admitiu que “seria ilusório pensar que não transmitiram essas dúvidas
à Casa Branca nos meses seguintes”. De outra parte, que o secretário de estado
Colin Powell foi mais perspicaz ou mais cauteloso, mesmo defendendo W. Bush
afirmando: “quando revisamos minha apresentação na ONU, uma ou duas semanas
depois do discurso do presidente, achamos que não era mais adequado usar esse
exemplo” (Id., Ib.).
Fora da idéia de
nacionalismo, a partir da competição entre nações, foi o filósofo Simmel quem
chamou atenção para o fato de que, ''a luta contra uma potência estrangeira dá
ao grupo um vivo sentimento de sua unidade'', e além disso, é ''um fato que se
verifica quase sem exceção. Não há, por assim dizer, grupo - doméstico,
religioso, econômico ou político - que possa passar sem esse cimento''. Essa
atividade intelectual, porque psíquica e de preparação psicológica, quase
exclusivamente entre homens, pode representar com o homem diante da guerra um
crime contra a humanidade, individual ou coletivamente com o intuito de
destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial, militar, ou
religioso.
Estamos diante do mito de
banhos de sangue que para a gramaticalidade do lingüista Chomsky (e Herman), a
partir da guerra do Vietnã, explica porque se deve continuar a matar em grande
escala. Mas isso só foi possível com a passagem da produção de massa e da
economia de mercado para as sociedades de conhecimento baseadas na informação e
comunicação.
Com a generalização dos
conflitos aparentemente iniciados com
os atentados ao WTC e Pentágono, amplamente divulgados pela mídia norte-americana e de resto na
Europa, refletimos noutra oportunidade, não propriamente sobre a questão de uma
nova guerra no Afeganistão, mas sobre
duas ou três noções correlatas que nestes dias "escapam" ao
gravíssimo problema dos dispositivos discursivos editados na e pela informação globalizada.
A
palavra terrorista, em primeiro
lugar, não pode, de certo, ter reconhecimento
para o confronto de entidades "terroristas de manutenção das tradições e
sobre ocupações de terra", historicamente constituído. A maioria dos
estudiosos erra quando considera um ato "terrorista" isolado,
praticado por um grupo religioso fanático.
E concordar com a idéia de que derrubar o WTC é um ato de guerra histórico equivalente ao que ocorreu em Saravejo em 1914 é,
conforme entendemos, apressado. Difícil concordar ainda, como alguns afirmam,
que em NY explodiu a primeira guerra
da globalização.
Nada!
NY construiu o que Marc Augé problematizou como "ego ficcional". Isto
é, cúmulo de um fascínio que se aciona em toda relação exclusiva com a imagem, porque é um ego sem relações (est un moi
sans relations) e, por isso mesmo, sem suporte identitário, suscetível de
absorção pelo mundo de imagens onde ele pensa poder reencontrar-se e
reconhecer-se. Slavoj Zizek denominou-o de fantasia
paranóica americana máxima, isto é, um paraíso consumista, onde um indivíduo percebe um espetáculo
encenado para convencê-lo de que ele vive em um mundo real. Exemplo: O filme
"Tempo Fora dos Eixos" (Time
Out of Joint).
Dias depois dos atentados de
11 de setembro é que, parado no drive
thru do McDonalds, na cidade de
Fortaleza, Brasil, nos deparamos com Vinny
que a nossa filha Bianca de 2 anos de idade brincava. Tratava-se de
propaganda da empresa, uma figurinha com a rubrica de Walt Disney que divulga
"Atlantis - O Reino Perdido (nos cinemas)". Literalmente refere-se a
: "Vinny. Nome: Vincenzo
Santorini. Apelido: Vinny. Função: especialista em demolições. Missão: explodir as coisas. Hobbies: fazer as coisas explodirem. Características: explosivo. Comentário: 'Eu gosto apenas de explodir
as coisas'".
Na década de 1960, em
segundo lugar, uma canção de Dylan,
"Subterranean Homesick Blues", quando ela diz: "Não é
preciso um meteorologista para dizer de que lado sopra o vento..."
(You don't need a Weatherman to Know
which way the wind blows...) inspirou um movimento da juventude norte-americana
que se propunha a destruir a sociedade pela violência.
O movimento surgiu como a facção militante dos 40 mil estudantes da Studentes Democratic Society (SDS). No
Congresso nacional do SDS em Chicago (1969) essa facção tornou-se dominante e
conseguiu expulsar os marxistas não-violentos. Adotaram uma política de
violência imediata com o nome Weathermen e
foram os autores de bombas atiradas em bancos, tribunais, universidades etc.
Análises importantes,
todavia provisórias, têm sido feitas a respeito, no caso dos Estados Unidos. O
primeiro talvez a chamar a atenção, naquele momento, tenha sido o escritor Gore
Vidal, talvez melhor que os autores de Banhos
de Sangue (Bains de sang constructifs
dans le sang et la propagande, 1973) ainda que estes tenham demonstrado até
que ponto o governo dos Estados Unidos anteriormente tenham se envolvido em
crimes praticados na Guerra do Vietnã.
