A
COPA DO MUNDO: UM MOMENTO DE REFLEXÃO
Dimas
Enéas Soares Ferreira*
O clima de copa do mundo já
contagia os brasileiros. Durante a competição mais glamourosa do planeta, todos
se transformam em técnicos de futebol. Esquemas, táticas de jogo, escalações,
resultados e muitos outros assuntos “futebolísticos” substituem as discussões
sobre as eleições de outubro ou sobre a crise econômica na qual o Brasil está
afundado até o pescoço. Os “Ronaldinhos” tornaram-se os verdadeiros
super-heróis tupiniquins capazes de nos defender na grande batalha que ocorre
nas terras do Sol nascente. Enfim “é a
pátria de chuteiras”.
São 32 países
disputando o título de Campeão Mundial de futebol profissional, passaporte para
o reconhecimento internacional. Entretanto, um detalhe passa despercebido a
quase todas as pessoas. Lá estarão países de todos os continentes, com
realidades econômicas, políticas, sociais e culturais tão diversas quanto uma
verdadeira colcha de retalhos. Alguns desses países são ricos e desenvolvidos,
com altíssimo padrão de vida, como a maioria dos europeus (França, Dinamarca,
Espanha, Alemanha, Inglaterra, Suécia, Itália e Bélgica), além dos EUA e do
Japão. Outro grupo de países é formado pelos chamados emergentes (ou
subdesenvolvidos) como Brasil, México, Argentina, China, África do Sul,
Polônia, Arábia Saudita, Turquia e Rússia. Também estarão por lá aqueles que,
por estarem envolvidos em processos recentes de crescimento econômico e
desenvolvimento social, se classificam como desenvolvidos, mas que não podem
ainda ser chamados de ricos como Portugal, Coréia do Sul, Eslovênia e Irlanda.
E, por fim, aqueles que se situam no grupo dos não-industrializados e atrasados
como Senegal, Camarões, Paraguai, Costa Rica, Nigéria, Equador, Croácia e
Tunísia.
A distância das
condições materiais entre eles é gigantesca. Desde o mais rico do mundo, EUA,
com um PIB de 7,5 trilhões U$ e renda per capita de 25.000 U$/habitante/ano,
até um dos mais pobres e atrasados como o Senegal, com um PIB de 6 bilhões U$ e
uma renda per capita de 757 U$/habitante/ano. Se por um lado estão presentes
países de ponta na pesquisa científica como Japão, França e Alemanha, por
outro, estão países que ainda vivem quase que na “idade da pedra” como
Camarões, Nigéria, Equador e Tunísia. São diferenças que não são explicitadas
quando suas equipes entram em campo para jogar, aliás, essas distâncias
econômicas, sociais e tecnológicas não contam. O resultado muitas vezes é
favorável aos mais pobres e atrasados, um exemplo disso seria um jogo entre EUA
e Camarões. Dá até para imaginar a goleada que os gringos tomariam dos “leões indomáveis” da África que jogam um
futebol moderno, buscando os gols o tempo todo.
O grupo dos países
chamados emergentes é mais homogêneo do ponto de vista econômico e social, porém
possuem contrastes políticos e culturais enormes. O PIB e a renda per capita de
países como o Brasil (750 bilhões U$; 4.500 U$/hab./ano), México (350 bilhões
U$; 4.000 U$/hab./ano), Argentina (200 bilhões U$; 6.000 U$/hab./ano), China (1
trilhão U$; 769 U$/hab./ano), África do Sul (150 bilhões de U$; 3.650
U$/hab./ano), Polônia (100 bilhões U$; 2.630 U$/hab./ano), Arábia Saudita (150
bilhões U$; 8.800 U$/hab./ano), Turquia (130 bilhões U$; 2.150 U$/hab./ano) e
Rússia (450 bilhões U$; 3.000 U$/hab./ano) se aproximam muito, mas cada um
possui seus problemas políticos para enfrentar, como o Brasil que apresenta uma
das piores distribuições de renda e terra do mundo e uma elite muito pouco
afeita a mudanças, mas prestes a ver a esquerda ganhar as eleições, fato
inédito na nossa recente democracia. O México sofre com a grande proximidade
dos EUA e, conseqüentemente, com uma histórica dependência econômica e política
da maior nação do planeta. Por lá os ventos de mudança começaram a soprar desde
que o PRI (Partido Revolucionário Institucional) foi desalojado do poder após
mais de 90 anos de hegemonia. Seu atual Presidente da República, Vicente Fox
representa os interesses de uma nova classe média, disposta a defender seus
recentes ganhos de capital, principalmente após a criação do NAFTA (North
American Free Trade Agreement). A Argentina vem passando pela pior crise
econômica e política da sua história, sendo que vivencia um processo acelerado
de pauperização de seu povo, outrora orgulhoso das condições sociais existentes.
