A
CIÊNCIA POLÍTICA E O TEATRO INTIMISTA DE A. STRINDBERG[1]
O
presente ensaio ressalta a importância de Auguste Strindberg (1849 – 1912) e do
seu teatro intimista para um olhar da Ciência Política capaz de dar conta das
relações entre poder, autoridade e responsabilidade parental do Estado (Pierre
Legendre). A peça teatral “O Pai” é tomada como referência principal.
Palavras-chave:
Strindberg - teatro intimista - figura paterna - “O Pai” (drama) - microfísica
do poder
August
Strindberg (1849/1912), sueco, nascido em Estocolmo, é conhecido mundialmente
como escritor, ensaista e dramaturgo. Foi isso e muito mais: jornalista,
crítico social, profundamente interessado tanto na ciência (química, medicina,
ciências políticas) quanto no ocultismo e na estética. Homem de letras,
novelista, poeta, pintor, considerado um dos maiores renovadores do idioma
sueco, idealizador do “teatro íntimo”, que funcionou de 1907 a 1910 e tornou
famoso o número 20 da Rua Norra Bantoget, na própria capital do país nórdico.
Ele escreveu a maior parte dos dramas intimistas aí encenados, quase sempre
referidos ao casal, ao casamento como armadilha, explorando-se ao infinito as
contradições e ambivalências entre o pensar, o sentir e o agir que tanto encantaram
o escritor Arthur Schnitzler e o médico Sigmund Freud, para citar dois
prescrutadores da psiquê humana, ambos estabelecidos naquela Viena fin-de-siècle
que insistia em chocar o mundo com experiências de vanguarda na área cultural.
Combatendo o antigo teatro, enunciou uma série de princípios cênicos e sugeriu
em carta a August Falk (23/4/1908) que “O Pai” (1887) deveria ser representada
como uma tragédia, em traços largos, com alguma solenidade”. Embora
fundamentalmente conhecido como dramaturgo alternou esta atividade com a
alquimia, a fotografia e a pintura.
A
tradução da peça “O Pai” para o português[2]
foi feita a partir da versão em inglês de N. Erichsen e originalmente publicada
em 1949 por Charles Scribner’s Sons (Nova York) e Gerald Duckworth & Co.
Ltd. (Londres). Há uma tradução, do sueco para o francês, feita pelo próprio
Strindberg e referida como “excelente” por Frederich Nietzsche em carta datada
de 7/12/1888 e remetida para o autor desde Turim. Nesta mesma carta Nietzsche
dá conta que fora “possuído pela peça magistral de rigorosa psicologia” e
sugere que ela seja apresentada em Paris, no Théâtre Libre de Monsieur
Antoine. Nietzsche percebera o extraordinário poder de introspecção e mesmo
auto-análise presentes em “O Pai”. Em resposta, desde Copenhagen e em meados de
dezembro de 1888, Strindberg diz estar bastante satisfeito, mas dá conta de que
foi obrigado a ceder os direitos de duas tiragens ao editor para assegurar a
impressão da peça. E arremata textualmente: “em compensação, durante o
espetáculo, uma velha caiu dura e morta, uma mulher pariu e no episódio da
camisa de força, três quartos do público se levantaram como um único homem para
deixar o teatro, soltando uivos espantosos”. Embora feliz com o caráter
chocante da encenação, mostra-se cético com a apresentação para os parisienses.
No
que concerne à tradução para o francês, ele faz uma confidência: a de que
escreve eventualmente em francês, mas ao mesmo tempo diz que não aceita
traduzir “Ecce Hommo”, de Nietzsche, por constrangimento em cobrar o justo
preço, que a seu ver seria caro, e por não poder fazer qualquer abatimento no
valor da tradução: “eu crio, às vêzes, em francês, em estilo de boulevard e
mesmo pitoresco, mas também traduzo minhas próprias obras. É absolutamente
impossível encontrar um tradutor francês que não se arvore em ‘corrigir’ o
estilo segundo as regras retóricas da Escola Normal, privando assim a expressão
da sua originalidade”.