Vidal divulgou em El País
(Madri) parte do conteúdo das cartas-correspondências
que mantinha com o terrorista norte-americano Timothy, pouco antes da violência
letal atribuída ao Estado. Dizia ele,- contra o terror de Estado, - que melhor
teria ocorrido ao terrorista explodir bombas para efeito simbólico de destruição de prédios, sem vítimas, p. ex., o
próprio Pentágono.
No que se refere
especificamente ao confronto contra os afegãos e a utilização de imagens, como
sabemos, o Corão proíbe a reprodução
de figuras humanas e sagradas. Para os fundamentalistas, a interdição, feita há
1.300 anos, vale para fotos e imagens
transmitidas pela TV. Porque querem preservar, a todo custo, o que
construíram: as regras e normas do
islamismo professado por Maomé.
Embora o país tenha sido
devastado nos últimos 200 anos por uma dezena de conflitos, três guerras contra
a Inglaterra até sua independência em 1919, um golpe de estado que derrubou o
rei em 1973, e ainda, em 1979 a então
URSS - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, devastou o país
permanecendo em guerra por dez anos. Quando estes foram expulsos, assumiu o
poder a milícia islâmica Taliban, que
significa estudante, no dialeto pashto,
a segunda língua da região. O grupo foi criado em 1994 por um movimento
estudantil radical. O “império” americano realizou uma "guerra longa"
contra o Afeganistão como anunciaram pela mídia.
No caso do Iraque, nestes dias e em termos de submissão das vontades, a guerra
foi considerada “rápida” na contabilidade americana porque culminou com a morte
de dez mil militares, aproximadamente três mil civis e dezesseis jornalistas em
pouco mais de vinte dias.
Daí a terceira questão e
breve, que diz respeito a duas definições weberianas entrelaçadas ao espírito do capitalismo. Todavia
trata-se apenas de uma intuição. Weber em 1904/05 afirmava o seguinte:
"Ninguém sabe ainda a quem caberá no futuro viver nessa prisão [o capitalismo vencedor] ou se,
no fim desse tremendo desenvolvimento, não surgirão profetas inteiramente novos, ou um vigoroso renascimento de velhos
pensamentos e idéias, ou ainda se nenhuma dessas duas - a eventualidade de uma
petrificação mecanizada caracterizada por esta convulsora espécie de auto-justificação"
(sich-wichtig nehmen).
O fato é que estes últimos
homens poderiam ser designados de acordo com Weber, como "especialistas
sem espírito, sensualistas sem coração, nulidades que imaginam ter atingido um
nível de civilização nunca antes alcançado". E em contraposição, o carisma, que particularmente refere-se a
faculdades mágicas, revelações ou heroísmo, poder intelectual ou de oratória. O
sempre novo, o extracotidiano, o inaudito e o arrebatamento emotivo que
provocam constituem a fonte da devoção pessoal. Representam eles a dominação do
profeta, do herói guerreiro e do grande demagogo. É uma relação social
especificamente extracotidiana e puramente pessoal. O pressuposto indispensável
para isso é "fazer-se acreditar". Se "lhe falha o êxito, seu
domínio oscila".
A impressão que temos diante
da mídia norte-americana e de resto
na Europa, para não falarmos no Brasil, quanto ao nome de bin Laden [bin em letra minúscula significa "filho de"] é
que, como justificativa para o fim da economia
de guerra - ou a chamada "guerra fria", os conflitos mundiais
perderam sua matriz político-ideológica e ganharam desde a guerra contra o
Golfo Pérsico (1991) mediações culturais e religiosas, de "suposta"
rivalidade entre emblemas como Ocidente e Oriente, entre cristãos, judeus e
islâmicos. Ele assim [bin Laden] passa a ser o que Weber intuiu: "não
surgirão profetas inteiramente
novos?".
Finalmente, repetimos, ainda
um exemplo sobre o gravíssimo problema dos dispositivos
discursivos editados na e pela informação
globalizada. A pergunta é, para lembrarmos de Michel Foucault (1984a, 1984b):
“Que saber se forma a partir daí?”. Posto que não se trata de determinar se
essas “produções discursivas” e esses “efeitos de poder” levam a formular a
verdade, ou, ao contrário, mentiras destinadas a ocultá-lo, mas revelar a
‘vontade de saber’ que lhe serve ao mesmo tempo de suporte e instrumento,
quando interessa-nos levar em consideração, “quem fala, os lugares e os pontos
de vista de que se fala, as instituições que incitam a fazê-lo”, que armazenam
e difundem o que se diz, em suma o ‘fato discursivo’ global.