Os peronistas deixaram uma verdadeira “bomba-relógio” nas mãos dos
Justicialistas. O período de governo de Carlos Meném foi marcado pela
implementação de um projeto de reforma do Estado, sob a égide do
neoliberalismo. Assim, com a promoção de uma ampla política de abertura
econômica e comercial, de privatizações e de uma suicida política de Câmbio
Fixo, foi à bancarrota, sendo que o FMI (Fundo Monetário Internacional), que é
controlado pelo governo dos EUA, não tem se mostrado disposto a socorrê-los, já
que isso significaria salvar o MERCOSUL e dificultaria o avanço do rolo
compressor chamado ALCA (Área de Livre Comércio das Américas). A China é o país
que mais cresce na economia mundial. Desde finais dos anos 1980 vem
implementando uma política de abertura econômica visando se inserir na
globalização, mas com a preocupação de manter sua independência e seu regime
“comunista”, na realidade foi criado um sistema econômico híbrido, que mescla
as vantagens do mercado livre com a segurança da intervenção estatal, como uma
espécie de “socialismo de mercado” ou “mercado socialista”. Os episódios
ocorridos na Praça da Paz Celestial no final dos anos 1980 abriram os olhos do
governo chinês que, preocupado em manter o controle político sobre uma
população de 1,3 bilhão de habitantes, resolveu avançar nas reformas econômicas
para que pudessem oferecer ao seu povo um mercado moderno e preparado para a
concorrência global dos tempos atuais. A África do Sul, conhecida pelo
Apartheid (já abolido) vem se reconstruindo politicamente, tanto sob o ponto de
vista interno, com maior participação da maioria negra, como do ponto de vista
externo, com uma maior inserção na comunidade internacional. Sua posição
geográfica ao sul do continente africano, entre os oceanos Atlântico e Índico,
além de suas gigantescas reservas minerais (ouro e diamantes) a coloca entre os
principais alvos da expansão dos grandes mercados capitalistas. Para nós,
brasileiros, já está mais que na hora de pensarmos em buscarmos uma parceria
junto aos nossos irmãos africanos. A Polônia, ex-Estado do Leste Europeu,
satélite da antiga U.R.S.S. (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), tem
buscado maior integração com a U.E. (União Européia), inclusive sendo forte
candidata a ingressar naquele bloco econômico. Desde os anos 1980, quando a
pressão do Papa João Paulo II (Karol Wojtila) e o Sindicato Solidariedade (Solidarnosk), com suas greves nos
estaleiros de Gdansk e Gdynia, impôs mudanças radicais no regime político, a
Polônia tem caminhado a passos largos rumo à economia de mercado. Sua população
extremamente católica e fortemente influenciada pelas tradições da burguesia
judaica européia possui semelhanças com os europeus ocidentais. A Arábia
Saudita é o maior aliado dos EUA no Mundo Árabe. Entretanto, tem se posicionado
contra o apoio norte-americano aos israelenses e a favor da criação de um
Estado Palestino. Seu povo exige uma postura mais independente de seu Soberano
e espera que possam ser um autêntico país árabe sem grandes influências da decadente
sociedade ocidental. Seu maior trunfo é ainda possuir as maiores reservas
mundiais de petróleo, fato que lhe garante, junto a OPEP (Organização dos
Países Exportadores de Petróleo), o poder de definir os preços internacionais
do barril de petróleo. A Turquia é o mais ocidentalizado de todos os países
muçulmanos. Sua proximidade com a Europa tem lhe rendido alguns investimentos
que foram capazes de alavancar seu desenvolvimento e de criar um significativo