Em “O Pai” Strindberg comporta-se como um
miniaturista das relações explosivas encapsuladas na insitituição do casamento
(ele mesmo foi casado, e divorciou-se, em três ocasiões), e que o Ocidente de
então ainda insistia em considerar como sacramento, acentuando-se o viés do
Direito Canônico, contra o qual impunha-se com muita dificuldade o Codigo
Napoleônico. O olhar atento para as relações de poder presentes tanto na
família como no íntimo relacionamento amoroso do casal antecipa por algumas
décadas a microfísica do poder Michel Foucault. O diálogo abaixo é exemplar:
“Capitão - Laura, salve a mim e a minha razão. Você
parece não entender o que eu digo. Se a criança não é minha, então não tenho
nenhum controle sobre ela, e não quero ter; isso é precisamente o que você
quer, não é? Você tem o poder sobre a criança e eu deverei ser preservado para
manter vocês duas.
Laura - O poder, sim.
Todo esse combate de vida e morte foi causado por alguma coisa que não o
poder?”
Megalomania,
narcisismo, arrogância, autoritarismo absolutista, masoquismo, fixação materna,
obsessão, hostilidade, misoginia, mania de perseguição, o parricídio, tudo isto
está presente nas relações familiares, e sempre entrelaçado a um aspecto
crucial para a Ciência Política: as relações de poder.
Por
paradoxal que possa parecer, também a pintura de Strindberg nos ajuda a
compreender o seu interesse nos dramas intimistas quase sempre referidos ao
casal e à família, que tanta influência causou no cineasta, também sueco,
Ingmar Bergman. No filme “Cenas de um casamento”, dirigido por Bergman, a
“cena” doméstica já está viva em Strindberg. No filme “Fanny e Alexander”,
Bergman o termina com uma cena onde duas personagens femininas falam de seu
desejo de montar “O sonho” (1901), de Strindberg. E na novela “Depois do
ensaio”, ainda de Bergman, feita para a televisão sueca, a ação se passa após
um ensaio de “O sonho” na forma de um diálogo entre o diretor e uma de suas
atrizes. “O sonho” não é apenas uma paixão deste grande ícone do cinema; é
também uma metáfora de Strindberg para o inconsciente e para a própria
Psicanálise, que se funda n’A Interpretação dos Sonhos, por Sigmund
Freud.
Muitos consideram que
Strindberg tenha sido um cineasta antes do cinema. Isto porque nele a idéia de
“corte” já está presente determinando o ritmo, a leitura e a vivência dos fatos
cênicos. Mas de fato a idéia de “corte” atravessa toda a pintura do dramaturgo.
Vejamos como.
Sua primeira pintura
intitula-se “Ruínas do castelo de Tulborn na Escócia” e data de 1872. O autor
viajou muito, viveu entre França, Suiça, Alemanha e Dinamarca, experimentou o exílio
e freqüentou os círculos artísticos de Grez-sur-Loing, nas cercanias de
Paris. Ali, em 1895, chegou a travar contacto com Paul Gauguin. Foi amigo dos
líderes oposicionistas da arte oficial sueca como Carl Larsson e Karl
Nordströn. Larsson chegou a pintar um desenho para calendário (1883) onde
retrata um brinde na pensão para artistas suecos em que Strindberg aparece em
primeiro plano, à direita. Em 1896 desfrutou de uma boa temporada na companhia
de Edward Münch.
Sua
pintura, que possuia um vanguardismo inequívoco, custou a ser reconhecida; mas
atualmente, é considerada como inovadora, criativa, precurssora do que mais
tarde seria demominado de expressionismo abstrato americano dos anos 50 e
também do informalismo.
Seu
legado estético está centrado na paisagem onde estão ausentes tanto a figura
humana quanto qualquer outra referência a um espaço previamente conhecido.