Mark Bowden, que dispensa
apresentação sobre sua imersão jornalística no ideário europeu e americano é um
típico exemplo. No artigo, “Mil e uma histórias que traçam o perfil de Saddam
Hussein”, nitidamente inspirado em “As Mil e Uma Noites” (Las Mil y Una Noches, 1985), particularmente no conto “A História
do rei Schahriar e de seu irmão o rei Schahzmán” (Historia del rey Schahriar y de su hermano el rey Schahzmán), ele
endossa tudo que o jornalismo mundial faz enquanto “capital da notícia”,
modalidade que Marcondes Filho (1986) explica a notícia “como mercadoria”,
“como veículo ideológico” e “como agente político”. Ele fantasia a narrativa a
partir de uma idéia de “profeta e tirano árabe com origens humildes”. Citaremos
alguns trechos, com breves comentários.
Para o articulista, Saddam Hussein, o
‘Ungido, o glorioso líder, descendente direto do profeta’ presidente do Iraque,
presidente de seu Conselho da Revolução, marechal de seus exércitos, doutor de
suas leis e Grande Tio de seu povo, costuma acordar por volta das 3h da manhã.
Ele nunca dorme mais do que quatro ou cinco horas por noite, mas “ele tem 65
anos, mas ninguém pode ver que ele está envelhecendo: o seu poder baseia-se no
medo, não no afeto”.
Saddam é um “tirano [que] não pode se mostrar curvado,
frágil, grisalho (...) Quando ele precisa
fazer um discurso, os seus conselheiros
lhe fornecem um texto com letras enormes (...) O seu problema nas costas
o faz mancar ligeiramente; por isso, ele evita ser visto ou filmado
andando”. Ele tem longos braços e mãos
grossas e fortes. No Iraque, o tamanho de um homem ainda é importante, e Saddam
impressiona. Com 1 m88, ele domina os seus conselheiros. O seu peso varia entre
95 e 100 quilos”. Como “presidente
vitalício”, passa todos os dias longas horas em um de seus escritórios,
alternadamente, acompanhado por seus agentes de segurança.
Saddam lê com voracidade e se interessa por
muitos assuntos. Entre outros, ele nutre uma paixão pela história do mundo árabe
e a história militar, embora, recorra a
“‘ghosts writers’ para alimentar um fluxo ininterrupto de discursos, artigos,
livros de história de filosofia; a sua obra também comporta livros de ficção.
Mas ele “parece ter escrito e publicado duas fábulas românticas (...) antes de
publicar os seus livros, Saddam os distribui discretamente para escritores
profissionais iraquianos, e pede seus comentários e sugestões. Ninguém ousa ser
sincero”.
De acordo com o articulista, o que quer
Saddam? “Deseja acima de tudo ser admirado, reverenciado e ficar para a
história”. Afirma ele que,
“a sua biografia oficial em 19 volumes é uma leitura
obrigatória para os funcionários iraquianos; Saddam também encomendou um filme
de seis horas sobre a sua vida, intitulado “Os Longos Dias” e dirigido por
Terence Young, mais conhecido por ter sido o diretor de três filmes de James
Bond. Saddam disse à sua biógrafa que
ele não se interessava por aquilo que pensam dele, e sim apenas o que pensariam
dele dentro de 500 anos. A busca tenaz e sangrenta de Saddam pelo poder parece
ter por única origem a vaidade” (sic).
Finalmente, Mark Bowden, “patina” em
dois argumentos preconceituosos, mas também pragmáticos para um certo
jornalismo, com base em alguns historiadores
europeus e americanos:
“Apesar
de se extasiar com a rica história da Arábia, Saddam reconhece a superioridade
do mundo ocidental em dois campos. O primeiro é a tecnologia do armamento (daí
os seus esforços incansáveis para importar material militar avançado e para
desenvolver armas de destruição maciça). O segundo é a arte de tomar e de
manter o poder. Ele se tornou admirador de um dos dirigentes mais tirânicos da
história: Joseph Stalin” (sic).
3 - Pragmatismo e Religião
“A
miséria religiosa é, ao mesmo tempo, a expressão da miséria real e o protesto
contra a miséria real. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o
sentimento de um mundo sem coração, assim como é o espírito de uma condição sem
espírito. Ela é o ópio do povo”. (Karl Marx)
Entendidas
algumas idéias gerais sobre “pragmatismo e verdade” e “pragmatismo e política”
, passemos agora, mesmo que provisoriamente,
ao exame da relação “pragmatismo e religião” tomando como referência as
expressões: ‘guerra limpa’; ‘guerra tecnológica’, ‘guerra justa’; ‘guerra contra
infiéis’, entre outros.
Os
episódios de 11 de setembro em Nova Iorque recolocaram em pauta o conceito de
“guerra justa”, pragmaticamente
pensado como auto-defesa. Diante da
ineficácia simbólica, da idéia de ‘guerra limpa’, ‘guerra tecnológica’, onde
não haveria mais “banhos de sangue” a ser exibido, nem combate “corpo a corpo”.
Em verdade este conceito foi elaborado pela cristandade
ocidental no século XII, a partir da expansão da sociedade européia
ocidental através das lutas contra os hereges, das investidas das cruzadas e da
criação da Inquisição. De modo que,
“estamos diante de um embate ideológico travado no interior da teologia
política ocidental que percorreu vários séculos” (Cerqueira Filho e Neder,
2003).