mercado consumidor. Contudo, o problema com os curdos continua sendo seu maior
entrave. O PKK (Partido dos Trabalhadores do Kurdistão), que luta pela
independência curda, parece ter sido controlado, mas o povo curdo não se sente
totalmente satisfeito, pois ainda não possui a tão sonhada autonomia, nem
tampouco a terra para constituírem sua nação. Recentemente, iniciou as
negociações junto a U.E. (União Européia) objetivando se integrar ao bloco
econômico europeu, entretanto, seus indicadores econômicos e sociais ainda
impedem que esse sonho se realize. Por fim, a Rússia, o velho “urso da Sibéria” não se deu por vencido
após a queda dos regimes comunistas. Sua enorme capacidade econômica lhe
garante um belo futuro, porém, por enquanto, o Estado russo se vê envolvido na
luta contra as máfias que assolam o país. A inexperiência econômica de mercado
livre levou diversos setores da economia a serem controlados por grupos
mafiosos. É uma questão de tempo. O Presidente Putin tem realizado um grande
trabalho de integração da Rússia à comunidade capitalista ocidental. Através de
sua principal moeda de barganha, ou seja, seu ainda considerável aparato
bélico-nuclear, a Rússia conseguiu efetivar seu ingresso na velha OTAN
(Organização do Tratado do Atlântico Norte), antes inimiga mortal e, espera em
pouco tempo conseguir sua entrada na U.E.
A Copa do Mundo
deveria ser uma oportunidade para que os povos e as nações pudessem se
confraternizar em torno da paz e da busca da prosperidade para todos. Os países
mais ricos e poderosos devem se conscientizar que só será possível vivermos
todos com dignidade, se deixarem suas políticas imperialistas e protecionistas
de lado, e se entregarem de “corpo e alma” na construção de um mundo mais justo
e igualitário para todos. Nós brasileiros esperamos que possamos dar mais uma
grande lição de como se deve jogar bola. Nossos craques estarão encarnando
velhos gênios do futebol, como Pelé, Didi, Vavá, Garrincha, Tostão, Zico,
Romário e tantos outros que honraram a camisa amarela, eternizando a seleção
“Canarinho”. Mas não nos esqueçamos dos nossos problemas. A alienação não deve
imperar nesses dias. Nos entreguemos de coração à nossa pátria. Vamos vestir a
camisa da seleção, vamos pendurar a Bandeira do Brasil nas nossas janelas,
vamos provar que, apesar de todas as dificuldades e tristezas que nos têm
abatido, ainda somos felizes por sermos brasileiros e acreditamos que esta é a
melhor nação do mundo para se viver. Vai Brasil e traz o caneco para essa gente
sofrida!
Bibliografia:
CORDELLIER, Serge. O Mundo Hoje
99/2000 – Anuário Econômico e Geopolítico Mundial. São Paulo/SP. Editora Ensaio.
2001.
Resumo:
A Copa do Mundo é uma das poucas oportunidades para os povos do mundo se encontrarem de forma fraterna com o espírito grego da esportividade. Nada de guerras, de conflitos étnicos e religiosos, nada de disputas econômicas. É hora de refletirmos sobre o mundo que queremos para nossos filhos e sobre os acontecimentos que marcam a nossa história.
Palavras-chave: Globalização. Copa
do Mundo. América Latina. Política Internacional.
* O autor é professor assistente de História da
Universidade Presidente Antônio Carlos – Barbacena/MG. Professor da Escola
Preparatória de Cadetes do Ar – Barbacena/MG. Mestrando em Ciências Sociais da
PUC-MG. Articulista político semanal do site: “Pesquisas na área de história
local e política desenvolvidas junto à UNIPAC” (Pró-Reitoria de Pesquisa e Extensão).