Entretanto, sua técnica nos oferece cortes planos em espaços referidos à
perspectiva e à profundidade que resultam em sensação angustiosa, tão cara a
Münch e ao seu tempo, e mesmo claustrófóbica em pleno terreno ou zona
paisagística totalmente livre e aberta. Por aí se capturam aspectos centrais de
sua angústia interior, cravada na contradição e ambivalência de sentimentos.
Sempre pintando “paisagens”, por certo irreconhecíveis na realidade, Strindberg
costumava passear pelas manhãs e tardes no arquipélago de Kimemendö, na Suécia,
retornando sempre à casa para pintar em estúdio. As cores que utiliza são
quentes, telúricas; suas pinceladas são fortes. Como na melhor tradição inglesa
a natureza vai ser reflexo de seu tormento interior e, nem mesmo o senso de
humor, dito britânico, estará ausente.
Esse tormento está,
talvez, associado a um pesado legado afetivo e ideológico de natureza religiosa
e cristã, particularmente de caráter tomista, mas re-interpretado na Suécia
protestante. Um certo individualismo initimista, de acento calvinista, interage
com o integrismo cristão romano espalhando-se por um espectro tão grande. Uma
intressante hipótese é a de que o neo-tomismo chega à Suécia através do exílio
dos jesuítas na Rússia que os acolheu desde que a Companhia foi extinta em fins
do século XVIII. O fato é que há um conjunto de valores religiosos
conservadores que pulsa na obra de Strindberg malgrado o combate que o autor
move contra esses mesmos valores. As posições que assume na prática com relação
à instituição do casamento em geral, as questões pessoais suscitadas pelo seu
próprio casamento, o primeiro (1877-1891), com Siri[3],
para não falar dos outros dois[4],
as posições progressistas que assume no tocante à defesa do divórcio e das
lutas pelos direitos das mulheres, a coletânea de contos intitulada
“Casamentos” publicada em dois volumes (1883; 1885), que lhe valeu um processo
por blasfêmia; todo esse impressionante conjunto de ações concretas se choca
violentamente com uma aspiração de perfeição, completude e controle absoluto
inscrita no pensamento de Santo Tomás de Aquino. O sentimento de culpa é
nevrálgico neste sistema de pensamento, tão forte no Ocidente e tão presente na
infância de August Strindberg. A esse respeito seu epitáfio resume de maneira
dolorosa a sua vida e nos confronta diretamente com o tomismo: “Tudo foi
expiado, o único monumento que eu peço é uma cruz negra e minha história”.
Expiação e cruz negra, símbolos marcantes que se transformam em gala, morte e
luto na vida e obra de Strindberg. Em “Há crimes e crimes” (1899), o autor
antecipa a função e o papel do super-ego freudiano ao sugerir que há crimes não
capitulados no código penal que, todavia, clamam a consciência e instauram o
aguilhão da culpa, em certos casos sem remissão ou perdão conforme a norma
protestante.
A leitura de “O Pai” pode
ser realizada a partir de, pelo menos, três entradas:
1) o
absolutismo afetivo. 2) a ignorância
simbólica da lei. 3) a misoginia. 4) a expiação da culpa a partir da encenção
do sofrimento.