A
idéia de ‘guerra justa’, lembram os autores, também pode ser admitida como
‘guerra contra os infiéis”, erigida a partir do expansionismo da igreja romana,
católica, no qual as cruzadas condensam toda a sua magnitude. Situa-se neste
enquadramento ideológico a expansão marítima e colonial da cristandade européia
para a América, Ásia e África, a partir do século XVI, num quadro onde a
escravidão e o tráfico de escravos de
africanos e indígenas não devem ser esquecidos.
Para os que nos interessa,
“a idéia de ‘guerra justa’ implicou, como implica ainda, ser uma absolvição
moral da guerra e daqueles que a decidem e praticam” (Id., Ib.). Mas decidem,
em primeiro lugar, porque a guerra hoje é vista pelo ''espelho emocional das
sociedades''. A televisão amplifica a personalização exacerbada dos
comportamentos. E para um líder político, o virtual permite mostrar um tipo
particular de proteção: a imunidade midiática. E em segundo lugar porque o
''novo império'', é uma empresa plutocrática que exerce poder simbólico sobre a
sociedade civil mundial e propõe-se a administrar e hierarquizar as diferenças
numa economia geral de comando.
Daí
que a radicalização política ocorre de forma mais aguda na década de 1990. Os
fatores que contribuíram para tal fato foram, o fim da política internacional
de “equilíbrio entre blocos”, representado, no plano simbólico, pela queda do
Muro de Berlim, que havia garantido, bem ou mal, que os conflitos permanecessem
confinados em fronteiras imaginárias, ou seja, para que a guerra imperialista
fosse percebida como “localizada”. Assim, a velocidade com que ocorreu o
desmantelamento do bloco socialista deveu-se a uma conjunção de variáveis
desfavoráveis à articulação de um novo “equilíbrio”.
Estas
variáveis desfavoráveis representaram, de acordo com Cerqueira Filho e Neder (2003)
de um lado, os governos republicanos nos EUA (Reagan e Bush, pai – meados da
década de 1980/meados dos 90). Estes governos desancaram a voracidade
expansionista e o exclusivismo do “império”, impedindo, inclusive a formação da
Comunidade de Estados Independentes (CEI) na antiga URSS, então proposta por M.
Gorbachev. Com receio dos partidos comunistas do Iraque e do Irã, por exemplo,
que eram organizações políticas fortes até o início do processo de distensão
política na região, apoiaram (militarmente) forças políticas ligadas a grupos
fundamentalistas islâmicos, até então minoritários em vários países asiáticos (dentre
eles o Irã e o Iraque).
De
outro lado:
“a eleição de João Paulo II como “papa polonês” da
Igreja Romana deu uma guinada à direita na inserção política da cristandade
ocidental e interferiu diretamente na velocidade do desmantelamento do bloco
socialista na Europa oriental (a partir da Polônia), dificultando uma
repactuação política em termos internacionais. Todavia, foi muito mais fraco o
tom, para não falar em omissão, do Papado Romano na condenação moral das
carnificinas entre cristãos greco-ortodoxos e muçulmanos nos Bálcãs. Mesmo no
conflito palestino-israelense a omissão ronda a presença do Vaticano. Também na
América Latina, os efeitos desta guinada fizeram-se presentes, através do
esvaziamento político da teologia da libertação, com desdobramentos
significativos, sendo o caso da Nicarágua o mais emblemático” (Cerqueira Fº e Neder,
2003).
Estes episódios repetimos,
demonstram porque o genocídio, a vitimização de civis (seja pela guerra
convencional, seja pela guerra de guerrilha ou pelo terrorismo), e a tortura,
começaram a ganhar a condenação moral da sociedade civil internacional, que vem
progressivamente reclamando, no tempo presente, por um Tribunal Penal Internacional. Porque tem sido importante declarar
direitos universais que devem ultrapassar as barreiras dos Estados
constituídos. E além disso, retomar o processo de elaboração do conceito de dignidade humana e dos direitos
fundamentais que se constituem como sua garantia, como condição para a
consolidação de uma vida estável e digna de ser vivida em todo o planeta.
4
– Pragmatismo e Sociedade
“Pelo que sei , só Comte sabia o que ele ia fazer durante
todo o resto da vida”. Florestan Fernandes (1978:3).
Conquanto saibamos que as
questões referentes à vida social e aos produtos culturais da atividade humana
permeiam as ciências sociais e as humanidades em geral, não podemos concordar
com Giddens e Turner (1999) quando afirmam: “não consideramos a teoria social
propriedade de nenhuma disciplina”. Ao contrário, entendemos que toda “teoria
social” é propriedade de uma disciplina. Por quê? Uma disciplina pode ser definida como uma categoria que organiza o
conhecimento científico e que institui nesse conhecimento a divisão e a
especialização do trabalho respondendo à diversidade de domínios que as
ciências recobrem. Apesar de estar englobada num conjunto científico mais
vasto, uma disciplina tende naturalmente à autonomia pela delimitação de suas
fronteiras, pela linguagem que instaura, pelas técnicas que é levada a elaborar
ou a utilizar e, eventualmente, pelas teorias que lhe são próprias.
A organização disciplinar
instituiu-se no século 19, principalmente com a formação das universidades
modernas e, depois, se desenvolveu no século 20, com o progresso da pesquisa
científica. Isto significa que as disciplinas têm uma história: nascimento, institucionalização, evolução,
decadência. Esta história inscreve-se na da Universidade que, por sua vez,
inscreve-se na história da sociedade. Portanto, o estudo da disciplinaridade,
da organização da ciência em disciplinas, é decorrente da sociologia das ciências, da
sociologia do conhecimento, de uma reflexão interna em cada disciplina e, também, de um conhecimento extremo.
Ipso facto a sociologia do conhecimento pretende
identificar os nexos que existem entre as dimensões racional e histórica do
conhecimento, e os sujeitos individuais e coletivos junto com os elementos
culturais de conteúdo cognitivo predominante, tais como se processam em
práticas e saberes sociais constituídos no âmbito das ciências naturais e
sociais, doutrinas, crenças, explicações racionais etc., que foram elaboradas
e expressas pelos mesmos sujeitos. A
sociologia do conhecimento, portanto, tem por objetivo estudar a gênese social
do saber, distinguindo dois conceitos
epistêmicos que, embora a linguagem cotidiana não se aperceba manifestam
sentidos diversos como saber – “ter
por verdadeiro”, e conhecer -, como
representação de uma “convivência do falante com aquilo que fala”, analisando
as relações que ocorrem entre as estruturas da sociedade e as formas de
conhecimento, como também tentar demonstrar analiticamente o modo como tais
formas se influenciam reciprocamente.
Não basta situar-se como analista social no
interior de uma disciplina para “conhecer” os problemas que lhe são
concernentes. Assim, o leitor que busca consenso quanto à natureza e os
objetivos de quaisquer teorias sociais não se sentirá desapontado. Só depois do
golpe militar desencadeado pela intervenção norte-americana no Chile, tendo
como prócer o general Haig, com a destruição da Casa de La Moñeda e a deposição de Allende em 1973, é que o sociólogo Alain
Touraine escreveu posteriormente em “Pour la Sociologie” (1974) sobre a
exigência principal do conhecimento sociológico: “o reconhecimento de que o
sentido da ação não é jamais dado inteiramente pela consciência do ator”,
lembrando que “o conhecimento não prepara a ordem de amanhã”.
Isto é importante na medida
em que o pragmatismo enquanto uma
filosofia da ação serviu como fonte filosófica da Escola de Chicago. E do ponto
de vista da teoria sociológica, o real significado do “interacionismo
simbólico” e sua fecundidade teórica só podem ser compreendidos quando
contrastados com a velha Escola de Chicago, a quem dão continuidade. O
interacionismo simbólico é visto como a continuação de certas partes do
pensamento e obra do heterogêneo grupo interdisciplinar de teóricos da
Universidade de Chicago que exerceram certa influência na sociologia americana
entre 1890 e 1940, durante a fase de institucionalização propriamente dita da
disciplina.
De acordo com Joas,
“A
dificuldade maior reside no fato de a Escola de Chicago – que pode ser descrita
como combinação de uma filosofia pragmática, de uma orientação política
reformista para as possibilidades da democracia num quadro de rápida
industrialização e urbanização, e dos esforços para transformar a sociologia
numa ciência empírica, sem deixar de atribuir grande importância às fontes
pré-científicas do conhecimento experimental – ser apenas uma relação parcial,
do ponto de vista teórico, das possibilidades
inerentes à filosofia social do pragmatismo” (Joas, 1999:131).
Mas, o nome
dessa linha de pesquisa sociológica e
sociopsicológica foi cunhado em 1938 por Herbert Blumer. Seu escopo são os
processos de interação – ação social caracterizada por uma orientação
imediatamente recíproca -, ao passo que o exame desses processos se baseia num
conceito específico de interação que privilegia o caráter simbólico da ação
social.
O pragmatismo
desenvolveu o conceito de ação, por que é uma filosofia da ação, mas não como
Talcott Parsons, e, pelo menos segundo a interpretação que este lhe deu, ou os
pensadores clássicos em sociologia considerando aqui Marx, Durkheim, Weber e
Simmel no quadro do utilitarismo. Decerto, o pragmatismo não se mostra menos
crítico em relação ao utilitarismo do que os clássicos em sociologia.
Todavia, não
ataca o utilitarismo devido ao problema da ação e da ordem social, mas por
causa do problema da ação e da consciência, já que no plano da teoria, se é que
podemos pensar assim, a teoria pragmática da ordem social é, pois, orientada
pela concepção do controle social no sentido de auto-regulação e solução de
problemas coletivos. Essa concepção da ordem social é moldada por idéias sobre
democracia e estrutura de comunicação nas comunidades científicas. Rorty foi
quem melhor percebeu isso. A real importância desse tipo de ordem social, nas modernas
sociedades, suscita um dos principais problemas da filosofia política
pragmática e da sociologia baseada nessa filosofia.