O desejo de controle
sobre o Outro, a exigência de irrestrita obediência e submissão, informam e
sustentam a personagem do Capitão de cavalaria em “O Pai”, a partir do desejo,
de impossível comprovação cabal e definitiva à época, de que um homem é, com
certeza absoluta, o pai de seu próprio filho. Ânsia por obediência e submissão,
ansiedade incontrolável por controle, surgem aqui como emoções e sentimentos,
algumas vêzes inconscientes, atuantes de forma decisiva no desejo de completude
e na idealização narcísica. A fantasia de um controle absoluto funciona como
uma pintura, um quadro que o sujeito pinta para enxergar a realidade da janela
da sua subjetividade. E é realmente fantástico quando pensamos nos grandes
acontecimentos históricos e permanências de longa duração que podem ser
influenciados por esse tipo de emoção. A contradição e a ambivalência atingem
um grau paroxístico em Strindberg quando, falando das condições para um
casamento dar certo, diz com ironia e picardia; “o casamento só é possível se
nos tornamos cegos e surdos, se deixamos de refletir um sobre o outro e, sob a
influência do instinto, reencontramos a inconsciência” (Paris, 1895). E logo em
seguida: “dar prova de bom gosto deixando-se enganar, não discutir os
sentimentos do Outro, respeitar suas pequenas fraquezas e seus grandes vícios,
eis as condições de um casamento” (Paris, 1895). Todavia, todo esse receituário
vem acompanhado da exigência de obediência total e submissão completa, como as
que são feitas pelo Capitão, nos termos da máxima perinde ac cadaver
(obediente como um cadáver), lema de Inácio de Loyola e dos jesuítas da
Companhia de Jesus, por ele fundada.
O absolutismo afetivo nos
termos propostos por “O Pai” acaba resultando na imagem totêmica de uma figura
paterna omnipresente e avassaladora, cuja fantasmagoria se iguala, nos efeitos,
à sua carência, quando tal figura paterna esteja eventualmente ausente ou
degradada. Ambas as imagens, a da carência da figura paterna ou a da sua
presença absolutista e autoritária acabam por produzir o interessante efeito da
ignorância simbólica da lei com importantes e deletérios efeitos sobre a ordem
jurídica, especialmente no Ocidente, e que vem sendo estudados por Pierre
Legendre. Finalmente, e na trilha aberta por este autor francês, (jurista,
cientista social e psicanalista) os sentimentos de demanda por obediência e
submissão vem sempre acompanhados pelo sussurro do “eu te amo”, do quanto
amoroso e amorável é o censor do qual se investe o poder, encarnado na figura
do pai. Daí porque a vacilação em obedecer, o medo, o temor, a obediência em
si, serem tonalidades de uma mesma melodia: o desejo de submissão.
O sentimento da misoginia
também comparece, quase sempre inconsciente, pois em Strindberg ele está
admiravelmente unido com uma prática política de defesa dos direitos das
mulheres... Por isso, as ambivalências aqui se dão no plano analítico das
relações entre o agir e o sentir. De fato, a capacidade de enxergar o diverso
na unidade, a ambivalência de sentimentos opostos inscritos na unidade da ação
era muito peculiar ao escritor sueco. Funciona ele próprio como um vulcão de
emoções, mas com a qualidade rara de abominar todo e qualquer dogma; o que não
o impedia de cair, as vezes, na armadilha do dogmatismo. Maximo Gorki refere-se
ao desnudamento audacioso que faz da mulher no volume “Rainha Cristina”. E
sugere: “eu que sou russo, habituado a cantar a mulher russa e a respeitá-la,
muitas vêzes me irritei com a atitude de Strindberg com relação às mulheres”
(Jornal Pravda, n.10, 1912, por ocasião da morte de Strindberg). Em “O
Pai”, o Capitão ve-se cercado por mulheres que querem subtrair seu poder e
educar sua filha (Bertha). São elas: a sogra, que quer fazer de Bertha uma
espiritualista; Laura (a esposa) que quer faze-la artista; a governanta, que
quer torná-la metodista; Margret, que quer torná-la batista; as criadas, que a
querem salvacionista. Certamente não é fortuito esse furor pela conversão
religiosa. Contra todas se insurge o Capitão aparentemente rebelde e insubmisso
que quer fazer valer a sua total e plena autoridade paterna. Mas ele próprio
não está imune ao neo-tomismo de natureza religiosa, oculto na sua rebeldia, a