O conceito
de ação desenvolvido pelo pragmatismo
emerge a partir da idéia de superar os dualismo cartesianos. Ou seja, resumidamente,
os pragmáticos põem em dúvida o sentido da dúvida cartesiana. Melhor dizendo,
nada mais é do que a defesa de autoridades inquestionáveis contra a
reivindicação emancipatória do “eu pensante”. É portanto, um pleito em defesa
da verdadeira dúvida, em defesa do enraizamento da cognição em situações concretas. A noção central cartesiana do eu solitário
que duvida sucumbe, conforme Joas, à idéia de uma busca coletiva da verdade
para solucionar os problemas reais encontrados no curso da ação. Poder-se-ia
atribuir a essa transformação o mesmo significado histórico concedido à
filosofia de Descartes. O que muda, para esta concepção é toda relação entre
cognição e realidade. O conceito de verdade já não expressa a correta
representação da realidade na cognição, que pode ser considerada uma espécie de
metáfora de uma cópia; expressa, antes, um aumento do poder de agir em relação
a um ambiente.
Isto quer
dizer que, todas as etapas da cognição, da percepção sensorial, através da
extração lógica de conclusões até a auto-reflexão, devem ser agora concebidas
de outra maneira. Charles Pierce encetou esse programa. William James que
parece ter influenciado Simmel com suas teorias, aplicou-o a um bom número de
problemas, principalmente de natureza religiosa ou existencial. Movido pelo
desejo de mostrar a impossibilidade de encontrar soluções universalmente
válidas para esses problemas, James estreitou, e portanto debilitou de um modo
decisivo, a idéia básica do pragmatismo. Contrariamente a Pierce, formulou o
critério de verdade em termos dos resultados realmente obtidos, não dos
resultados esperados. Em sua psicologia, James não considerou a ação como ponto
de partida, mas o puro fluxo da experiência consciente. Formulou, entretanto,
análises extraordinariamente profundas e intrigantes que mostravam a
seletividade da percepção e a distribuição da atenção como função dos objetivos
do sujeito.
Contudo, a
influência decisiva do pragmatismo na sociologia começou com John Dewey e
George Herbert Mead que passando inicialmente pelos contorno de uma psicologia
funcionalista, pretendia interpretar todos os processos e operações psíquicas –
não apenas as cognitivas – segundo sua eficácia para a solução dos problemas
encontrados pelas pessoas no curso da conduta.
Tal empresa significava a rejeição das abordagens epistemológicas ditas
tradicionais, utilizadas na interpretação dos fenômenos psíquicos, e uma
crítica a todas as psicologias que, em maior ou menor grau, acatam tais
posturas filosóficas. A crítica de Dewey e Mead, volta-se sobretudo contra as
teorias que reduzem a ação a uma conduta
determinada pelo meio. Entretanto, o modelo de ação utilizado nessa crítica
revela também a modificação do significado da intencionalidade em comparação
com as teorias que vêem a ação como a concretização de fins predeterminados. Para Joas,
“no pragmatismo, justamente porque ele considera todas as operações
psíquicas à luz de sua eficácia para a ação, é impossível sustentar que a
determinação de um fim seja um ato consciente per se, que ocorre fora dos
contextos da ação. Ao contrário, a determinação de um fim só pode ser o
resultado de ponderações sobre as resistências que uma conduta variamente
orientada em diversas direções encontra.
Ao ser impossível acompanhar simultaneamente todos os impulsos ou compulsões
que levam à ação, ocorrerá um motivo dominante que, como se fora um fim,
sufocará os demais ou lhes concederá eficácia apenas num grau subordinado” (Joas, 1999:136).
A crítica de
que esse modelo reduz o conceito de ação de um modo instrumentalista ou
ativista perdeu sua “plausibilidade”, graças ao interesse que Dewey e Mead
tinham pelas brincadeiras infantis, não só porque queriam promover uma reforma
educacional, mas também porque as brincadeiras lhes serviam como modelo de uma ação
sujeita a um mínimo de obstáculos para sua realização. Para Dewey, o
pragmatismo era nada menos que uma maneira de criticar aqueles aspectos da vida americana “que
tornam a ação um fim em si mesmo e têm dos fins uma visão muito estreita e
muito prática”. Ou seja, somente na ação a imediaticidade qualitativa do mundo e
de nós mesmos nos é revelada.
Mas a
objeção principal para nós, diz respeito ao desenvolvimento das idéias de Dewey
e Mead, reiteradas por Joas em comparação com a abordagem utilitarista, quando
afirma:
“a teoria pragmática da ação inaugura novos campos de fenômenos e, ao
mesmo tempo, torna necessário repensar os campos conhecidos – e os faz de um
modo que não encontra precedentes na crítica feita pelos pensadores da
sociologia clássica ao utilitarismo” (Joas, 1999:137).
O próprio
Giddens reviu este aspecto posteriormente com o sugestivo título de seu livro
“Política, Sociologia e Teoria Social: Encontros com o Pensamento Social
Clássico” (Politics, Sociology and Social
Theory. Encounters with Classical and Contemporary Social Thought, 1995)
quando afirma no capítulo “A Sociologia
Política de Durkheim”:
“...Durkheim não estava, como freqüentemente se afirma,
preocupado acima de tudo com a natureza da ‘anomia’, mas antes com a exploração
da complexa inter-relação entre as três dimensões da ‘anomia’, ‘egoismo’ e
‘individualismo’. A divisão do trabalho social constituiu o pensamento de Durkheim a esse respeito, e
ele não se desviou posteriormente da posição defendida naquela obra, embora não
tenha elaborado completamente algumas de suas implicações senão bem mais tarde.
A conclusão substancialmente mais importante a que chegou Durkheim em A divisão
do trabalho social foi a de que a solidariedade orgânica pressupõe um
individualismo moral: em outras palavras, que ‘é errado contrastar uma
sociedade que vem de uma comunidade de crenças (solidariedade mecânica) com
outra que tem uma base cooperativa (solidariedade cooperativa), reconhecendo
apenas na primeira um caráter moral e vendo na segunda simplesmente um
agrupamento econômico’. A fonte imediata desse individualismo moral, tal como
explicitada por Durkheim em sua contribuição
para a discussão pública a respeito do caso Dreyfus, estava nos ideais
gerados pela Revolução de 1789. O individualismo moral não pode de modo algum
ser confundido com o egoísmo (ou seja, com a busca do interesse próprio), tal
como postulado na teoria econômica clássica e na filosofia utilitarista. O
crescimento do individualismo, derivado da expansão da solidariedade orgânica,
não deveria ser necessariamente equiparado à anomia (a condição anômica da
divisão do trabalho era um fenômeno transitório, que se originava precisamente
do fato de que a celebração de contratos estava insuficientemente governada
pela regulação moral” (Giddens, 1998:106-107).
Finalmente,
se o pragmatismo era nada menos que uma
maneira de criticar aqueles aspectos da vida americana que tornam “a ação um
fim em si mesmo” e tem “dos fins uma visão muito estreita e muito prática”, e
ainda, “que a escolha da ação como ponto de partida da reflexão filosófica não
significa que o mundo decaiu ao nível de simples material à disposição das
interações dos agentes”, diante de uma guerra pós-imperialista que define a
ação a partir do “mercado”, o particular
“mercado das nações” como idealização principesca, seu peer ranking, como não admitir a idéia
de ação como um fim em si mesmo, como fantasia de um país que dá tiros nos
próprios pés.
Assim, talvez
seja possível pensar numa história e numa lógica da dramaturgia do desprezo -
de base psico-política - como ingrediente constitutivo da fantasia de “Príncipe
perfeito” que, num afã, de responder ao absolutismo do mercado, se coloca no
lugar de idealização narcísica diante do
extermínio humano, da possibilidade da destruição das imagens e na crença de um
ter por verdadeiro suficientemente válido, mas apenas no plano subjetivo.
Notas
1. Seymour Martin Lipset, A Sociedade Americana. Uma Análise Histórica e Comparada. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1966, “O Papel dos Intelectuais”, pp. 86-94; O Homem Político (Political Man). Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1967; capítulo X – “Os Intelectuais Americanos: Sua
Política e ‘Status’”, pp. 326-362; Talcott Parsons, A Sociologia Americana. Perspectivas, Problemas, Métodos. São
Paulo: Editora Cultrix, 1970, Parte I, “Componentes dos Sistemas Sociais”; pp.
25-119.
2. Jurandir Freire Costa, “O Interesse de Richard
Rorty” In: Folha de S. Paulo: ‘Olho
Clínico’. Mais!. 21 de maio de 1995,
passim.
3. [Anônimo] Las
Mil y Una Noches. Textos Integros. Tomo I. Barcelona, 1985.
4. Cf. Hans Hoas, “Interacionismo Simbólico” In: Teoria Social Hoje/Anthony Gidens e
Jonathan Turner (orgs.). São Paulo: Editora UNESP, 1999, pp. 135 e ss.
GADAMER, Hans-Georg, Verdade e Método. Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica.
Petrópolis (RJ): Vozes, 1997.
CERQUEIRA Fº, Gisálio e NEDER, Gizlene, “Guerra,
Política Monetária e Direito Internacional” In: IX Semana Jurídica da Faculdade de Direito da UFRJ. Rio de Janeiro,
24 a 28 de março de 2003.
LIPSET, Seymour Martin, A Sociedade Americana. Uma Análise Histórica e Comparada. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1966.
_____________, A
Sociedade Americana. Uma Análise Histórica e Comparada. Rio de Janeiro:
Zahar Editores, 1966.
_____________,O
Homem Político (Political Man). Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967.
PARSONS, Talcott, A Sociologia Americana. Perspectivas, Problemas, Métodos. São
Paulo: Editora Cultrix, 1970.
RORTY, A
filosofia e o espelho da natureza. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.
____________, Objetivismo,
relativismo e verdade. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1997.