impregnar o seu absolutismo afetivo. Aliás, o conjunto de mulheres contra o
qual se insurge, o capitão as designa como “bando”. Acrescenta Gorki: “acho que
a severidade excessiva com a qual ele freqüentemente julgava a mulher, tinha
sua origem numa idéia muito elevada do papel dela no mundo e do amor infinito
da mulher enquanto mãe. Ou dizendo de outra forma, amor pelo ser que triunfa da
morte, criando” (a maternidade). A
misoginia de Strindberg se manifestava através da forma como o cristianismo a
conecebe: a entronização da mulher no “altar” do lar, uma certa inveja sobre a
convicção que cada mulher podia ter de quem fosse realmente seu filho, ao
contrário do homem, que nunca tinha certeza absoluta; o que acaba se
transformando numa idéia obsessiva no Capitão: ter a garantia completa de que
Bertha era sua filha. Bem, o tema era recorrente na época e certamente um dos
clássicos da literatura brasileira, “Dom Casmurro” (1900), escrito por Machado
de Assis 1839-1908), se construiu exatamente em cima desta dúvida: as amarguras
do nosso Bentinho (metáfora alusiva à religiosidade) e a supremacia de nossa
Capitu, abreviatura de Capitolina (metófora que sugere o poder - capitel,
capitol, capitólio –, inclusive político, da mulher). Ciúmes, invejas,
amargura, tormento interior, obsessão, loucura apaixonada, são sentimentos que
se entrelaçam na convergência de busca de um controle absoluto. Bentinho está
para o Capitão como Laura está para Capitu. E antes mesmo da psicanálise de
Freud (1856-1939), Machado, no seu conto “O espelho”, já esboçava uma “nova
teoria da alma humana” capaz de lidar com as contradições e ambivalências entre
o sentir, o pensar e o agir. Dizia Machado: o “um” da criatura humana é
composto de dois; ou o ser humano possui duas almas, uma interior, outra exterior
; uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro. E como
Strindberg intuía isso!
Ele foi também pioneiro,
depois de Kleist e Büchner, em trazer para o teatro as coisas que o faziam
sofrer. Poderíamos chamar esse teatro de “sacrificial” para acentuar o valor da
mortificação e do sacrifício no cristianismo? O fato é que no teatro também
dito “onírico”, por onde é visível a infiltração do inconsciente, encontramos
“continuadamente uma longa sequência de ‘flagrantes delitos’ (pecados), dos
quais o próprio Strindberg foi vítima em sua vida pessoal. Encontro aí uma
obsessão, uma obsessão real...”(Artur Adamov, Théâtre en Europe, n.5,
Paris, Bebba, jan. 1985). Não há dúvidas de que estávamos diante de um novo
tempo e um novo espaço. Rimbaud costumava dizer que o amor, o tempo e o espaço,
estavam para ser reinventados. Strindberg se esforçava por agir nesta direção
apesar dos constrangimentos ideológicos a que estava submetido. O tempo como
personagem, tempo estéril, cujo força corrosiva atinge homens e idéias, já fora
tomado como tema pela literatura nórdica, mais precisamente dinamarquesa, com
Jens Peter Jacobsen (1847-1885), com as obras
“Maria Grubbe” (1876) e Niels Lyhne (1880). Strindberg avança por aí,
dando seqüência ao conjunto de autores malditos que se iniciara com o movimento
pré-romântico alemão Sturm and Drang (Tempestade e Ímpeto, 1770-1785),
com Lenz, Kleist e Buchner; todavia, desligando-se crescentemente de uma
primeira fase vinculada ao romantismo e depois ao naturalismo. Desta época
fazem parte “Senhorita Júlia” (1888) e “O Pai” (1887), esta última
essencialmente auto-biográfica. A segunda fase é caracterizada por uma intensa
crise mística, cujo título principal, e que ainda evoca o acento religioso, é
“Inferno” (1897). Seu inferno é sua crise religiosa e vice-versa. Deste
tormento sai em 1898 com “O Caminho de Damasco”, apaziguado e convertido como
Paulo. A trilogia dramática “O Caminho para Damasco” é considerada marco
inicial do teatro expressionista do século XX. A partir de então escreve alguns
dramas tendo como pano de fundo a história sueca: “Erik XIV” (1899) e “Carlos
XII” (1901). A última fase revela um Strindberg mais anti-dogmático e dando
asas à fantasia; é conhecida como fase onírica, cuja adjetivação também nomeia
o seu teatro íntimo. Várias peças de câmara são deste momento: por exemplo “A
tempestade”, “Pelicano”, “Sonata dos Espectros” e “O Sonho” (1902).