WEBER, Max, Sociologia
(Org.), Gabriel Cohn. São Paulo: Ática, 1982.
ALVES, Rubem Azevedo, O suspiro dos oprimidos. São Paulo: Ed. Paulinas, 1984.
FERNANDES, Florestan, A Condição de Sociólogo. São Paulo, HUCITEC, 1978.
GIDDENS, Anthony e Turner, Jonathan (orgs.), Teoria Social Hoje. São Paulo Editora da
UNESP, 1999.
[Anônimo]
Las Mil y Una Noches. Textos
Integros. Tomo I. Barcelona, 1985.
CRESPI, Franco e FORNARI, Fabrizio, Introdução à Sociologia do Conhecimento.
Bauru, SP:
EDUSC, 2000.
BOMBASSARO, Luiz Carlos, As Fronteiras da Epistemologia. Como se produz o conhecimento.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1992.
GIDDENS, Anthony, Política, Sociologia e Teoria Social. Encontros com o pensamento social
clássico e contemporâneo. São Paulo: Editora da UNESP, 1998.
TOURAINE, Alain, Em Defesa da Sociologia. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976.
COULON, Alain, Etnometodologia. Petrópolis, RJ: Vozes,
1995.
HOAS, Hans, “Interacionismo Simbólico” In: Teoria Social Hoje/Anthony Gidens e
Jonathan Turner (orgs.). São Paulo: Editora UNESP, 1999.
Folha de S. Paulo, resenha de Jurandir Freire
Costa, “O Interesse de Richard Rorty”, 21 de maio de 1995.
_____________, resenha de Ivan Domingues, “Rorty e
as Esquerdas”, 8 de janeiro de 2000.
_____________, resenha de Jézio Hernani Bomfim
Gutierre, “A Utopia Pragmatista”, 9 de dezembro de 2000.
_____________, resenha de Milton Meira Nascimento,
“o que são os direitos Humanos”, 8 de julho de 2000.
El País, artigo: “Casa Branca e CIA culpam-se
mutuamente sobre acusação falsa contra Iraque. Os políticos do partido
Democrata pedem uma investigação exaustiva”, 12.07.2003.
Financial Times, Editorial: “Guerra no Iraque
representa revolução estratégica”, 21.03.2003.
_____________, Editorial, “A guerra do Iraque valeu
a pena”, 16.07.2003.
Le Monde, artigo: “Caso polêmico vira escândalo
após a morte de um conselheiro em armamentos do governo Blair”, 19.07.2003.
New York Times,
artigo: “Blair defende guerra contra Saddam em claro apoio a Bush”,
18.07.2003.
______________, artigo: “Ataque anti-EUA no Iraque
mostram estilo ‘clássico de guerrilha’”, 17.07.2003.
Depoimento do Exmo. Sr. Presidente dos Estados Unidos
da América George W. Bush para a revista “A Voz”: “Todas as pessoas querem
fidelidade”.
Resumo: O presente artigo pretende analisar a
partir do pragmatismo de Richard Rorty, as representações da modernidade no
âmbito da cultura norte-americana. Tal reflexão deve-se ao fato de que diante
da destruição, extermínio e crimes de guerra cometidos com a nova ocupação
militar no Iraque, serviu como baluarte
para uma cultura que, relacionando pragmatismo e verdade, pragmatismo e
política e pragmatismo e religião consagrou a máxima de Weber calcada na idéia
de que “‘fim’ é a representação de um resultado que se converte em causa de uma
ação”. Não há resposta satisfatória tanto para a filosofia pragmática quanto
para a pragmática sociológica. Além disso, este episódio demarcou, do ponto de
vista da sociedade civil mundial, uma condenação
moral com o pedido de formação de um Tribunal
Penal Internacional contra o consórcio
anglo-americano representado por Bush-Blair.
Palavras-chave:
filosofia pragmática; pragmatismo e
verdade; pragmatismo e política; guerra preventiva; consórcio anglo-americano.
Abstract: The present article intends to analyse
starting from Richard Rorty's pragmatism, the representations of the modernity
in the ambit of the North American culture. Such reflection is due to the fact
that before the destruction, extermination and war crimes made with the new
military occupation in Iraq, it was good as rampart for a culture that,
relating pragmatism and truth, pragmatism and politics and pragmatism and
religion consecrated the maximum wearing from Weber in the idea that "
'end' is the representation of a result that turns into cause of an action
". There is not satisfactory answer so much for the pragmatic philosophy
as for the pragmatic sociological. Besides, this episode to demarcate, of the
point of view of the world civil society, a moral
condemnation with the request of formation of a International Penal Tribunal against the Anglo-American consortium represented for Bush-Blair.
Word-key: pragmatic philosophy; pragmatism and truth; pragmatism and
politics; preventive war; Anglo-American consortium.
* Sociólogo (UFF), Doutor em Ciências (USP). Professor
e pesquisador da Coordenação do Curso de Ciências Sociais da Universidade
Estadual do Ceará – UECE. Mail: usbraga@hotmail.com