Porém, devemos atentar
que esta distinção em fases é meramente analítica e didática; elas estão
inter-relacionadas e uma freqüentemente se reconhece na outra. Em “O Pai”, por
exemplo”, mesclam-se apectos românticos, naturalistas, místico-religiosos e
oníricos. Trata-se de uma peça soberba. Em relação a ela o autor assim se
pronunciou: “não sei se ‘O Pai’ foi uma invenção minha ou se minha vida foi
assim, mas sinto que, num dado momento, não muito distante, isso me será
revelado, e o drama aí presente me tornará louco ou me levará ao
suicídio”.
Bibliografia:
Cerqueira
Filho, Gisálio, “Freud, a Cultura e a Política”, revista Pulsional de
Psicanálise, Ano XV, n. 155, São Paulo, Editora Escuta, março de 2002
Gravier,
Maurice (org.) – “Thêatre cruel et théatre mystique”, Paris, Gallimard,
1964.
Legendre, Pierre
- “L’amour du Censeur: essai sur L’Ordre Dogmatique”, Paris, Éditions du
Seuil, 1974.
Michaelis, Rolf –
“Plaintes dans um valée de larmes: Strindberg and le théatre allemand, in
“Théatre em Europe”, n. 5, Paris, Bebba, janeiro, 1985.
Strindberg, August - “Eight famous plays”, Björkman,
Edwin & Erichsen, N. (tradutores), introdução de Alan Harris, primeira
edição por Charles Scribner’s Sons (Nova York) e Gerald Duckworth & Co.
Ltd. (Londres), 1949.
Strindberg, August - Posições sobre o feminismo” in “Primer
Acto: cuadernos de investigación teatral”, n. 199/200, Madri, Editorial
Vox, maio/outubro, 1983.
Strindberg, August
- Programas de montagem para “Temporale”, por Giorgio Strehler e “O
Pai”, por Celina Sodré (direção) e Fátima Saadi (assessoria teórica).
Strindberg, August
http://www.mundofree.com/aurora_boreal/Strindberg_pintura.html
Para algum outro detalhe ver também Strindberg Museum
in the Blue Tower (Drottninggatan, 85 - 11 160 Stochholm, Sweden) na Internet.
[2] Tradução e revisão técnica realizadas por Luiz Fabiano de Freitas e Gisálio Cerqueira Filho, Niterói, 2001
[3] O primeiro casamento foi com a baronesa sueca Siri von Essen, mais tarde atriz do Treatro Dramático Real, que encena “Senhorita Júlia” no papel principal em 1899. Com ela tem três filhos: Karin, Greta e Hans.
[4] O segundo casamento (1893) foi com a jornalista austríaca Frida Uhl, com quem vive até 1899 e tem uma filha: Kerstin. O terceiro casamento se dá com a atriz norueguesa Harriet Bosse. Nos útimos quatro anos de vida apaixona-se pela jovem atriz do “teatro íntimo” Fanny Falkner, com que não chega a casar-se.
*
Gisálio
Cerqueira Filho, Doutor em Ciência Política (USP) e Professor Titular de
Sociologia, é docente e pesquisador senior na Universidade Federal Fluminense
(UFF). E-mail: gisalio@antares.com.br